Mais um passo na corrida para a abertura do mercado de gás natural
6 de fevereiro de 2020, 6h30
Como se sabe, um dos pontos mais relevantes, considerado condição precedente para a abertura do mercado, é a permissão de acesso a terceiros a infraestruturas essenciais (essential facilities). Entre as infraestruturas essenciais que devem ser acessadas por múltiplos agentes, destacam-se os gasodutos de transporte.
Além do acesso à infraestrutura, outro ponto de extrema relevância com relação ao transporte de gás natural é a transição para o modelo de contratação de capacidade de transporte por entradas e saídas (modelo de entradas e saídas), pois se entende que esse modelo traz mais flexibilidade de negociação aos agentes e ao sistema como um todo.
Para dar cumprimento a esses dois aspectos, é imprescindível que novos vendedores e compradores (utilizando-se o termo técnico, “carregadores”) possam contratar a capacidade de transporte das transportadoras, demandando alterações no âmbito regulatório e comercial.
De todo modo, para que essas medidas sejam de fato implementadas, também são necessárias adaptações no regime tributário, com vistas a dar segurança ao cumprimento de obrigações principais e acessórias nesse cenário de transição para uma multiplicidade maior de contratantes e para o modelo de entradas e saídas. Isso porque a legislação tributária atualmente vigente, especialmente relativa ao ICMS, não engloba previsões seguras para essa contratação múltipla e para o modelo desejado.
Nesse sentido, no campo tributário, muitos avanços ocorreram nos últimos dois anos, dos quais se destacam:
- A edição do Ajuste SINIEF 3/2018, que estabeleceu tratamento tributário diferenciado a operações e prestações envolvendo gás natural, possibilitando a participação de novos agentes e o cumprimento de obrigações principais e acessórias relacionadas às operações e prestações envolvendo gás natural com base no fluxo contratual desse produto, em detrimento do fluxo físico;
- A edição do Ajuste SINIEF 17/2019, que alterou o Ajuste SINIEF 3/2018 e regulamentou, para fins de regime tributário, o modelo de entradas e saídas;
- Uma série de atos da Comissão Técnica Permanente do ICMS (Cotepe/ICMS) editados no final de 2019 em atenção ao disposto no Ajuste SINIEF 3/2018, com o detalhamento de pontos fundamentais ao funcionamento do tratamento diferenciado, tais como: (i) aprovação do Sistema de Informação, no qual serão entregues as informações relativas às operações de circulação e prestação de serviço de transporte de gás natural; (ii) aprovação do Manual de Instrução, que contemplará as orientações necessárias à prestação de informações no Sistema de Informação; (iii) informações para o credenciamento dos contribuintes remetentes, destinatários e prestadores de serviço de transporte de gás natural dutoviário junto às secretarias estaduais de Fazenda das unidades federadas para usufruir do tratamento diferenciado (Ato Cotepe/ICMS 57/2019); e (iv) especificações relacionadas ao Período Transitório correspondente a 18 meses, prorrogável por mais seis meses.
A novidade mais recente é que, em atenção ao disposto no Ato Cotepe/ICMS 57/2019, entre os dias 23 de dezembro de 2019 e 3 de janeiro de 2020, foram publicados alguns atos Cotepe/ICMS divulgando os contribuintes credenciados ao tratamento diferenciado referido acima. Entretanto, em 6 de janeiro de 2020, foi publicado o Ato Cotepe/ICMS 2/2020, que consolida a lista de empresas credenciadas, revogando os atos Cotepe/ICMS anteriores. Até o momento, diversas empresas já se credenciaram, incluindo transportadoras, produtora e distribuidoras.
É importante destacar que o Ato Cotepe/ICMS 57/2019 determina que a administração tributária de cada unidade federada comunicará à Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Política Fazendária (SE/Confaz) a inclusão ou exclusão de credenciados a qualquer momento, o que será tornado público por meio de novo ato Cotepe/ICMS.
A edição dos atos Cotepe/ICMS de credenciamento representa um novo passo na corrida para abertura do mercado de gás natural e ganhará mais relevância em um cenário em que novas chamadas públicas de oferta da capacidade de transporte dos gasodutos são esperadas, contando com a desejável multiplicidade de agentes interessados.
No que se refere a Chamada Pública 1/2019, relativa à contratação de capacidade no Gasoduto Bolívia-Brasil ofertada pela TBG, merece destaque a recente assinatura de termo de compromisso firmado pela TBG e Petrobras com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para a sua retomada, englobando obrigações a serem observadas pela Petrobras para dar cumprimento ao termo de compromisso de cessão (TCC) firmado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Entre as obrigações assumidas pela Petrobras, há a necessidade de renúncia da capacidade de entrada que exceder o volume de gás natural indicado no TCC firmado com o Cade.
Além disso, o termo de compromisso mencionado também determina a realização de nova chamada pública para contratação da capacidade renunciada pela Petrobras no momento em que a ANP entender oportuno, da qual a estatal não poderá participar. Espera-se, portanto, que a capacidade de transporte seja efetivamente aberta para terceiros com essa nova chamada pública.
A TBG também solicitou aos interessados que informassem a necessidade de capacidade incremental no gasoduto mediante a submissão de formulário específico. Os resultados dessa chamada pública incremental superaram as expectativas de mercado (47 formulários submetidos por 15 participantes) e evidenciam o futuro promissor do mercado de gás natural.
Veja-se que, com base nos exemplos acima, já se aproxima a contratação de capacidade de transporte por novos agentes e, consequentemente, o possível credenciamento ao modelo de entradas e saídas, nos termos do Ajuste SINIEF 3/2018 e atos Cotepe/ICMS. Inclusive, espera-se que outras transportadoras também ofertem suas respectivas capacidades de transporte muito em breve.
A ideia é que os agentes que pretendem contratar capacidade de entrada e/ou saída e transportadores futuramente fiquem atentos ao credenciamento nas respectivas secretarias de Fazenda às quais estão atrelados, bem como à devida informação à SE/Confaz.
Novos capítulos importantes ao mercado de gás natural devem surgir nos próximos meses, e os atos normativos do Direito Tributário devem sempre acompanhar de perto esses avanços.
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