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Retrocesso social prejudica todos os setores da sociedade

Autor

  • Gustavo Filipe Barbosa Garcia

    é livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla.

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9 de janeiro de 2015, 8h32

Foram publicadas duas Medidas Provisórias (664 e 665), na edição extra do Diário Oficial da União de 30 de dezembro de 2014, restringindo, substancialmente, a concessão de direitos e benefícios previdenciários aos trabalhadores e seus dependentes.

Sofreram limitação, entre outros, o seguro-desemprego, o abono anual do PIS/PASEP, a pensão por morte (inclusive quanto a servidores públicos federais) e o auxílio-doença.

Além disso, em caso de doença ou acidente sofrido pelo empregado (segurado), que gerem incapacidade para o trabalho ou atividade habitual, o empregador (empresa) passa a ficar obrigado a pagar o salário integral relativo aos primeiros 30 dias de afastamento.

Anteriormente, esse período era de apenas 15 dias, o que significa ter dobrado.

Trata-se de nítida transferência, ao empregador, de dever do Estado, a ser coberto pelo sistema previdenciário, o qual integra a Seguridade Social, garantida constitucionalmente (artigos 194 e 201 da Constituição da República).

Além do manifesto retrocesso social das medidas indicadas, vedado nos planos internacional e constitucional, em evidente e profunda perda aos trabalhadores, nota-se que o setor patronal também foi injustamente prejudicado.

O sistema previdenciário recebe contribuições patronais e dos beneficiários, entre outras fontes de custeio (artigo 195 da Constituição da República).

Não se revela justo, razoável, equânime, nem adequado, portanto, reduzir e limitar o acesso previdenciário, nem muito menos transferir dever estatal, de natureza previdenciária, aos empregadores.

Impressiona o prejuízo social sofrido, por meio de Medidas Provisórias publicadas no penúltimo dia de 2014, nitidamente desfavoráveis a praticamente todos os setores da sociedade, certamente desagradando não só trabalhadores como empregadores.

Evidentemente, o grupo profissional de maior vulnerabilidade, que mais necessita de proteção social, ou seja, integrado pelos trabalhadores e seus dependentes, acaba sendo o maior afetado.

Exemplificativamente, observa-se provável tendência de aumento de despedidas arbitrárias de empregados com afastamentos por doença, principalmente quando mais constantes, incentivando, desastrosamente, até mesmo a discriminação, pois o empregador passa a ter o dever, que seria do sistema público de previdência, de remunerar o longo período inicial, de 30 dias, de incapacidade laboral.

Além disso, a própria estabilidade acidentária também passa a sofrer nítida restrição, pois exige o recebimento do auxílio-doença acidentário (artigo 118 da Lei 8.213/1991)[1], o qual, entretanto, não será mais devido após 15 dias de afastamento do empregado, e sim o dobro, ou seja, 30 dias.

Se há necessidade de economia de recursos públicos, qual o motivo de se afetar, justamente, as classes sociais que mais necessitam e têm direito à cobertura trabalhista e previdenciária?

Seria justo, enquanto isso, outros setores mais favorecidos da sociedade obterem e aprovarem ampliações financeiras?

Espera-se, assim, que as promessas e determinações constitucionais de melhoria, justiça, segurança, proteção e bem-estar sociais, valorização do trabalho e da livre-iniciativa, bem como de promoção da dignidade da pessoa humana prevaleçam, concluindo-se, com a máxima brevidade, pela manifesta inconstitucionalidade, formal e material, das Medidas Provisórias em questão, a serem prontamente rejeitadas pelo Congresso Nacional e julgadas inválidas pelo Poder Judiciário.

Somente assim poderemos ter, efetivamente, a esperança de um feliz 2015.


[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

Autores

  • é livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado e Consultor Jurídico. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e Auditor Fiscal do Trabalho.

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