STJ traz nova orientação sobre reconhecimento da prescrição intercorrente
3 de novembro de 2015, 7h00
No entanto, mesmo inexistindo qualquer fundamento legal específico, passou a prevalecer de um modo geral na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entendimento no sentido de que o reconhecimento da prescrição intercorrente, a exemplo do que se verifica em sede de abandono do processo, fica condicionado ao desleixo do exequente mesmo após a sua intimação pessoal. Realmente, a 4ª Turma, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial 1.245.412-MT, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, decidiu, com arrimo em anterior acórdão, que: "… De acordo com precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a prescrição intercorrente só poderá ser reconhecida no processo executivo se, após a intimação pessoal da parte exequente para dar andamento ao feito, a mesma permanece inerte (AgRg. no AREsp. 131.359-GO, relator ministro Marco Buzzi, 4ª Turma, julgado em 20 de novembro de 2014, DJe 26 de novembro de 2014). Na hipótese, não tendo havido intimação pessoal da parte exequente para dar andamento ao feito, não há falar em prescrição” (v. u., j. 8.8.2015, DJe 31 de agosto de 2015).
No mesmo sentido, a 3ª Turma, ao ensejo do julgamento do Agravo Regimental no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 228.551-SP, relatado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, assentou que: “Para o reconhecimento da prescrição intercorrente é imprescindível a intimação da parte para dar andamento ao feito” (v. u., j. 16 de junho de 2015, DJe 23 de junho de 2015).
A 4ª Turma, no julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial 1.407.017-RS, com voto condutor do ministro Antonio Carlos Ferreira, já havia proclamado que: “1. A prescrição intercorrente, por se tratar de matéria de ordem pública, pode ser reconhecida pelas instâncias ordinárias, a despeito de a questão ter sido aventada somente na instância recursal. 2. No caso concreto, ao contrário do que sustentam os recorrentes, não houve a interrupção da prescrição, uma vez que o recorrido sequer foi citado para responder ao processo ajuizado contra si. 3. Consoante a jurisprudência desta corte, é necessária a intimaçãse pessoal do autor da execução para o reconhecimento da prescrição intercorrente” (v. u., j. 16 de junho de 2015, DJe 23 de junho de 2015).
Importa anotar que essa linha orientativa, na prática, acaba exterminando a prescrição intercorrente, visto que, a depender da intimação pessoal do exequente, basta qualquer manifestação deste para impedir o seu reconhecimento.
Acrescente-se que, com lastro em posicionamento mais antigo do Superior Tribunal de Justiça, desponta muito mais precisa e jurídica a tese recentemente sustentada em acórdão da 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do Agravo de Instrumento 2128666-63.2015.8.26.0000, tendo como relator o desembargador Campos Mello, ao pontuar que: “… Aqui, ao contrário, parou o andamento da cobrança executiva por motivos insondáveis. Só o credor é que poderia explicar o motivo de sua inércia. Após mais de seis anos sem se manifestar é que o exequente finalmente lembrou-se da existência do processo. Só que a prescrição intercorrente já se consumara. Nem se diga que teria sido necessária prévia intimação pessoal do credor, pois que a prescrição é instituto de direito material, não sujeito aos ditames da lei processual para que possa incidir. A propósito, convém transcrever trecho de decisão do Superior Tribunal de Justiça: ‘Claro está, por exemplo, que não se haveria de reconhecê-la, caso decorresse todo o tempo com os autos conclusos ao juiz, aguardando decisão. Daí não se segue, porém, que se haja de proceder à intimação para que possa fluir o prazo de prescrição quando o feito não tenha andamento por negligência da parte. Isso se impõe para a extinção do processo, de que cogita a lei processual, não para a prescrição’ (REsp. 15.261-0-SP, 3ª Turma, relator ministro Eduardo Ribeiro, m. v., in RSTJ 37/481)…” (v. u., j. 10 de setembro de 2015, DJ 28 de setembro de 2015).
Pois bem, revendo aquela orientação então predominante no Superior Tribunal de Justiça, a 3ª Turma, no recentíssimo julgamento do Recurso Especial 1.522.092-MS, relatado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, passou a entender que a situação de abandono do processo não se confunde com a inatuação do exequente no âmbito do processo de execução, sendo, portanto, para o reconhecimento da prescrição intercorrente, desnecessária a intimação pessoal do credor (v. u., j. 6 de outubro de 2015, DJe 13 de outubro de 2015).
Com efeito, deixou assentado o respectivo voto vencedor “que a intimação para dar andamento ao feito, mencionada nos precedentes supracitados, diz respeito à extinção do processo por abandono da causa pelo prazo de 30 dias, conforme previsto no artigo 267, inciso III, do Código de Processo Civil, hipótese que não depende da ocorrência de prescrição, como já alertava o ministro Eduardo Ribeiro, nos primeiros julgados desta Corte sobre o tema. Como a extinção pelo artigo 267, inciso III, não depende da ocorrência de prescrição, infere-se que a jurisprudência atual ou rejeita a tese da prescrição intercorrente na execução, ou a subordina à caracterização processual do abandono da causa, criando assim uma hipótese sui generis de prescrição. Uma consequência indesejável desse entendimento é a possibilidade de pretensões executórias subsistirem indefinidamente no tempo, não obstante a inércia da parte interessada. Essa consequência, a meu juízo, não pode ser admitida com tamanha amplitude, pois atenta contra o objetivo principal do sistema jurídico, que é a pacificação dos conflitos de interesse. Como é cediço, o instituto da prescrição tem por fundamento a segurança jurídica proporcionada às relações jurídicas, fulminando a pretensão pelo transcurso do tempo associado à inércia do credor… Esse objetivo de pacificação social não parece ser compatível com o prolongamento indefinido de pretensões executórias ao longo do tempo. Quanto a esse ponto, o caso dos autos é emblemático, pois a execução permaneceu suspensa por treze anos (de 1999 a 2012), sem qualquer iniciativa da parte credora, quando então os devedores, pretendendo livrarem-se do débito, requereram a declaração da prescrição intercorrente, que teria sido consumada após cinco anos de suspensão do processo, por se tratar de dívida líquida (cf. artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do Código Civil). Evidentemente, é mais salutar para o sistema jurídico manter a pacificação social, obtida pelo transcurso de treze anos sem o exercício da pretensão, do que manter eficácia do crédito por tempo indefinido. Essa ponderação que conduz ao reconhecimento da prescrição intercorrente, embora seja vencida na jurisprudência desta Corte, ganhou fôlego com a recente promulgação do novo Código de Processo Civil. Pelo novo Código de Processo Civil, a suspensão da execução por ausência de bens penhoráveis implica também a suspensão da prescrição, mas somente pelo prazo de um ano, após o qual começa a fluir a prescrição intercorrente. A propósito, confira-se o disposto no artigo 921. Cabe esclarecer que a intimação mencionada no parágrafo 5º, desse dispositivo, diz respeito exclusivamente à observância do princípio do contraditório, nada tendo a ver com aquela intimação para dar andamento ao feito, mencionada nos precedentes desta corte. Sobre esse novo dispositivo legal, merece referência a doutrina de Gilson Delgado Miranda, em obra coordenada por Teresa Arruda Alvim Wambier, dentre outros (Breves comentários ao novo CPC, Ed. RT, São Paulo, 2015, página 2.065): ‘Por quanto tempo o processo de execução ficará suspenso? Há prazo? 10 anos? 20 anos? Pode o exequente requerer o desarquivamento de uma execução suspensa há 70 anos? O NCPC resolveu esse claro dilema. Realmente, na vigência do Código/1973 há muita divergência sobre o tema. Em precedente antigo do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Sálvio de Figueiredo, relator do REsp 280.873, 4ª T., j. 22 de março de 2001, verberou: ‘estando suspensa a execução, em razão da ausência de bens penhoráveis, não corre o prazo prescricional. Nunca concordamos com essa orientação, especialmente depois da edição da Súmula 314 do Superior Tribunal de Justiça: Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo de prescrição quinquenal intercorrente. Em outras palavras, no nosso sentir, não há foro de prosperidade para se distinguir a orientação adotada em execução fiscal e aquela prevista para se aplicar à execução civil. Não comungamos da ideia de que uma execução suspensa a 70 anos possa ser desarquivada para expropriar os bens do executado. Em suma, em prol da segurança jurídica, à evidência, viável a defesa da prescrição intercorrente’. Essa inovação trazida pelo novo CPC, a meu juízo, confere contornos mais precisos à questão, pois, em nosso sistema jurídico, a prescrição é a regra, a imprescritibilidade é a exceção. Desse modo, os casos de imprescritibilidade devem-se limitar aos expressamente previstos no ordenamento jurídico, não sendo adequando criar outras hipóteses de imprescritibilidade pela via da interpretação, como ocorre ao se afastar a possibilidade de declaração da prescrição intercorrente na execução. É por esta razão que se propõe, desde já, uma revisão da jurisprudência desta Corte Superior, para revigorar o entendimento consolidado na Súmula 150/STF, aplicando esse entendimento ainda na vigência do Código de 1973. Nesse passo, observa-se que o Código em vigor não estabeleceu prazo específico para a suspensão da execução. A propósito, confira-se a redação dos artigos 791 e 793 do Código de Processo Civil. Nos termos do artigo 202, parágrafo único, do Código Civil, a prescrição interrompida recomeça a correr do último ato do processo. Como o Código de Processo Civil em vigor não estabeleceu prazo para a suspensão, cabe suprir a lacuna por meio da analogia, utilizando-se do prazo de um ano previsto no artigo 265, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil e artigo 40, parágrafo 2º, da Lei 6.830/80. Caso o juízo tivesse fixado prazo para a suspensão, a prescrição seria contada do fim desse prazo, após o qual caberia à parte promover o andamento da execução. No caso concreto, consta no acórdão recorrido que o processo de execução foi suspenso, sine die, em 1999, a requerimento do credor, tendo ficado paralisado até 2012, quando os devedores peticionaram, requerendo a declaração da prescrição intercorrente. O prazo de prescrição começou a fluir em 2000, um ano após a suspensão, pelo prazo geral de 20 anos. Em 2003, com a entrada em vigor do novo Código Civil, recomeçou a contagem pelo prazo quinquenal, por se tratar de dívida líquida constante em instrumento particular, estando fulminada a pretensão em 2008 (cf. artigo 206, § 5º, inciso I, do Código Civil). Correto, portanto, o entendimento do tribunal de origem, que proclamou a prescrição intercorrente…”.
Diante dessa irrepreensível fundamentação, contendo inclusive precisa exegese do novo Código de Processo Civil, nada há acrescentar no sentido de que o abandono do processo e a prescrição intercorrente são fenômenos que geram diferentes consequências no plano processual.
Configurado o abandono do processo, na fase de conhecimento, o juiz deverá determinar a intimação pessoal do autor, para, só então, se for o caso, proceder à extinção do processo sem julgamento de mérito (artigo 267, inciso III). Na execução, pelo contrário, constatada a inércia prolongada do exequente, alcançado o lapso de prescrição intercorrente, torna-se despicienda qualquer providência ulterior para a imediata extinção do processo!
*Texto alterado às 14h55 do dia 4/11 para correção.
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