Anuário: Marielle, Witzel, rachadinhas: a atuação do MP-RJ nos últimos anos
25 de dezembro de 2020, 8h59
*Reportagem publicada no Anuário do Ministério Público Brasil 2020, lançado no dia 14 de dezembro no canal da ConJur no YouTube. O Anuário está disponível gratuitamente na versão online e à venda na Livraria ConJur, em sua versão impressa
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A atuação do MP-RJ é intensa na área criminal. De acordo com o MP Um Retrato, levantamento estatístico anual do CNMP sobre a produtividade dos MPs no país, o MP-RJ recebeu do Judiciário, em 2019, cerca de 1,6 milhão de processos penais, quantidade menor apenas que a recebida em São Paulo. Na área extrajudicial, recebeu também no mesmo ano, mais de 3,5 milhões de inquéritos policiais e termos circunstanciados de ocorrência, o que é mais do que o dobro do que os outros estados da Região Sudeste somados, o que inclui os dois maiores MPs estaduais, São Paulo e Minas Gerais.
Por isso mesmo não é de se estranhar que uma das estrelas do MP-RJ seja o Gaeco, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, encarregado, como diz o seu nome, de combater o crime organizado e atividades ilícitas especializadas. Outro grupo que divide a ribalta com o Gaeco é o Gaecc, o Grupo Organizado de Combate à Corrupção. E através destes dois grupos o MP-RJ tem atuado frequentemente em conjunto – e em algumas vezes em confronto – com o Ministério Público Federal.
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Em 11 de março de 2019, o MP-RJ ofereceu denúncia de homicídio doloso junto ao 4º Tribunal do Júri da Capital contra os dois acusados de serem os executores do crime, os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz. A denúncia foi acatada pela Justiça que decidiu que os acusados serão julgados pelo tribunal do Júri.
Até chegar a este ponto foram inúmeros os percalços vencidos pelo MP-RJ. Antes mesmo de se iniciarem as investigações, a então procuradora-geral da República Raquel Dodge solicitou a federalização do caso. Apenas em maio de 2020, o STJ reconheceu a competência – em toda a extensão do termo – para continuar na condução do caso. Depois, o envolvimento aparentemente acidental do presidente Jair Bolsonaro no caso – pelo fato de residir no mesmo condomínio em que mora o réu confesso da execução – atraiu a participação do MPF e da PF para investigação do subcaso.
No decorrer das investigações, aflorou outro ramo do crime muito específico do Rio de Janeiro que são as milícias, grupos paramilitares que vendem segurança mediante extorsão e cometem execuções por encomenda nos subúrbios cariocas. Outro negócio das milícias é a construção de imóveis clandestinos. Além de operar na ilegalidade, a atividade é de alto risco: em abril de 2019, dois prédios desses desabaram na Zona Oeste do Rio, matando 24 pessoas.
Nas investigações das atividades das milícias, que se apresenta em Rio das Pedras sob a denominação de Sindicato do Crime, surgiram nomes com estreitas ligações com a família Bolsonaro, como o do ex-policial militar Fabrício Queiroz. Ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, Queiroz está presente em outra investigação do MP-RJ, a das rachadinhas, esquema de fraude de recursos da Assembleia envolvendo deputados estaduais. O agora senador Flávio tenta reiteradamente levar o caso para o foro federal.
Resumidamente, o assassinato de Marielle é apenas mais um caso de que se encarrega o MP-RJ, o mais rumoroso, com certeza, mas não certamente o mais relevante.
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Em agosto de 2020, apenas Sérgio Cabral seguia preso, enquanto Moreira Franco, Luiz Fernando Pezão, Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho respondiam a processos em liberdade. Também estão sendo processados dois ex-presidentes da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani e Paulo Mello, e um procurador-geral de Justiça, Cláudio Lopes. Uma pesquisa no site do MP-RJ mostra que pelo menos 15 prefeitos ou ex-prefeitos de municípios fluminenses também estão sendo processados, assim como cinco ex-diretores do Detran e dois ex-conselheiros do Tribunal de Contas do estado.
Em junho, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou a abertura de processo de impeachment contra o governador Wilson Witzel. Em agosto, foi afastado por cargo por decisão do Superior Tribunal de Justiça. A forte crise foi motivada pela investigação do Ministério Público sobre a aquisição superfaturada de respiradores e desvios nos fundos para a abertura de hospitais de campanha para o combate à epidemia do novo coronavírus. Seis secretários do primeiro escalão do governo perderam cargos e até o nome da primeira dama foi vinculado ao suposto esquema criminoso.
A epidemia exigiu que o MP-RJ agisse em praticamente todas as frentes da calamidade. Desde a fiscalização dos gastos públicos até demandar da federação de futebol a apresentação de protocolos de segurança técnico-científicos antes da retomada do campeonato estadual. Os governos estadual e dos municípios foram instados a adotar medidas de isolamento para o combate do novo coronavírus depois que a Fiocruz apresentou a recomendação de lockdown para o estado. Tentativas de prefeitos de flexibilizar o isolamento social e o fechamento dos negócios não essenciais foram opostas pelo MP-RJ.
Uma ação pediu na Justiça multa de R$ 50 mil a Marcelo Crivella por desrespeitar ordem judicial sobre isolamento. O governo do estado também foi contestado pelo órgão ministerial e pela Defensoria Pública que se uniram contra decreto estadual que flexibilizou o isolamento no estado sem base científica.
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Em fevereiro de 2020, a 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Infância e Juventude da Capital entrou com uma ação civil pública contra a prefeitura do Rio de Janeiro por ter arrestado quase R$ 5 milhões do Fundo Municipal para Atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente, usados para pagar salários atrasados e honrar contratos com organizações sociais da área da Saúde, e buscando o reabastecimento do fundo que é voltado a atender jovens expostos a situações de risco, que tiveram seus direitos violados, abandonados ou que, por decisão judicial, foram retirados do convívio familiar.
Na ponta da pirâmide, em maio, o MP buscou garantir a saúde dos idosos em abrigos municipais quando investigações apontaram que a administração municipal não estava garantindo a adoção de uma série de medidas para evitar a disseminação do novo coronavírus nestes estabelecimentos. Nos asilos, o órgão ministerial buscou implementação de medidas de isolamento para idosos que testaram positivo para a infecção e realizou um mapeamento das instituições de longa permanência para determinar as taxas de contágio nestes estabelecimentos. Em março, logo no começo da crise causada pela epidemia, o MP foi contra HC coletivo que pedia a revisão de pena de presos idosos, considerados grupo de risco para a doença.
O meio ambiente é o terceiro tema mais frequente nos processos extrajudiciais cíveis no MP-RJ e, em 2020, promotores e procuradores se ocuparam com demandas por fornecimento de água, elemento fundamental às medidas sanitárias de prevenção à contaminação com o novo coronavírus, buscando obrigar a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), o governo estadual e o Instituto Rio Metrópole a instituir um gabinete de crise e elaborar um plano de ações para garantir o abastecimento da população.
Também houve mobilização para impedir que o licenciamento ambiental para a construção de um novo autódromo na Floresta de Camboatá fosse decidido em audiência pública virtual, afirmando em nota que “não é adequado que a audiência ocorra em meio à epidemia, por não permitir o amplo acesso à informação e debate popular acerca do empreendimento e de seus impactos”.
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Tecnologia e inovação são a principal bandeira da gestão de Eduardo Gussem. Criado em fevereiro de 2019, o laboratório Inova visa a desenvolver experimentos de inovação, voltados a aumentar a relação custo-efetividade dos serviços públicos. Ao levantar dados por conta própria, o laboratório quer evitar que o MP-RJ tenha que solicitar informações a outros órgãos antes de agir. No futuro, o Inova pretende usar inteligência artificial para otimizar os argumentos das petições.
O sistema também será empregado para criar um banco de entendimentos e respostas jurídicas. O Centro de Pesquisas tem como objetivos desenvolver estudos baseados em evidências que sustentem a argumentação dos promotores e procuradores de Justiça; auxiliá-los na tomada de decisões; aprofundar a discussão de políticas públicas e permitir ações sistêmicas; promover o diálogo com a sociedade; e potencializar a renovação do conhecimento e a conexão com a academia.
O estudo Letalidade Policial no Rio de Janeiro em 10 Pontos concluiu que o aumento da letalidade policial não diminui crimes contra a vida e o patrimônio. Criado a partir de diversas bases de dados, o MP em Mapas é uma ferramenta que permite que o MP-RJ e a população em geral fiscalizem políticas públicas e tenham uma compreensão mais ampla dos problemas sociais do Rio de Janeiro.
Um dos robôs do sistema é o Lyra, que está sendo treinado para ler e interpretar documentos judiciais. O objetivo é que ele faça análises estatísticas e previsões sobre andamento de processos. Já a Zuleika garante que o MP-RJ tenha acesso a todos os andamentos de seus processos no Tribunal de Justiça fluminense. Para isso, o robô, diariamente, repassa dados do sistema do TJ-RJ para o do MP-RJ.
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
José Eduardo Ciotola Gussem
Nascimento: Em 1964, em Barra do Piraí (RJ)
Formação: Bacharel em Direito
Ingresso no MP-RJ: 1993
Mandato: 14/1/2019 – 14/1/2021
Em seu segundo biênio à frente da Procuradoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, reelegeu-se com 750 votos, o que corresponde a mais de 93% dos votos totais. Creditou o bom desempenho a um projeto de renovação do MP iniciado em 2015 e às propostas de investimento em atuação extrajudicial, planejamento estratégico e gestão de resultados.
“Meu objetivo é instalar em cada promotoria um sistema de inteligência artificial que possa primeiro fazer com que nós enxerguemos os órgãos de execução, a nossa atuação e o dia a dia. E que possamos diagnosticar tudo o que fazemos nelas, todas as demandas que chegam a nós”, diz ele, propondo que o MP tenha uma atitude mais proativa. “Não há mais espaço para que o Ministério Público aguarde passivamente as demandas de fora chegarem e depois as transforme em inquéritos e processos civis e criminais. Temos que nos antecipar, temos que ter uma posição resolutiva e preventiva, desvinculada do Poder Judiciário”.
Defende o fortalecimento dos Grupos Especiais de Atuação, como o Gaeco, de combate ao crime organizado, o Gaecc, de enfrentamento à corrupção e o Gaesf, contra a sonegação fiscal. Para ele o Ministério Público não deve ter vergonha de seu papel nas grandes questões do país, especialmente na economia: “Gradativamente, nós começamos a perceber que se o ambiente de negócios não for favorável à sociedade, ele não se desenvolve”.
Em sua gestão, buscou aumentar a eficiência do MP com investimentos em tecnologia, profissionalização do quadro de servidores e diminuição de custo com o gerenciamento de contratos, imóveis e veículos. É um defensor intransigente da unidade do MP, sem desmerecer a independência de procuradores e promotores: “Que a instituição tenha um pensamento único, mas, obviamente, respeitando a posição de cada membro”. Em 14 de janeiro de 2021 termina o seu segundo mandato à frente da instituição.
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