Paradoxo da Corte

Imprescritibilidade da ação de adjudicação compulsória na jurisprudência do STJ

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  • é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

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29 de dezembro de 2020, 8h01

Dormientibus non sucurrit ius!

Quando o cidadão tiver o sentimento de que o seu direito subjetivo foi lesado, poderá conformar-se, tentar obter o que lhe cabe por meio suasório ou, ainda, procurar a via judicial, batendo às portas do Poder Judiciário.

Esta derradeira opção, contudo, deverá ser feita dentro de um determinado prazo, geralmente previsto em lei, sob pena de ser extinto o seu direito, pela decadência, ou fulminado o exercício do direito de ação, pela ocorrência da prescrição.

Com efeito, o instituto da prescrição é contemplado no Código Civil como uma exceção de direito material que o réu pode arguir na defesa (artigo 193). Uma vez verificada, provoca a extinção da pretensão do autor (artigo 189). A decadência, a seu turno, é a extinção de um direito por não ter sido exercido no prazo legal (artigo 207).

No Código de Processo Civil, a prescrição é regida ao lado da decadência, como tema próprio da resolução do mérito da causa (artigo 487, II, cf., a respeito, Humberto Theodoro Júnior, "A exceção de prescrição: aspectos substanciais e processuais", As novas reformas do Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2006, pág. 41).

A prescrição e a decadência são, pois, fenômenos "pré-processuais" que têm por escopo precípuo imprimir segurança jurídica aos jurisdicionados.

A técnica escolhida pelo legislador, como pondera José Fernando Simão (Prescrição e decadência, São Paulo, Atlas, 2013, pág. 277), tem como primordial objetivo "a celeridade na prestação jurisdicional, como decorrência de uma política judiciária de redução de processos".

Restando claro o objetivo da disciplina, desde a promulgação do Código Civil de 2002 não existe mais dúvida quanto ao regime regrado, que estabelece, claramente, as distinções entre prescrição e decadência.

Consoante o artigo 189 do Código Civil, violado o direito, nasce a pretensão para o seu titular, a qual é extinta, entre outras razões, pelo decurso de certo período de tempo. Esse lapso é denominado prescrição ou prazo prescricional.

O conceito de pretensão, destarte, nada mais é do que o poder de exigir certa prestação de outrem. Desse modo, não só é necessário o direito à prestação, mas também a violação a esse direito, na esteira da clara exposição do saudoso professor José Carlos Barbosa Moreira, textual: "A impressão que desde logo se colhe é a de que a lei aderiu à concepção da pretensão como poder de exigir, não como pura exigência. Com efeito: a existência do direito e a ocorrência da violação afiguram-se necessárias para que alguém possa exigir (legitimamente) uma pretensão de outrem. Não o serão, entretanto, para que alguém de fato exija a prestação. Na perspectiva do novo Código Civil, só mereceria o nome de pretensão, a pretensão fundada, aquela que se baseie num genuíno poder de exigir" ("Notas sobre pretensão e prescrição no sistema do no Código Civil brasileiro", Revista trimestral de direito civil, vol. 11, São Paulo, jul/set. 2002, pág. 71).

A prescrição é, portanto, o interregno durante o qual o direito a uma determinada prestação pode ser exigido (v., por todos, Agnelo Amorim Filho, "Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis", Revista dos Tribunais, vol. 300, São Paulo, 1960, pág. 7-37).

Todavia, em algumas situações excepcionais o exercício do direito de ação não se encontra subordinado a qualquer lapso prescricional. É dizer, há ações que são imprescritíveis, como, v. g., aquelas que têm por objeto os direitos da personalidade, bem como as denominadas ações de estado da pessoa (por exemplo: investigação de paternidade); e, ainda, as ações de ressarcimento ao erário por ato doloso de improbidade administrativa (artigo 37, parágrafo 5º, da CF).

Entre essas exceções encontra-se a denominada ação de adjudicação compulsória, que tem natureza constitutiva, visto que objetiva a consolidação de um direito real, que emerge do compromisso de compra e venda, cujo preço tenha sido integralmente quitado pelo promitente comprador.

Em clássica monografia específica (Adjudicação compulsória, São Paulo, Ed. RT, 1991, pág. 32-33), escreve Ricardo Arcoverde Credie que se trata de "ação pessoal que pertine ao compromissário comprador, ou ao cessionário de seus direitos à aquisição, ajuizada com relação ao titular do domínio do imóvel (que tenha prometido vendê-lo através de contrato de compromisso de venda e compra e se omitiu quanto à escritura definitiva), tendente ao suprimento judicial desta outorga, mediante sentença constitutiva com a mesma eficácia do ato praticado".

Diante da finalidade dessa demanda, pela qual o autor exerce direito potestativo visando à alteração de uma situação jurídica decorrente de negócio jurídico carente da transferência do domínio de um determinado imóvel, desponta ele não subordinado a prazo decadencial.

E essa tem sido a orientação que atualmente prevalece no âmbito da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se extrai de precedente da 3ª Turma, no julgamento do agravo interno no Recurso Especial nº 1.584.461/GO, com voto condutor do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, in verbis:

"O objetivo da ação de adjudicação compulsória é a constituição de um direito real, fruto de compromisso de compra e venda, com a transferência da propriedade ao promitente comprador após a quitação integral do preço.
A 3ª Turma desta Corte decidiu acerca de semelhante controvérsia no Recurso Especial nº 1.489.565/DF, definindo que a pretensão de adjudicação compulsória não se sujeita a prazo prescricional (artigo 177 do CC/1916, atual artigo 205), somente se extinguido por meio de usucapião exercida por terceiro.
Naquele julgamento, ficou assentado que o objetivo da ação de adjudicação compulsória é a constituição de um direito real, fruto de compromisso de compra e venda, com a transferência da propriedade ao promitente comprador após a quitação integral do preço.
Assim, o direito de obter o registro do título somente pode ser atingido pela prescrição aquisitiva decorrente de eventual usucapião intentada por terceiro, não se submetendo, portanto, aos prazos previstos no artigo 177 do CC/1916 (atual artigo 205).

Ademais, a jurisprudência desta corte firmou o entendimento de que é dispensável o registro de compromisso de compra e venda para a imprescritibilidade da pretensão de adjudicação compulsória (REsp nº 195.236/SP)".

Importa ainda considerar que, nesse mesmo sentido, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça já assentara, de forma mais técnica, que o direito de se obter a adjudicação compulsória não se sujeira a prazo decadencial, ao ensejo do julgamento do Recurso Especial nº 1.216.568/MG, da relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, averbando que:

"Tratando-se de direito potestativo, sujeito a prazo decadencial, para cujo exercício a lei não previu prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não uso.
Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de adjudicação compulsória, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer tempo".

Conclui-se, pois, que, além de imprescritível (rectius: não sujeito à decadência), para o ajuizamento da ação de adjudicação compulsória, comprovado o pagamento do preço, não se exige prévio registro do compromisso de compra e venda, uma vez que a sentença de procedência do pedido propicia a substituição da vontade do promitente-vendedor, adimplindo, em seu lugar, a obrigação de formalizar o contrato de venda e compra prometido no respectivo compromisso.

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