A chegada da tecnologia ao Judiciário reduziu o tempo de tramitação de processos, agilizou as etapas burocráticas dos gabinetes e facilitou as pesquisas de doutrina e jurisprudência para os juízes e servidores. Mas também criou barreiras intransponíveis. Pelo menos no caso de um policial condenado por corrupção passiva pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 2013.
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Desde então ele tenta recorrer da condenação ao STJ, mas, por problemas de informática, seus pleitos nunca são conhecidos pela corte. Nesta segunda-feira (20/11), a Corte Especial do STJ não conheceu de mais um agravo do policial e decretou o trânsito em julgado do processo. A data do trânsito em julgado foi determinada como 25 de janeiro de 2013, quando terminou o prazo para recurso contra a condenação. A defesa do réu, feita pelo escritório do criminalista Fernando Augusto Fernandes, informou que prepara novas medidas judiciais.
O detalhe importante da história é que o recurso contra a condenação pelo TJ do Rio tramita no STJ desde aquela data. Mas os advogados tentam, desde então, fazer com que um agravo contra a denegação de subida do recurso especial seja ao menos apreciado pelo STJ, mas sem sucesso.
“Há anos já não discutimos o mérito da questão – até porque a pena já prescreveu”, explica Fernando Fernandes. “Hoje só queremos que o agravo seja conhecido. Não é possível que um problema na tecnologia do TJ do Rio de Janeiro impeça o acesso à Justiça dessa forma”, afirma o criminalista, indignado com os contornos literários da situação.
Escaninhos virtuais
Tudo começou entre o fim de 2012 e o início de 2013. O TJ do Rio reformou uma sentença absolutória para condenar o policial. Foi quando Fernando Fernandes entrou no caso. Diante do posicionamento do tribunal, a defesa decidiu apresentar recursos especial e extraordinário ao STJ e ao Supremo Tribunal Federal, respectivamente.
Ambos foram negados, e a defesa agravou. Pela tramitação processual, os agravos são analisados pelos tribunais a que os recursos se destinam, mas são juntados aos autos pela instância de origem. No caso do policial, algo deu errado entre a juntada do agravo ao processo e o envio dos autos, pela internet, ao STJ.
Quando analisou o agravo, em fevereiro de 2014, o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator na 5ª Turma, não conheceu do pedido. Disse que faltava assinatura eletrônica nas petições, o que inviabiliza o seu conhecimento, conforme manda o artigo 2º da Lei 11.419/2006.
A resposta deixou a defesa desesperada: como pode um documento digital estar sem assinatura eletrônica e mesmo assim sair do Rio e chegar até Brasília? Os programas de peticionamento eletrônico não recebem documentos sem a certificação digital. Seria como um caixa eletrônico esquecer de pedir a senha do correntista que tenta acessar sua conta.
Foram então apresentados embargos de declaração explicando a impossibilidade tecnológica de os documentos não estarem assinados. O processo, no entanto, ficou quase três anos tramitando entre gabinetes. Nesse meio tempo, o relator mudou de Seção no STJ, o relator que recebeu o processo se aposentou, dois desembargadores de tribunais de Justiça foram convocados e suas convocações chegaram ao fim até que o caso encontrou outro relator.
Em outubro de 2016, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca negou os embargos. Explicou que esse tipo de recurso existe para apontar contradições da decisão com ela mesma, e não para apresentar outro fatos. Para ele, o policial tentava “rejulgamento da causa” por meio dos declaratórios.
Todos certos
Não havia muito mais o que fazer a não ser rever os passos da defesa. E o advogado Nilson Paiva, do escritório de Fernando Fernandes, descobriu o problema: no sistema do TJ do Rio o recurso aparecia assinado. No sistema do STJ, não.
Ou seja, era uma discussão em que todos estavam certos. O recurso estava assinado e o agravo, também. Mas, no STJ, o documento não tinha assinatura. A solução foi pedir ajuda à 3ª Vice-Presidência do TJ-RJ, responsável pelos recursos especiais.
Em fevereiro deste ano, a 3ª VP do TJ do Rio emitiu uma certidão informando que recebeu o agravo em julho de 2013 e o enviou ao STJ em setembro daquele ano. “Não é possível o recebimento pelo portal do TJ-RJ de petição eletrônica sem a devida assinatura e, no momento do upload, o site do TJ-RJ faz, de forma automática, a verificação de validade da assinatura eletrônica do peticionante com a unidade certificadora CertiSign [fornecedora do certificado digital usado pelo sistema do tribunal]”, explicou a corte.
O que fazer
Na segunda, a Corte Especial do STJ declarou o trânsito em julgado do caso retroativo ao dia 25 de janeiro. É a data que a defesa do policial apresentou o recurso especial ao TJ do Rio. Para os ministros, como o recurso foi negado pela 3ª Vice-Presidência do TJ, a defesa deveria ter ajuizado um agravo regimental para que a questão fosse discutida por um colegiado.
Como o agravo ao STJ não foi conhecido por falta de assinatura, a Corte Especial considerou o prazo da última decisão. Com a retroatividade do trânsito em julgado, o tribunal também negou o pedido da defesa para que reconhecesse a prescrição da pena do policial.
O próximo passo, explica Fernando Fernandes, será pedir que o tribunal reconheça a nulidade de tudo o que aconteceu no processo depois do não conhecimento do agravo por falta de assinatura. Segundo ele, a certidão do TJ do Rio de Janeiro mostra que houve um problema técnico no caso, que precisa ser resolvido pelo Judiciário, e não pelas partes.
AREsp 406.052