Ação anulada

Militares acusados de matar Rubens Paiva não foram anistiados, diz MPF

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16 de dezembro de 2014, 13h02

Sequestro e ocultação de cadáver são crimes de lesa-humanidade e não podem ser contemplados pela Lei da Anistia. É dessa forma que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu que a ação penal na qual cinco militares reformados são acusados pelo homicídio e pela ocultação de cadáver do ex-deputado Rubens Paiva deve prosseguir.

A manifestação ocorreu após a decisão monocrática do ministro Teori Zavascki, que anulou a ação contra os militares em 29 de setembro deste ano. O parecer foi enviado ao Supremo Tribunal Federal nesta segunda-feira (15/12), na Reclamação 18.686/RJ ajuizada pelos militares, que sustentam ser indevida a continuação da ação.

Os ex-militares José Antônio Nogueira Belham; Rubens Paim Sampaio; Raymundo Ronaldo Campos; Jurandyr Ochsendorf e Souza; e Jacy Ochsendorf e Souza alegaram que a acusação ofende o acórdão sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153/DF, que decidiu manter a constitucionalidade da Lei da Anistia (Lei 6683/1979).

Além da ocultação de cadáver e homicídio doloso, os militares aposentados são acusados de formação de quadrilha armada

O parecer do Ministério Público Federal afirma que "ao menos entre 1970 e 1974" (explicitados posteriormente no parecer), os cinco agentes, "juntamente com outros criminosos já falecidos, dentre os quais Francisco Demiurgo Santos Cardoso; Paulo Malhães [morto no início do ano, pouco tempo depois de prestar depoimento à Comissão Nacional da Verdade]; Freddie Perdigão Pereira; Antonio Fernando Hughes de Carvalho; Syseno Sarmento; José Luiz Coelho Netto; João Paulo Moreira Burnier; Ney Fernandes Antunes; e Ney Mendes"  associaram-se "em quadrilha armada, com a finalidade de praticar crimes de lesa-humanidade tipificados", diz o texto.

Janot pede, ainda, urgente apreciação do caso, em razão de haver pendência de produção de provas necessárias à comprovação dos fatos criminosos.

Os réus são acusados dos crimes de homicídio doloso qualificado — cometido por motivo torpe e com emprego de tortura —, ocultação de cadáver, fraude processual e quadrilha armada. O parecer afirma que, à época do regime militar, esses delitos já eram qualificados como crimes contra a humanidade, razão pela qual devem incidir as consequências jurídicas de imprescritibilidade e insuscetibilidade à concessão de anistia.

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Natureza permanente
Na sustentação enviada ao STF, o procurador-geral argumenta que sequestros cujas vítimas não tenham sido localizadas, vivas ou não, constituem crimes de natureza permanente. Essa condição afastaria a incidência das regras penais de prescrição e da Lei da Anistia, cujo âmbito temporal de validade compreendia apenas o período de 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. “Enquanto os acusados não apontarem onde se encontra o corpo de Rubens Paiva (foto), cuja família até hoje, depois de décadas de seu assassinato, não lhe pôde dar funeral adequado, a conduta de ocultar [o cadáver] ocorrerá”, diz.

Corte Interamericana de Direitos Humanos
Segundo Rodrigo Janot, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já reconheceu ser indevida a extinção, pela Lei da Anistia, a punibilidade de agentes envolvidos em graves violações a direitos humanos no período pós-1964, sob fundamento da prescrição de pretensão punitiva do Estado. O Brasil assinou o Pacto de São José da Costa Rica, que trata da manutenção de direitos humanos nas Américas, por meio do decreto 678, de 1992. O decreto tornou obrigatório o reconhecimento da competência da CIDH em todos os casos relativos à interpretação e aplicação do Pacto. Por isso, as decisões da Corte têm força vinculante para todos os poderes e órgãos estatais brasileiros, sustentando a obrigação do Estado brasileiro de promover a persecução penal de autores de graves violações a direitos humanos, inclusive nos casos de desaparecimento forçado de pessoas, crime de caráter permanente.

Em 24 de novembro de 2010, a CIDH condenou o Brasil após deliberar sobre o caso envolvendo 62 dissidentes políticos brasileiros desaparecidos entre 1973 e 1974 no sul do Pará, no episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia. “A sentença do caso Gomes Lund vs. Brasil é cristalina quanto ao dever cogente do Estado brasileiro de promover investigações e responsabilização criminal dos autores desses desaparecimentos”, argumenta o PGR. A decisão é vinculante para todo o Estado, mas diversas ações penais promovidas pelo Ministério Público Federal contra autores de crimes graves do período da ditadura têm sido impedidas por decisões judiciais. Essas decisões usam argumentos ligados à prescrição e à aplicação da Lei da Anistia.

Segundo o procurador-geral, não parece a melhor solução que, tendo o Brasil aceitado a jurisdição da Corte Interamericana por ato de vontade soberana regularmente incorporado ao ordenamento jurídico e se comprometido a cumprir as decisões dela, deixe de considerar a validade e a eficácia da sentença

Wilson Dias/ABr
ADPF 320/DF
Em agosto deste ano, o procurador-geral havia enviado outro parecer ao STF no qual defendeu a revisão da aplicação da Lei da Anistia. Na manifestação, recebida pela Suprema Corte no dia do 35º ano de existência da lei, Janot (foto) sustentou que graves violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar são crimes contra a humanidade e, por isso, imprescritíveis. Segundo Janot.

Justiça de Transição
Desde 2012, o MPF busca dar cumprimento à sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund vs Brasil. A sentença determina ao Estado brasileiro, entre outros pontos, a investigação penal, a responsabilização e a aplicação das sanções cabíveis aos autores de crimes contra a humanidade praticados durante a ditadura militar. Com informações da assessoria de imprensa do MPF.

Clique aqui para ler o parecer.

Reclamação 18.686 RJ

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