Poder Judiciário não deve
ignorar a governança pública
1 de março de 2015, 8h00
Do profissional do Direito exige-se que tenha não apenas conhecimentos jurídicos, mas também de áreas afins. Neste quadro, a especialização acaba sendo uma imposição, já que ninguém consegue ter, simultaneamente, conhecimentos tão amplos e profundos.
Da Ciência da Administração recebemos, há alguns anos, as Políticas Públicas. Os operadores jurídicos viram-se obrigados a estudá-las, uma vez que elas passaram a ser discutidas judicialmente. A sociedade e os órgãos legitimados passaram a provocar o Poder Judiciário, por exemplo, com a reivindicação de remédios, e daí passou-se a estudar a matéria, hoje presente nos currículos do Direito Administrativo.
Mais recentemente, a Governança Pública entrou na pauta de discussões. Dela pouco se sabe no mundo jurídico. Os índices de obras clássicas do Direito Administrativo não a incluem na letra G. Cita-se, a título de exemplo, Direito Administrativo Moderno (17ª edição), de Odete Medauar, e Curso de Direito Administrativo (9ª edição), de Marçal Justen Filho, ambos de 2013 pela Revista dos Tribunais. Portanto, quem quiser introduzir-se na matéria terá que recorrer ao mundo digital. Colocadas as duas palavras no Google, surgem nada menos do que aproximadamente 549.00 resultados.[1]
A Governança Pública é consequência direta da existência da Governança Corporativa, instituída pelas empresas para regular suas atividades, objetivos pelos quais se orienta a forma de administração, envolvendo todos os atores interessados, ou seja, não só o Poder Público como fornecedores, clientes, credores e instituições financeiras.
O Instituto Brasileiro de Governança Pública (IBGP), analisa em seu site a “Governança do Setor Público” e, após fornecer o conceito dado pelos principais estudos sobre a matéria, registra que “Quanto aos resultados esperados, observa-se que, comparativamente à Governança Corporativa geral — em que se busca a agregação de valor e melhores taxas de retorno do capital investido pelos acionistas — na Governança Pública o resultado a ser obtido é a melhoria dos serviços prestados à sociedade e dos benefícios auferidos pela população”.
A Governança Pública reflete uma tendência mundial da sociedade interferir na administração do Estado. Evidentemente, ela só será possível em regime democrático e com forte consciência social. Em regimes autoritários, a administração é centralizada e os dados internos são preservados com rigor. Óbvio que a transparência administrativa, neles, nem sequer é cogitada.
Induvidosamente, tudo isto ocorre por fatores múltiplos. Mas é possível afirmar que contribui para esta nova situação a descrença da população no sistema de governo (e nos dirigentes) e a comunicação através das redes sociais, que permite mobilizar milhares de pessoas em pequeno espaço de tempo.
Os professores alemães Leo Kissler e Francisco G. Heidemann adotam o conceito de Loffer, para afirmar que consiste em “uma nova geração de reformas administrativas e de Estado, que têm como objeto a ação conjunta, levada a efeito de forma eficaz, transparente e compartilhada, pelo Estado, pelas empresas e pela sociedade civil, visando uma solução inovadora dos problemas sociais e criando possibilidades e chances de um desenvolvimento futuro sustentável para todos os participantes”.[2]
Em poucas palavras, significa modernizar a administração pública, torná-la menos onerosa, utilizar as técnicas de administração das empresas, diminuir a distância entre a administração pública e a sociedade. Sintetizando, procurar fazer com que a democracia seja participativa.
É óbvio que isto não é nada fácil. Mas no Brasil já há tentativas nesta direção. Por exemplo, a Universidade Tecnológica Federal do Paraná introduziu no curso de bacharelado em Administração a matéria “Governança Pública e Corporativa”[3].
Segundo Maria da Conceição C. Marques, “Em Portugal, o sector público tem vindo a instituir práticas de governança corporativa, sendo o sector universitário um exemplo disso. Entre outras práticas, a realização de auditorias regulares nas universidades mostra-se como uma boa experiência, pois as instituições que as têm realizado têm daí colhido os seus frutos”[4].
Porém, como poderia o Judiciário envolver-se nesse sistema? O mais conservador dos Poderes de Estado aceitaria dividir com terceiros uma parcela da administração da Justiça? A resposta é sim e não. O não será analisado primeiro.
Todas as alterações encontram resistências e esta não seria exceção. Pelo contrário, a resistência seria forte, porque estranhos iriam opinar sobre o que há séculos é feito por magistrados e servidores públicos. Sim, porque na medida em que não se modifica, o Judiciário mais se afasta da sociedade e perde credibilidade. Por exemplo, a cada escândalo envolvendo juízes, a solução tradicional de instaurar-se uma sindicância não responde ao anseio social. Se o fato for incontroverso, o afastamento das funções é a única resposta certa, não só porque é exigida pela sociedade, como por intimidar os que tenham tendência de transgredir a regra.
Supondo-se que um Tribunal esteja disposto a aceitar a Governança Pública, resta analisar com ela seria feita. Óbvio que não há nenhum marco legal ou uma apostila orientando o gestor judiciário. Mas, libertando o pensamento com ideais sobre o assunto, poderíamos vislumbrar algumas hipóteses:
a) Criação de um Comitê de Ética para atender consultas de magistrados sobre como proceder em determinadas situações, nele incluindo membros do Tribunal e também externos, que poderiam ser acadêmicos, agentes do MP ou da advocacia;
b) Abertura ao mundo empresarial, para que sugerissem práticas de sucesso corporativo com possibilidade de serem adotadas no Poder Judiciário;
c) Prestação de serviço voluntário na área administrativa e judiciária, como feito pelo TRF da 4ª. Região com sucesso;
d) Parceria com Conselhos de Arquitetura, para colheita de sugestões na construção de Fóruns;
e) Parceria com Conselhos de Administração, para colheita de sugestões na gestão pública;
f) Partilha de espaços públicos, permitindo exposições de fotos, pinturas, formas de arte.
Em suma, trazer a sociedade para dentro do tribunal evitará o distanciamento e permitirá que as relações sejam mais francas e de mútua confiança. Tudo isto, evidentemente, com as cautelas devidas. Ninguém imagina que em um setor estratégico (como uma uma Vara de Lavagem de Dinheiro) abra-se a secretaria para acesso a terceiros. Melhorar os serviços judiciários não é algo simples, mas é preciso sempre tentar, tentar e tentar. Qual tribunal dará o primeiro passo?
[1] https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome-instant&rlz=1C1EQUG_enBR625BR625&ion=1&espv=2&ie=UTF-8#q=governan%C3%A7a%20publica, acesso 25/2/2015.
[2] http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122006000300008, acesso 26/2/2013.
[3] http://www.utfpr.edu.br/curitiba/cursos/bacharelados/Ofertados-neste-Campus/adminitracao/planos-de-ensino/7o-periodo/ge77e-governanca-publica-e-corporativa, acesso 26/2/2015.
[4] http://anpad.org.br/periodicos/arq_pdf/a_87.pdf, acesso em 26/2/2015.
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