Justiça Tributária

A insegurança jurídica, o sigilo fiscal e o terrorismo tributário

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  • é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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11 de fevereiro de 2019, 7h00

Spacca
Que se recuse a aplicar a diretriz firmada pela maioria, ou, como no caso, que insista em inaplicá-la — consubstanciada em súmula e aplicada, sem discrepância, pelo Supremo Tribunal Federal — não se justifica: força a parte condenada a mais um ônus; retarda a decisão final; sobrecarrega, injustificadamente , o aparelho jurisdicional (local e do Supremo Tribunal Federal), sem qualquer proveito." 
(Ministro Oscar Corrêa, RTJ, 113/459)

A citação acima é um protesto que ilustre magistrado fez contra as interpretações subjetivas que vemos no Judiciário, onde, como muitos afirmaram com razão, até o passado é imprevisível. Tal comportamento gera, sem dúvida, a insegurança jurídica que impera no Brasil.

Lembrei-me disso ao ver no mais recente exemplar da Veja notícia que reflete esse quadro: “Milionários que fizeram a repatriação estão sendo chamados para provar a origem do dinheiro lá fora. Na época do programa, bastava declarar que os recursos eram lícitos. Agora, a pedido de Sérgio Moro, a regra mudou”.

Já critiquei aqui inúmeras vezes essa insegurança jurídica que decorre também de mudanças na legislação, o que tornou o Brasil um verdadeiro inferno fiscal. Convivemos com decisões judiciais que ignoram a jurisprudência dominante nos tribunais superiores. Não só a Constituição Federal, mas também as leis complementares e mesmo a legislação ordinária são vítimas de interpretações subjetivas e constantes desrespeitos.

Em meio a esse escuro cipoal legislativo e inspirado pelas decisões incoerentes e muitas vezes absurdas que vemos, aproveita-se o Fisco para criar clima de verdadeiro terrorismo tributário.

No caso específico da matéria sobre a repatriação de capitais, ocorre descumprimento da própria legislação que a possibilitou. Vejamos o que determina o artigo 11 da Lei 13.354/2016, que criou o denominado “Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no país”:

“Art. 11. Os efeitos desta Lei não serão aplicados aos detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, nem ao respectivo cônjuge e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, na data de publicação desta lei”.

Assim, está claro que apenas essas pessoas não se favorecem com os benefícios da lei e somente tais contribuintes podem ser “chamados para provar a origem do dinheiro lá fora”.

Veja-se que o artigo 4º da referida Lei 13.354, em seu parágrafo 12 garante que:

“§ 12. A declaração de regularização de que trata o caput não poderá ser, por qualquer modo, utilizada:

I – como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal;

II – para fundamentar, direta ou indiretamente, qualquer procedimento administrativo de natureza tributária ou cambial em relação aos recursos dela constantes”.

A proibição decorre do artigo 138 do Código Tributário Nacional:

“A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.”

A questão do sigilo fiscal tem sido, ao longo do tempo, interpretada muitas vezes de forma equivocada. Há exatos 17 atrás, contribuinte paulista negou-se a apresentar ao Fisco extratos de sua conta bancária e obteve decisão favorável da Justiça Federal.

A sentença, muito bem fundamentada, está contida em noticia divulgada nesta revista, em data de 11 de fevereiro de 2002, como se vê do link abaixo[1]. Dessa decisão merece destaque o seguinte texto:

“Na verdade, a Constituição, no art. 145, parágrafo 1º, estabelece que é “facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, ou rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

Está-se a ver, da leitura do dispositivo constitucional, que a faculdade concedida ao Fisco, pela Constituição, exerce-se com respeito aos “direitos individuais e nos termos da lei”. (DJU 10.09.1999).

De outro lado, não procede à alegação da Fazenda de que o direito à intimidade e, conseqüentemente, ao sigilo bancário, diz respeito apenas a pessoas físicas, ficando de fora da proteção constitucional, as pessoas jurídicas. Seria o mesmo que dizer que as pessoas jurídicas não podem pleitear danos materiais e morais no caso de violação de segredo profissional”.

A insegurança jurídica, que viabiliza desrespeito aos direitos dos contribuintes na questão do sigilo, é um dos muitos instrumentos do verdadeiro clima de terrorismo tributário em que vivemos. Leiam com atenção a sentença divulgada há exatos 17 anos! Precisamos continuar lutando por Justiça Tributária!

[1] https://www.conjur.com.br/2002-fev-11/receita_nao_quebrar_sigilo_ordem_justica#

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  • é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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