Membros do Ministério Público não podem responder criminalmente por apresentarem representação contra outros integrantes, pois apontar suspeitas de irregularidades faz parte do dever funcional. Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou queixa-crime de um promotor paulista contra dois colegas que o fizeram virar alvo de investigação na Corregedoria-Geral do MP-SP.
O caso envolve uma disputa pela definição do “promotor natural” que iria conduzir processo contra ciclovias construídas até o ano passado pela Prefeitura de São Paulo na gestão de Fernando Haddad (PT). O inquérito civil foi aberto pela promotora Karina Mori em 2015 e, quando ela tirou licença-maternidade, passou para o promotor Marcelo Camargo Milani.
O problema é que, assim que Karina retornou ao trabalho, em fevereiro de 2016, Milani devolveu a ela vários processos, menos aquele referente às ciclovias. A promotora chegou a cobrar a devolução, mas não teve resposta. A situação complicou quando ela ficou de licença por mais três dias: nesse curto período, o promotor Silvio Marques foi designado para assumir o mesmo tema.
Ainda assim, Milani não aceitou compartilhar a história e apresentou ação civil pública por conta própria, acusando Haddad de improbidade administrativa. Karina Mori e Silvio Marques decidiram então questionar o ato na Corregedoria, acusando o promotor não só de irregularidade por ficar com os documentos mas também de “arranhar o bom nome do Ministério Público” em outros processos com sentença considerada improcedente.
Em outra ação de improbidade assinada por Milani, por exemplo, o juízo de primeiro grau concluiu que o MP “falhou” ao não conseguir comprovar dolo em supostas fraudes em licitações da estrutura ferroviária paulista. Isso levou à absolvição de Sérgio Henrique Passos Avelleda, ex-presidente da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), e fez o Ministério Público ser condenado a pagar honorários advocatícios.
Limite ultrapassado
Milani respondeu com queixa-crime no TJ-SP. Representado pelos advogados Alberto Toron e Luisa Moraes Abreu Ferreira, ele alegou que foi vítima de difamação e de injúria, por entender que a dupla ultrapassou o limite da ação judiciária ao deixar de cuidar dos fatos concretos para incluir acusações sobre outros procedimentos, fora de contexto, e omitir informações, como decisão de segundo grau que afastou o trecho sobre honorários no processo da CPTM.
Já o advogado dos dois promotores, Pablo Naves Testoni, disse que os clientes atuaram com discrição, em pedido sigiloso à Corregedoria, e cumpriram seus deveres funcionares quando suspeitaram de irregularidades.
Testoni afirmou que a própria Corregedoria decidiu abrir processo administrativo disciplinar, dando espaço ao contraditório, e que reconhecer crime na conduta tornaria impossível o envio de informações relevantes à Corregedoria.
O relator, desembargador Antonio Carlos Malheiros, também entendeu que nenhum servidor pode ser punido criminalmente no cumprimento de dever de ofício, e por isso não viu justa causa para aceitar a queixa-crime. O voto foi seguido pelo revisor, desembargador Moacir Peres, e depois acompanhado por unanimidade. Ainda continua no MP o conflito sobre promotor natural: segundo a defesa de Milani, a Corregedoria já emitiu parecer pela absolvição.
2010725-24.2017.8.26.0000