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A justa causa para o exercício da Ação Penal

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  • é procurador da República. Foi advogado professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

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29 de novembro de 2013, 13h28

A justa causa, que constitui condição da ação penal, é prevista de forma expressa no Código de Processo Penal e consubstancia-se no lastro probatório mínimo e firme, indicativo da autoria e da materialidade da infração penal (Prova objetiva do concurso público para provimento de vagas em cargos de nível superior e de nível médio do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo do Quadro da Defensoria Pública da União).

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A doutrina diverge quanto à natureza jurídica do que se compreende por justa causa no processo penal, vale dizer, “o fato ou o conjunto de fatos que justificam determinada situação jurídica, ora para excluir uma responsabilidade, ora para dar-lhe certo efeito jurídico”[1]. Em um primeiro grupo estão os que a identificam: a) como uma condição autônoma da ação[2]; b) como uma síntese das condições da Ação Penal[3]; c) como uma das condições da ação (interesse de agir)[4]; ou, ainda, d) como mais de uma condição da ação (interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido)[5]. Em um segundo grupo estão os que a classificam como uma condição de procedibilidade[6], alheia ao injusto culpável e alusiva à admissibilidade da prossecução penal em relação a determinados comportamentos[7].

A jurisprudência densifica o conceito de justa causa quando procede a um exame da acusação, já formalizada, sob dois pontos de vista distintos: um formal, a partir da existência de elementos típicos (tipicidade objetiva e tipicidade subjetiva) e outro material, com base na presença de elementos indiciários (autoria e materialidade)[8].

No primeiro conjunto inserem-se a análise das partes objetiva e subjetiva do tipo penal[9]. A parte objetiva abrange os elementos descritivos, que contêm juízos de realidade, passíveis de verificação sensorial; os elementos normativos, juízos de valor que implicam uma valoração jurídica ou cultural[10]; e, finalmente, os elementos valorativos globais do fato, cuja admissão antecipa o juízo de antijuridicidade[11]. Já a parte subjetiva se acha constituída, de acordo com a teoria dominante, por uma componente cognitiva (conhecimento) e outra volitiva (vontade)[12], ou seja, o dolo[13], e, eventualmente, por elementos subjetivos, isto é, elementos de consistência pessoal interna (motivos, tendências e intenções), explícitos ou implícitos[14], que o legislador inclui na descrição da norma penal[15].

No segundo conjunto inserem-se os casos de acusações desacompanhadas de provas (STJ APn 660)[16]; acusações baseadas exclusivamente em prova legalmente inadmissível (STJ HC 41.504)[17]; acusações contraditadas por elementos incontestes existentes nos autos (STJ RHC 767)[18]; acusações deduzidas a partir de fatos penalmente irrelevantes (STJ APn 261)[19]; e de acusações em que não se estabelece nexo entre os elementos indiciários e o resultado (STJ HC 16.140)[20].

O momento do exame da presença ou da ausência de justa causa verifica-se, de modo precípuo, por ocasião do recebimento, ou não, da denúncia ou queixa-crime, a teor do que dispõe o inciso III do artigo 395 do Código de Processo Penal (“A denúncia ou queixa será rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da Ação Penal”). Discute-se se, após a apresentação da resposta a que se refere o artigo 396 do mencionado estatuto, poderia o juízo promover a absolvição sumária do defendente por falta de justa causa. A resposta, segundo uma parcela da doutrina, é desenganadamente positiva[21], tomando-se como base a lacuna do artigo 397.

Sob o ângulo da profundidade cognitiva, o reconhecimento da ocorrência, ou não, de justa causa na prossecução penal deve se dar de forma superficial ou rarefeita, a ser constatado prima facie e mediante prova pré-constituída, à semelhança do que ocorre, mutatis mutandi, com o direito líquido e certo no mandado de segurança. Em outro dizeres, havendo suspeita fundada de crime, e existindo elementos idôneos de informação que autorizem a investigação penal do episódio delituoso, torna-se legítima a instauração do processo penal, eis que se impõe, ao poder público, a adoção de providências necessárias ao esclarecimento da verdade real. Por outro lado, também se revela possível a sua extinção anômala, desde que inexista qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação (STF HC 82.393).

* O artigo contou com a colaboração de Pierpaolo Cruz Bottini


[1] Cf. MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa causa para ação penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
[2] Cf. JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 93; Mirabete, Julio Fabbrini. Processo penal. 18ª edição. São Paulo: Atlas, 2006, p. 91.
[3] Cf. MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa causa para ação penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
[4] Cf. MARQUES, José Frederico. Estudos de direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, 1960, pp. 147-148; TUCCI, Rogério Lauria. Habeas corpus, ação e processo penal. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 167; MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Volume 1. Campinas: Bookseller, 1997, p. 294; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivany. Direito processual penal. Volume 1. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 72; MIRANDA, Darcy Arruda. Comentários à Lei de Imprensa. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 637.
[5] Cf. SILVA, Luís Renato Ferreira da. A justa causa como condição para o exercício da ação penal. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 655, n. 79, mai. 1990, pp. 403-405.
[6] Cf. GOMES, Luiz Flávio; Bianchini, Alice. Justa causa no processo penal: conceito e natureza jurídica. In: Revista dos Tribunais, v. 91, n. 805, nov. 2002, pp. 472-478.
[7] Cf. CARVALHO, Érika Mendes de. Las condiciones de procedibilidad y su ubicación sistemática: una crítica al sistema integral del derecho penal. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología., ns. 7-10, 2005, p. 10:2.
[8] Cf. MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa causa para ação penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 276: “A denúncia deve ser analisada do ponto de vista formal e material. O segundo aspecto, embora pouco construído, ganha importância cada vez maior. Não basta a descrição do fato definido como infração penal. Impõe-se mais. Necessário se faz estar a imputação amparada em elementos fáticos de convicção”. Nesse mesmo sentido: LOPES JR. Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume I. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 341.
[9] A divisão não é estanque: “la ausencia de una relacion «harmónica» entre lo «objetivo» y lo «subjetivo» en el tipo penal se manifiesta actualmente en tres casos: a) en la relevancia concedida a los conocimientos y capacidades especiales del autor para determinar el riesgo permitido/prohibido; b) en la posibilidad, defendida por algunos, del dolo influir en la propia peligrosidad objetiva de la conduta, lo que implica que el ámbito del riesgo permitido en estos delitos sea más estrecho que el de los delitos impudentes; y, finalmente, c) en la tendencia hacia la «objetivización» del dolo. En (a) y (b) tenemos ejemplos de la intromisión de lo subjetivo en lo objetivo y en (c) justamente lo inverso”. Cf. PORCIÚNCULA NETO, José Carlos Nobre. La «exteriorización de lo interno»: sobre la relacion entre lo «objetivo» y lo «subjetivo» en el tipo penal. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito da Universidade de Barcelona, 2012, p. 142.
[10] Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Direito penalParte Geral. São Paulo: CPC, 1998, p. 65.
[11] Cf. GRECO, Luís. Dolo e gestão temerária (art. 4º, parágrafo único, lei 7.492/86). In: Boletim IBCCRIM, n. 229, dez. 2011, pp. 7-8.
[12] Cf. MIR PUIG, Santiago. Derecho penal. 7ª ed. Montevidéu: Editorial B de F, 2004, pp. 222-223.
[13] STF Inq 2.482 Inq 2482, Rel. p/ acórdão Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 15/09/2011, DJe 17/12/2012 (diretor de Secretaria Municipal de Esportes e Lazer que teria solicitado, mediante ofício ao departamento de controle e licitações, a contratação de bandas ante a necessidade de apresentação de grande quantidade de grupos de shows musicais na época carnavalesca, sendo certo que no Diário Oficial foi publicada a ratificação das conclusões da procuradoria jurídica, assentando a inexigibilidade de licitação). Sobre um conceito de dolo como conhecimento, desassociado da ideia de vontade, cf. GRECO, Luís. Dolo sem vontade. In: DIAS, Augusto Silva e outros [coords.]. Líber Amicorum de José de Sousa Brito em comemoração do 70º Aniversário. Coimbra: Almedina, 2009, pp. 885 e seguintes.
[14] Cf. BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 103: “quando decorrentes da interpretação lógica e sistemática do ordenamento”.
[15] Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Direito penal. São Paulo: CPC, 1998, p. 65.
[16] STJ APn 660/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 24/05/2012, DJe 05/06/2012 (inicial desacompanhada de documentos a demonstrar a ocorrência de suposto crime e respectivo autor).
[17] STJ HC 41.504/CE, Rel. Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 18/12/2007, DJe 22/09/2008 (prova obtida por busca domiciliar realizada sem a expedição de mandado judicial).
[18] STJ RHC 767/SP, Rel. Ministro José Dantas, Quinta Turma, julgado em 01/10/1990, DJ 29/10/1990, p. 12150 (médico que em nenhum momento manteve contato com a vítima, portadora de quadro clínico alheio à sua especialidade).
[19] STJ Apn 261/PB, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em 02/03/2005, DJ 05/12/2005, p. 197 (padronização de mobiliários ou equipamentos sem conseqüência patrimonial para o órgão público).
[20] STJ HC 16.140/PA, Rel. Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, julgado em 18/09/2001, DJ 15/10/2001, p. 301 (crime de homicídio culposo praticado por empregados de estabelecimento comercial que agiram com excesso na atividade de fiscalização, sem qualquer participação do gerente).
[21] Cf. LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, v. 1, p. 352-353.

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