Servidores da Funai se manifestam contra mudanças anunciadas por Bolsonaro
30 de janeiro de 2019, 19h27
Os servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) divulgaram, nesta terça-feira (28/1), uma carta aberta à sociedade na qual se posicionam contra as mudanças na política indigenista anunciadas pelo presidente da República Jair Bolsonaro (PSL).
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Reprodução
Os membros do órgão se opõem ao deslocamento da Funai da área do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Também se posicionam contra a retirada de suas atribuições em questões relativas à demarcação de terras indígenas e ao licenciamento ambiental que afetem populações e terras indígenas.
Os servidores alertam para o fato de o governo ter mudado de forma tão radical o sentido da política indígena que era praticada desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 sem que houvesse qualquer diálogo com a sociedade, com os povos indígenas e com os indigenistas.
Eles alertam para a necessidade de uma política regulatória do meio ambiente, colocada à prova em fatos como o recente rompimento da barragem de rejeitos da Vale, em Minas Gerais: “A tragédia testemunhada nesse momento em Brumadinho, reeditando a tragédia de Mariana, são uma amostra da importância dos procedimentos e marcos regulatórios no que diz respeito ao meio ambiente e reforçam a necessidade de fortalecermos as instituições públicas de controle e fiscalização de obras”, dizem.
Leia a carta aberta:
Funai inteira e não pela metade
Nós, servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), reunidos em plenária no dia 29 de janeiro de 2019, vimos a público expor nosso posicionamento sobre as mudanças na política indigenista realizadas por meio da Medida Provisória (MP) nº 870, de 1º de janeiro de 2019, bem como Decretos relativos a estruturas de Ministérios e vinculação de entidades da administração indireta, conforme tem sido anunciado neste início de nova gestão no governo federal.
A MP 870, os Decretos já publicados e as declarações dos novos gestores propõem alterações drásticas na política indigenista, mudando profundamente seu sentido. Pretende o governo cortar a Funai ao meio: deslocá-la para o recém-criado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e dela retirar as atribuições referentes à demarcação de terras indígenas e ao licenciamento ambiental, transferidas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Anuncia-se também que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), agora vinculado ao Mapa, absorverá parte dessas atribuições, além de servidores de setores inteiros, acervo documental, bens patrimoniais e orçamento oriundos da Funai.
Entendemos que – e explicamos o porquê – a Funai, enquanto entidade da administração pública federal indireta, deve permanecer vinculada ao Ministério da Justiça (MJ), mantendo todas as suas atuais atribuições, bem como servidores, acervo, patrimônio e orçamento. Nada justifica que se dê um esvaziamento de competências do órgão indigenista e que isto venha acompanhado da reconfiguração de sua vinculação ministerial, passando do MJ ao MMFDH.
Do ponto de vista da ordem constitucional brasileira e da racionalidade administrativa, não há amparo para que duas políticas fundamentais relacionadas às terras indígenas, a demarcação e o licenciamento, sejam retiradas da Fundação que tem por finalidade justamente proteger e promover, em nome da União, os direitos constitucionalmente assegurados dos povos indígenas. Transferir essas competências ao Mapa é orientar-se pela visão de que as terras públicas brasileiras devem submeter-se à exploração econômica privada, sobrepondo-se às políticas que atendem aos interesses públicos. É, sobretudo, óbvio ululante, colocar direitos sob a tutela daqueles que têm o interesse manifesto em não garanti-los.
O posicionamento aqui externado foi aprovado de forma unânime em Assembleia extraordinária da Indigenistas Associados-INA, associação de servidores da Funai, realizada em 23 de janeiro de 2019. Motivada pela conjuntura que se instalou após a publicação da MP 870, a Assembleia também deliberou que a INA recorrerá aos meios que estiverem ao seu alcance para que, no processo de avaliação da MP pelo Congresso, essas mudanças sejam suprimidas. A presente carta também foi aprovada em plenária de servidores da Funai, realizada em Brasília, com participação à distância de servidores de CRs, CTLs e FPEs, em 29 de janeiro de 2019.
Há mais de 300 povos indígenas formados por cidadãos brasileiros, os quais permanecem atualmente com o usufruto de apenas 13% do território nacional, protegendo-o. Esses povos são diversos e compreendem o mundo de formas específicas, em grande medida a partir de um caráter coletivo, ligado a um território tradicionalmente ocupado. Para eles, a terra e seu usufruto são indissociáveis: rituais, alimentação, plantio, espiritualidade, parentesco, tudo intrínseco. Por essa razão, o artigo 231 da Constituição Federal reconhece as formas de organização social, os costumes e tradições desses povos. Também por isso a Carta Magna garante o usufruto exclusivo do território, para que tais povos possam continuar a se reproduzir física e culturalmente, e para que o Estado brasileiro promova justiça aos nativos deste país, interrompendo o histórico violento e sangrento da colonização. E é esta a missão que jamais deverá ser retirada da Fundação Nacional do Índio: promover e proteger os direitos dos povos indígenas no Brasil.
Defendemos uma Funai inteira e não pela metade, o que inclui a manutenção de seu vínculo com o MJ. Como detalhado nos tópicos abaixo, esse vínculo é constitutivo do exercício da política indigenista que se consolidou no país a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o qual também depende da atuação integrada entre diferentes setores da Funai, por meio da técnica do trabalho indigenista e de sua expertise única. Sem os setores responsáveis pela demarcação e pelo licenciamento, a Funai será enfraquecida e a execução da política indigenista perderá organicidade.
Carente de racionalidade técnica, a decisão de extirpar a Funai de uma supervisão ministerial adequada, de atribuições fundamentais, de setores inteiros e servidores só pode ser o resultado de uma equivocada vontade de traduzir em termos administrativos ameaças do recente período eleitoral: paralisar as demarcações; fazer as minorias se curvarem às maiorias; “dar uma foiçada no pescoço” do órgão indigenista. Contra esse equívoco, capaz de representar um erro histórico nos rumos da política indigenista nacional, com consequências sobre o modelo de desenvolvimento social e a imagem internacional do Brasil, são agora muitos os que felizmente se levantam. Estamos entre estes, com base no já dito e nos argumentos abaixo apresentados.
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