Corte Interamericana manda Brasil reabrir investigação sobre morte de Herzog
4 de julho de 2018, 18h32
É inadmissível se apoiar em lei de anistia para impedir a punição de quem pratica graves violações dos direitos humanos. Assim entendeu a Corte Interamericana de Direitos Humanos ao determinar que o Estado brasileiro reabra a investigação dos responsáveis pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, durante o regime militar.
O Brasil é obrigado a adotar “medidas idôneas” de apuração por meio de instituições próprias e ainda foi condenado a pagar US$ 40 mil para cada filho de Herzog e US$ 20 mil à viúva, por danos materiais e imateriais. A corte, vinculada à Organização dos Estados Americanos, afirma que vai acompanhar o cumprimento da decisão e exigir relatório em um ano. A decisão é de março, mas só foi divulgada nesta quarta-feira (4/7).
A CIDH disse que aplicar a Lei de Anistia (Lei 6.683/79) nesse tipo de caso viola “a letra e o espírito” da Convenção Americana de Direitos Humanos (ao qual o Brasil é signatário). Concluiu ainda que crimes contra a humanidade são considerados imprescritíveis pelo Direito Internacional, pois já havia tese “plenamente cristalizada no momento dos fatos, assim como na atualidade”.
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Os julgadores entenderam que Herzog foi privado de sua liberdade, interrogado, torturado e assassinado em um contexto de ataques sistemáticos e generalizados contra civis considerados "opositores" do regime militar. Pela versão oficial do II Comando do Exército, o jornalista havia cometido suicídio.
Em 1975, a Justiça Militar fez uma investigação que confirmou a versão do suicídio. Para a corte interamericana, porém, o inquérito foi caracterizado como fraudulento. Em 1992, autoridades brasileiras chegaram a começar nova investigação, arquivada com base na Lei de Anistia.
Em 2007, após a publicação do relatório oficial da "Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos", apresentou-se novo pedido de investigação ao Ministério Público Federal. O pedido foi arquivado quase dois anos depois pelo Poder Judiciário, baseada na lei de 1979, na tese de prescrição e no entendimento de que não havia tipificação dos crimes contra a humanidade na lei brasileira à época dos fatos.
Durante o processo perante a Corte Interamericana, o Brasil reconheceu que a conduta arbitrária do Estado de prisão, tortura e morte de Vladimir Herzog havia causado grande dor à família. A Advocacia-Geral da União alegou que os fatos se referem a contexto sócio-político distinto do atual, já corrigido pela Constituição Federal de 1988.
Humanidade e verdade
Em sua sentença, a Corte IDH determinou que os fatos ocorridos contra Vladimir Herzog devem ser considerados crime contra a humanidade, de acordo com a definição dada pelo Direito Internacional. O tribunal concluiu que o governo brasileiro não pode invocar a existência da figura da prescrição ou aplicar o princípio ne bis in idem, a lei de anistia ou qualquer outra disposição semelhante ou excludente de responsabilidade para escusar-se de seu dever de investigar e punir os responsáveis.
A Corte Interamericana concluiu que, devido à falta de investigação, bem como de julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog, cometidos em um contexto de ataques sistemáticos e generalizados contra civis, o Brasil violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial de seus familiares.
Concluiu também que o Brasil descumpriu sua obrigação de adaptar sua legislação interna à Convenção Americana (Pacto de San José). Embora tenha reconhecido que o país moveu alguns esforços, para reparar a morte de Herzog, o tribunal disse que o Estado violou o direito de se conhecer a verdade e se recusou em apresentar informações e fornecer acesso aos arquivos militares da época dos fatos.
Suicídio inventado
Nascido na Iugoslávia e diretor do telejornal Hora da Notícia, veiculado na época pela TV Cultura de São Paulo, Vladimir Herzog foi morto nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI/Codi). Ele deixou a mulher Clarice, com os dois filhos do casal, Ivo e André, na época com 9 e 7 anos, respectivamente.
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O caso teve grande repercussão e reuniu milhares de pessoas em ato ecumênico promovido na Catedral da Sé, celebrado pelo cardeal dom Paulo Evaristo Arns, pelo rabino Henry Sobel e pelo pastor James Wright.
A morte foi divulgada pelo Exército como suicídio, mas a Comissão Nacional da Verdade declarou não haver “qualquer dúvida acerca das circunstâncias da morte de Vladimir Herzog, detido ilegalmente, torturado e assassinado por agentes do Estado”.
Em 2013, a família do jornalista conseguiu mudar atestado de óbito para registrar que a morte ocorreu em função de “lesões e maus tratos sofridos durante os interrogatórios em dependência do II Exército (DOI-CODI)”.
O Ministério Público Federal tenta responsabilizar agentes do regime militar, pelo menos desde 2012, mas nenhuma das 26 denúncias apresentadas teve sucesso. O Supremo Tribunal Federal já definiu que a Lei da Anistia vale para todos os crimes políticos e conexos entre 1961 e 1979 (ADPF 153). Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o STF ignorou as obrigações internacionais do Brasil, decorrentes do Direito Internacional.
Condenações anteriores
A CIDH já condenou o Brasil pelo menos sete vezes: em 2010, mandou o Estado apurar e denunciar atos ilícitos durante o regime militar (caso Gomes Lund, sobre a Guerrilha do Araguaia).
Recentemente, a corte determinou a reabertura de investigações sobre duas chacinas ocorridas em 1994 e 1995 na comunidade Nova Brasília, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, durante operações policiais. Foi a primeira sentença internacional que condenou o Brasil por violência policial. Com informações da Assessoria de Imprensa da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Clique aqui para ler a decisão.
* Texto atualizado às 18h55 e às 19h02 do dia 4/7/2018 para acréscimo de informações.
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