Direito Civil Atual

STJ exige comprovação do dano como pressuposto do dever de indenizar

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  • é advogado doutor em Direito pela UFPE professor de direito civil da UPE Vice-Presidente da Associação de Direito de Família e Sucessores – Seção Pernambuco (ADFAS-PE) e Diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB-PE.

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  • é doutor mestre e bacharel em Direito pela USP professor adjunto da UPE e da Asces/Unita professor permanente do mestrado profissional do Cers ex-pesquisador visitante na Universidade de Ottawa ex-assessor de ministro do STJ procurador do estado de Pernambuco coordenador do Centro de Estudos Jurídicos da PGE-PE e advogado.

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26 de março de 2018, 8h00

O Superior Tribunal de Justiça recentemente decidiu que o saque indevido de valores depositados em conta corrente não gera dano moral in re ipsa[1]. O caso foi bastante divulgado, mas os pressupostos não declarados da decisão exigem aprofundamento.

O STJ detém densa jurisprudência sobre o dano in re ipsa na responsabilidade civil. O conceito prevê a dispensa de prova do efetivo prejuízo a depender da comprovação do direito violado[2]. A partir da aplicação dessa teoria, definiu-se que o efeito da presunção ocorreria normalmente com a violação de direitos da personalidade. Essa ocorrência gerou a afirmação, cada vez mais frequente, de que seria possível a responsabilidade sem dano[3].

A análise da legislação, da doutrina e da jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça demonstram exatamente o contrário: os artigos centrais do sistema de reponsabilidade civil exigem o dano.

A cláusula geral de responsabilidade civil extracontratual subjetiva[4], de responsabilidade contratual[5], de responsabilidade objetiva por atividade de risco[6] e de fixação da indenização[7] elegem o dano como figura central. A doutrina concentra a discussão no artigo 944 do Código Civil, que prevê o dano como a medida da indenização. Em relação aos prejuízos suscetíveis de avaliação econômica, não há grandes discussões a respeito do cálculo em virtude da função de equivalência da reparação[8].

Partindo da análise das funções de prevenção e punição para o dano extrapatrimonial, Antonio Junqueira de Azevedo – diante das dificuldades vislumbradas na prática -, criou uma categoria própria de dano, o dano social[9]. Conforme se pode observar na excelente análise feita por Thaís Sales Alencar Ferreira em sua dissertação de mestrado[10], Antonio Junqueira defendia que a indenização “resultante de dano social deve ser entregue à própria vítima, pois a pretensão indenizatória decorrente de tais danos pode e deve ser exercida pelo particular”.

Entretanto, ao enfrentar esta questão, o Superior Tribunal de Justiça aderiu à tese pacificada no enunciado 456 da V Jornada de Direito Civil: “A expressão "dano" no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas.”[11].

De qualquer maneira não se deve olvidar que o dano como pressuposto do dever de indenizar está presente ainda que haja dificuldade ou desnecessidade da prova do prejuízo para o cálculo da indenização. O caso julgado pelo STJ sobre o desconto indevido em conta corrente é apenas mais um julgado em que o tribunal deixa a entender a necessidade da figura para a incidência das regras atinentes à responsabilidade civil.

O enunciado 385 da Súmula de Jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça é um exemplo de que a presunção de prejuízo não abandona a possibilidade de prova em sentido contrário.

Quando fica caracterizada de maneira cabal a inexistência de consequência lesiva, existe o afastamento do dever de indenizar: “Súmula 385 do STJ. Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.

O mesmo tribunal superior também já havia se pronunciado no sentido de que a simples violação do contrato não ensejaria dano moral.[12]

Como se vê, a jurisprudência dominante do STJ não prescinde do prejuízo já que a teoria do dano in re ipsa permite a comprovação de sua inexistência, como ocorre na hipótese da súmula 385. Ademais, na violação de direitos patrimoniais não se opera nem mesmo a presunção de dano moral, como já decidia a corte a respeito da violação de contrato e, agora, no desconto indevido em conta.

Assim, a afirmação da existência de responsabilidade civil sem dano parece um tanto precipitada, pois parece confundir a existência do dano como pressuposto do dever de indenizar com a figura do prejuízo como forma de se calcular a indenização. Como já afirmou Otávio Luiz Rodrigues Júnior em profundo estudo sobre o problema do nexo causal probabilístico, parece-nos que temais tais como os “novos danos” e a responsabilidade sem dano podem evidenciar a má recepção de doutrinas estrangeiras entre nós.[13]

O dano in re ipsa afasta tão somente a necessidade de prova do prejuízo, mas não a sua presença como um dos pressupostos da matéria.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFBA e UFMT).


[1] Cf.: “O saque indevido de numerário em conta corrente não configura dano moral in re ipsa (presumido), podendo, contudo, observadas as particularidades do caso, ficar caracterizado o respectivo dano se demonstrada a ocorrência de violação significativa a algum direito da personalidade do correntista.” (STJ – REsp: 1573859 SP 2015/0296154-5, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 07/11/2017, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/11/2017).

[2] Cf.: “I – O banco é responsável por fazer chegar o talonário de cheques às mãos do correntista de forma segura, razão pela qual, ao optar por terceirizar esse serviço, assume o ônus por eventual defeito na sua prestação, não apenas pela existência de culpa in eligendo, mas também por caracterizar defeito de serviço, ex vi do disposto no artigo 14 e parágrafos do Código de Defesa do Consumidor, do qual ressai a sua responsabilidade objetiva pela reparação dos danos. II – Em casos que tais, o dano é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato e da experiência comum.” (STJ – REsp: 640196 PR 2004/0043164-5, Relator: Ministro CASTRO FILHO, Data de Julgamento: 21/06/2005, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 01.08.2005 p. 448)

[3] LEAL, Pastora do Socorro Teixeira; BONNA, Alexandre Pereira. RESPONSABILIDADE CIVIL SEM DANO-PREJUÍZO? Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.12, n.2, 2o quadrimestre de 2017. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica – ISSN 1980-7791. Sobre o tema, vide também: CARRÁ, Bruno Leonardo Câmara. Responsabilidade Civil Sem Dano: uma análise crítica. São Paulo: Atlas, 2015; e ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de. Notas sobre a teoria da responsabilidade civil sem dano. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 6 (2016). São Paulo: RT, p. 89-103.

[4] “Código Civil, Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

[5] “Código Civil, Artigo 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”

[6] “Código Civil, Artigo 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

[7] “Código Civil, Artigo 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.”

[8] Sobre o tema, vide FLUMIGNAN, Silvano José Gomes. Dano-evento e Dano-prejuízo. São Paulo: USP [Dissertação de Mestrado], 2009, p. 8.

[9] AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Novos estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 382.

[10] Cf.: FERREIRA, Thaís Sales Alencar. Dano difuso pelo desaparecimento de pessoas na ditadura militar: análise da vala clandestina de Perus. Recife: UFPE [Dissertação de Mestrado], 2015, p.117.

[11] STJ – Rcl: 12062 GO 2013/0090064-6, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 12/11/2014, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 20/11/2014.

[12] Cf.: “DIREITO CIVIL. SEGURO DE AUTOMÓVEL. FURTO. RECUSA DO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. MERO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. 1. Mero inadimplemento contratual que não tem, em regra, o condão de, por si só, ensejar a ocorrência de danos morais. Precedentes específicos do STJ. 2. Caso concreto no qual não ficou evidenciada nenhuma situação excepcional que possibilite o reconhecimento da configuração do dano extrapatrimonial.” (STJ – REsp: 1317723 SP 2012/0068278-6, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Publicação: DJ 13/10/2014)

[13] Cf.: RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Nexo causal probabilístico: elementos para a crítica de um conceito. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 8(2016). São Paulo: RT, p. 115-137.

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