Divulgar dado de ação sigilosa só rende indenização moral se dano é comprovado
29 de outubro de 2017, 8h03
A simples divulgação acidental de informações que estão sob segredo de justiça, por culpa exclusiva e comprovada do estado, não causa dano moral presumido na pessoa que foi exposta. A decisão é dos desembargadores da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a menos que o dano à parte atingida seja comprovado.
O entendimento levou o colegiado a reformar sentença que condenou o estado do RS a pagar R$ 3,5 mil, a título de danos morais in re ipsa, a uma menor que, vasculhando a internet, descobriu que o pai pedira redução da pensão alimentícia. A informação, com o nome completo das partes, constava em Nota de Expediente de um processo revisional de alimentos que tramitou sob sigilo em 2011.
Nos dois graus de jurisdição, não restou dúvidas de que o erro ocorreu no Setor de Informática do TJ-RS. Um operador do processo eletrônico da corte, de maneira desatenta, inseriu no conteúdo da Nota de Expediente os nomes completos das partes. Depois, já no Diário da Justiça Eletrônico, estas informações foram copiadas pelo site Jusbrasil e indexadas pelo Google.
Na inicial indenizatória, a menor, representada pela mãe, disse que estava “desnorteada e com crises de choro”, principalmente pela possibilidade de que amigos, colegas de escola e conhecidos acessassem tal conteúdo na internet. Afirmou que a quebra de sigilo trouxe consequências, inclusive, no âmbito familiar, já que mãe nunca lhe falara sobre os processos movidos pelo pai. Pediu a retirada dos nomes completos das partes de tal processo, no site do Diário da Justiça Eletrônico, e a condenação do Estado em danos morais, no valor de R$ 30 mil.
Sentença procedente
A juíza Lílian Cristiane Siman, da 5ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre, observou que a responsabilidade civil do estado tem previsão no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição. Diz o dispositivo: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Trata-se, segundo a juíza, de hipótese de responsabilidade objetiva, para a qual basta a comprovação do ato, do dano e do nexo de causalidade. Isso ocorreu, segundo a decisão, porque a prova testemunhal relatou “diversos inconvenientes” para a autora. Ainda conforme o processo, além de ter sido questionada pelos colegas, a autora passou a ter aversão ao convívio escolar.
“Tendo em vista que se tratava de processo em segredo de justiça, conforme dispõe o art. 155, II, do Código de Processo Civil [CPC 1973], e que a intimidade da autora, neste aspecto, restou exposta, imperioso o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelo dano causado, impondo-se o dever de indenizá-la”, escreveu na sentença, arbitrando, porém, apenas R$ 3,5 mil de reparação moral.
Virada em sede de Apelação
A sentença de procedência não agradou nenhuma das partes, que apelaram. A parte autora, para tentar aumentar a indenização; o estado para se eximir da responsabilidade civil, pedindo a improcedência da ação, ante à inexistência de dano passível de ser indenizado.
O relator dos recursos na 6ª Câmara Cível, juiz convocado Sylvio Costa da Silva Tavares, votou por reformar a sentença e foi acompanhado pelos desembargadores Luís Augusto Coelho Braga e Ney Wiedemann Neto. Para o colegiado, a publicidade indevida de conteúdo que tramita sob segredo de justiça não causa, logicamente, prejuízo à parte exposta. Antes, é preciso prova do dano moral alegado.
Tavares explicou que, embora o disposto no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição, nas hipóteses de omissão do Poder Público, deve ser aplicada a teoria da responsabilidade civil subjetiva. E, neste caso, exige-se a comprovação da falha do ente público no dever de agir.
Entretanto, segundo o voto, apenas a comprovação do agir ilícito não basta para justificar o pagamento de indenização. É preciso demonstrar outros dois requisitos: a existência de dano e o nexo causal que os vincule a quem agiu ilicitamente. Sem a demonstração de todos os requisitos, explicou o relator, não é possível “proclamar-se” a responsabilidade — seja ela objetiva ou subjetiva.
No caso dos autos, deduziu, estes requisitos não ficaram evidenciados na sua totalidade. É que não há prova do dano experimentado pela parte autora, o que afasta o pagamento de dano moral in re ipsa (dano presumido). ‘‘A única testemunha arrolada pela demandante, conforme deduzido na exordial [peça inicial], é amiga da autora, razão pela qual deveria ter sido ouvida como informante, e seu depoimento de forma isolada não tem o condão de levar à procedência do pedido”, escreveu no voto.
Tavares ainda observou que a autora, na época do fato, já enfrentava problemas de relacionamento na escola, razão pela qual não se pode afirmar que a publicidade da decisão proferida na ação revisional de alimentos tenha causado-lhe maiores transtornos no ambiente escolar.
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