Marco Aurélio suspende punição a juíza por deixar garota presa com homens
18 de janeiro de 2017, 19h48
O Conselho Nacional de Justiça descumpriu acórdão do Supremo Tribunal Federal ao punir juíza do Pará por ela manter uma jovem de 15 anos presa com homens durante 26 dias, há quase dez anos. Com esse entendimento, o ministro Marco Aurélio suspendeu decisão do CNJ que aplicou pena de disponibilidade à juíza Clarice Maria de Andrade em outubro de 2016. A liminar do ministro foi assinada em dezembro, mas só publicada nesta quarta-feira (18/1).
A adolescente, suspeita de furto, dividiu a cela com cerca de 30 homens na delegacia de polícia de Abaetetuba, em novembro de 2007, sendo espancada e estuprada. Três anos depois, o CNJ chegou a aplicar aposentadoria compulsória à juíza, por entender que ela havia homologado a prisão em flagrante mesmo tendo conhecimento das condições irregulares do local.
A medida foi anulada em 2012, quando o STF concluiu que os documentos levados a Clarice de Andrade na época não informavam a presença da garota no mesmo espaço que presos do sexo masculino. Marco Aurélio, relator daquele acórdão, afastou a imputação de desídia ou dolo e determinou que o CNJ deveria analisar apenas se a juíza praticou falsidade ideológica na assinatura de um documento — ela afirma que determinou expedição de ofício sobre o caso à Corregedoria de Justiça, mas a data está rasurada.
O processo administrativo disciplinar voltou à pauta do conselho em outubro do ano passado, levando à pena de disponibilidade (quando o magistrado fica proibido de exercer suas funções por ao menos dois anos, recebendo vencimentos proporcionais). A defesa foi então ao STF, alegando que os conselheiros voltaram a analisar a desídia.
O voto do relator, Arnaldo Hossepian, diz que Clarice “abdicou deliberadamente do exercício de suas competências, atuando de forma burocrática e indolente, negligenciando em salvaguardar os interesses da mulher e, num segundo momento, de menor inimputável”, além de ter transferido a responsabilidade de inação a um servidor.
Marco Aurélio afirmou que, embora o CNJ tenha citado a decisão anterior do STF, foi contraditório ao imputar a prática de conduta desidiosa. “Assento a existência de perigo de dano a justificar o implemento da medida acauteladora [liminar], decorrente do fato de a impetrante […] ter sido afastada das funções”, escreveu o ministro.
Dupla gravidade
Para o advogado Emiliano Alves Aguiar, que defende a juíza a pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros, a violação aos direitos da adolescente não pode levar à punição de uma magistrada sem responsabilidade pelo episódio. Ele afirma que a cliente não sabia da prisão com outros homens e foi provocada para apreciar o flagrante de uma mulher maior de idade, pois a jovem tinha uma identidade falsa.
Sobre a suspeita de falsidade ideológica, Aguiar — sócio do Gordilho, Pavie e Aguiar Advogados — diz que uma perícia já demonstrou que não houve intenção de camuflar a data correta. Ainda segundo ele, Clarice de Andrade é hoje titular da 1ª Vara Criminal de Belém e tem comportamento exemplar, cumprindo metas do Judiciário.
Em 2010, a Justiça do Pará condenou à prisão cinco delegados responsáveis pela carceragem. Pelo menos quatro haviam sido exonerados.
Clique aqui para ler a decisão.
MS 34.490
* Texto atualizado às 11h30 do dia 19/1/2017 para acréscimo de informação.
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