Quebra de tradições

3ª Turma do STJ define o ilícito de "assédio processual"

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12 de novembro de 2019, 9h18

O ajuizamento de ações sucessivas e sem fundamento para atingir objetivos maliciosos é “assédio processual”. Foi como a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça definiu a prática de abusar dos direitos fundamentais de acesso à Justiça e ampla defesa “por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo”.

Sergio Amaral
A decisão, do dia 17 de outubro, foi de condenar uma família a pagar indenização de R$ 100 mil a cada um dos autores da ação que resultou no processo, por assédio processual. Também foram arbitrados honorários de sucumbência de 10% sobre o valor total da causa. Do registro do STJ, constam dez autores. O valor total ainda não foi calculado.

Ficou definida a seguinte tese: “O ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual”.

A tese foi desenvolvida no caso pela ministra Nancy Andrighi, que, em voto-vista, divergiu do relator, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Nancy foi acompanhada pelos ministros Marco Aurélio Bellizze, Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro.

Sanseverino havia votado para negar o recurso, por entender que não havia nada a reformar na decisão da origem e porque o abuso processual se apura no próprio processo, conforme manda o parágrafo 3º do artigo 81 do Código de Processo Civil.

De acordo com Sanseverino, portanto, o abuso se daria dentro de uma demanda específica. Por exemplo, por meio do ajuizamento de diversos embargos de declaração ou do peticionamento sucessivo de documentos extensos demais para ser lidos em tempo hábil.

Mas, para a ministra Nancy, o direito processual precisa evoluir e o abuso do direito de ação não pode ficar restrito ao que está escrito na lei. “Embora não seja da tradição do direito processual civil brasileiro, é admissível o reconhecimento da existência do ato ilícito de abuso processual, tais como o abuso do direito fundamental de ação ou de defesa, não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais”, anotou a ministra, na ementa do acórdão.

Segundo ela, a tradição brasileira é de considerar abuso processual o que está definido como litigância de má-fé nos artigos 79, 80 e 81 do CPC. Os dispositivos dizem quais são as obrigações das partes no processo e quais são as atitudes que podem levar o juiz a condenar alguém por litigância de má-fé.

No entanto, argumenta a ministra, nem sempre as coisas são claras assim. É preciso definir, além dos abusos no decorrer do processo, o assédio processual.

“O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde”, afirma. “É por isso que é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito.”

A tese da ministra foi uma solução para o caso concreto. O recurso chegou ao STJ a partir de uma disputa pela propriedade de 1,5 mil hectares de terra na Bahia. A família que ajuizou a primeira ação, em 1988, se baseou, segundo a ministra, numa procuração já reconhecidamente falsa datada de 1970. A falsidade do documento foi declarada em 1983, quando a família que é realmente dona da terra buscou reaver o imóvel pela via administrativa.

A partir de 88, entretanto, conta Nancy, a família que tentava se assumir dona da terra ajuizou diversas ações, mesmo sabendo não ter razão. E entre 1995 e 2011, ocupou o terreno e exerceu atividades agrícolas lá, desobedecendo sentença transitada em julgado. E mesmo em 2011, quando veio a ordem definitiva de que a família se retirasse, foram ajuizadas três ações diferentes com o mesmo teor, em foros diferentes.

“O abuso do direito fundamental de acesso à justiça em que incorreram os recorridos não se materializou em cada um dos atos processuais individualmente considerados, mas, ao revés, concretizou-se em uma série de atos concertados, em sucessivas pretensões desprovidas de fundamentação e em quase uma dezena de demandas frívolas e temerárias”, resume Nancy, em seu voto.

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REsp 1.817.845

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