OAB-RS vai pagar danos morais por dizer que juiz achacou advogada em desagravo
14 de maio de 2019, 14h32
Dizer que um juiz achacou advogado em audiência pública sem apresentar provas do ocorrido fere direitos de personalidade, garantidos no inciso X do artigo 5º da Constituição, ocasionando, portanto, o pagamento de danos morais. Com este entendimento, a 2ª Vara Federal de Porto Alegre condenou a OAB gaúcha a indenizar em R$ 10 mil o juiz do trabalho Guilherme da Rocha Zambrano, que hoje jurisdiciona na 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.
A acusação ao juiz foi feita em uma nota de desagravo da OAB, o que teria levado, segundo a sentença, a que a opinião pública e a comunidade jurídica tomassem esta acusação como verdadeira, causando prejuízos à honra da parte ofendida
"De acordo com a prova produzida neste processo, a conduta atribuída ao autor, na nota de desagravo, não resta confirmada; isto é, não se pode afirmar que Guilherme da Rocha Zambrano, efetivamente, cometeu a conduta de achacar advogada, de forma incisiva e deselegante", registrou a sentença.
A juíza federal Paula Beck Bohn disse que a nota de desagravo, lida no dia 26 de novembro de 2013 na sede da subseção da OAB de Cachoeirinha, contém graves afirmações contra o magistrado, qualificado como "arbitrário e prepotente". Observou, no entanto, que "esse mesmo vigor" não foi adotado pela Ordem no encaminhamento do pedido de apuração da conduta de uma das advogadas envolvidas no episódio, já que o ofício encaminhado ao órgão, pelo juiz, não teve o adequado tratamento e atenção.
"O ato de desagravo, e isso foi salientado pelas testemunhas inquiridas nesta ação, é ato excepcional, extraordinário, incomum. Não é ato ordineiramente aprovado pelos conselheiros da Ordem. Por essa razão, o teor da nota ultrapassou o limite necessário ao fim almejado, com referências ofensivas ao magistrado que seriam dispensáveis, nada obstante o entendimento da OAB de que alguma resposta da entidade sobre a relação entre o autor e a advocacia local devesse ser adotada naquele momento. Segundo a prova destes autos, houve excesso da ré nas medidas adotadas para a defesa das prerrogativas da classe", afirmou a juíza. Cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Ação indenizatória
O autor conta que os fatos se deram entre maio e agosto de 2012, quando ele atuava na 2ª Vara do Trabalho de Cachoeirinha. Na época, advogados locais mostravam insatisfação com o entendimento de que advogados que trabalhassem para sindicatos não poderiam acumular recebimento de honorários contratuais e assistenciais, para não onerar o trabalhador, que estaria coberto por assistência judiciária gratuita.
Diante da situação, o magistrado disse que tentou se reunir com integrantes da OAB, mas sem sucesso. Assim, ele determinou que os advogados declarassem, nos processos trabalhistas que resultassem em acordo, que a cobrança de honorários contratuais seria de 15% sobre o valor acordado – a tabela da OAB sugere 20%. Com isso, ficaria patente que nenhum valor adicional seria cobrado do trabalhador beneficiado com a assistência judiciária gratuita (AJG).
Os advogados não aceitaram esta determinação, e muitos lançaram mão de recursos judiciais, pedindo a ajuda da Ordem para derrubar a determinação. Foi o caso da advogada Raquel Simone Bernardi Caovilla, então vice-presidente da subseção de Cachoeirinha, que, inconformada, constrangeu o juiz durante uma audiência, fazendo com que expedisse ofício à OAB e ao Ministério Público do Trabalho (MPT-RS).
Zambrano observou que, embora os ofícios ficassem sem resposta, a OAB estadual informou que não mais se posicionaria contra a cumulação de honorários assistenciais e contratuais por advogados que prestam assistência judiciária gratuita. Apesar disso, a seccional divulgou notas de desagravo público em favor de Raquel e de Ana Marilza Soares, respectivamente em maio e julho de 2013, com divulgação na imprensa especializada. Em 10 de maio, a Sessão Ordinária do Conselho Seccional decidiu expedir ofício ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pedindo a aposentadoria do magistrado, em função de "atitude prepotente, beligerante, desrespeitosa e antiprofissional com a advocacia".
Ao fim de todo esta narrativa, o autor alegou que os procedimentos administrativos protocolados contra si na OAB não seguiram o rito apropriado. Segundo ele, os conselheiros votaram pela realização do desagravo mesmo sem a produção de provas nem investigação dos fatos. Sustentou que estes processos trazem ofensas proferidas pelos julgadores da OAB. Pelo prejuízo à honra e à reputação, pediu o pagamento de danos morais.
A OAB se defende
Citada, a OAB gaúcha apresentou contestação. Alegou que a conduta do juiz foi reprovável, já que teria obrigado a advogada Raquel Simone Bernardi Caovilla a renunciar aos honorários contratuais, sob a ameaça de notificação ao Ministério Público do Trabalho (MPT-RS). Posteriormente, em outra audiência, o juiz teria impedido realização de prova e ainda cassado a palavra da advogada Ana Marilza Soares, o que a fez perder o cliente.
Diante disso, a OAB disse que abriu procedimentos administrativos e se reuniu com a Associação dos Magistrados do Trabalho da 4ª Região (Amatra IV) e Corregedorias, para apurar as ocorrências. Como a instituição OAB não tem poder disciplinar sobre o agente público – juiz –, argumentou, só pode se manifestar por meio de desagravo público, realizado pela Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas dos Advogados (CDAP).
Assim, por promover desagravos e apenas notificar as Corregedorias, não se poderia falar em "punição" ou "perseguição" ao magistrado. Afinal, tais condutas servem apenas à defesa dos interesses e prerrogativas da advocacia. Por fim, negou quaisquer excessos ou ilegalidades nos atos e no procedimento de desagravo. Logo, meros aborrecimentos não embasam pedido de dano moral.
O desagravo público
As advogadas Raquel Simone Bernardi Caovilla e Ana Marilza Soares foram desagravadas em ato público realizado no dia 26 de novembro de 2013 na subseção da OAB-RS em Cachoeirinha – na Região Metropolitana, com a presença do então presidente da seccional, Marcelo Bertoluci. Segundo noticiou a Conjur à época, o pedido de desagravo foi aprovado pelo Pleno da seccional em julho daquele ano.
A notícia destaca, com base em informações da Assessoria de Imprensa da OAB-RS, que o juiz Guilherme Zambrano impediu a produção de provas e "cassou abruptamente a palavra" da advogada Ana Marilza, quando fazia as alegações finais. A OAB também afirmou que o juiz agravaria a condenação da reclamada em razão do "suposto assédio processual" praticado por esta. Além disso, segundo os relatores, o magistrado utilizou "linguagem desrespeitosa em audiência, ofendendo tanto o trabalho da advogada no exercício da sua profissão, como colocando em desconfiança seu caráter e sua atuação, culminando na perda do cliente".
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