O Sistema judicial da República Popular da China
26 de maio de 2013, 8h01
O país carrega uma expressiva herança cultural. Foi, por séculos, governado por monarquias hereditárias. A última delas foi a dinastia Quing, que caiu com a revolução de 1912 e transformou a China em uma República. O filme “O Último Imperador”, do diretor Bernardo Bertolucci, 1987, retrata magistralmente esse período. Em 1949, o Partido Comunista derrotou o Nacionalista, tomou o poder e, a partir de então, tem o domínio político do país.
Apesar de o sistema político ser comunista, a partir de 1976 a economia abriu-se ao mercado e grandes corporações instalaram-se no país. Os empreendimentos alavancaram sua economia e a pobreza foi reduzida. A China tornou-se a segunda maior economia do mundo e conquistou um lugar no Conselho de Segurança da ONU.
Mesmo se tornando importante no cenário mundial e de ser um dos maiores importadores de produtos brasileiros, aqui seu sistema jurídico e judicial é pouco conhecido. No México, ao contrário, no ano de 2008, por iniciativa de sua Universidade Nacional (UNAM) e outras entidades, foi editada a obra México-China, Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, coordenada por Arturo Oropeza García, transmitindo bons conhecimentos aos investidores e a seus advogados.
O sistema judicial da China é muito diferente do adotado no mundo Ocidental. Não existe um Poder Judiciário como no Brasil. O sistema judicial da China compreende não apenas os Tribunais Populares, mas também a Procuradoria Popular (Ministério Público) e a Segurança Pública. O Governo Central respeita a tradição dos sistemas judiciários das regiões autônomas especiais, Hong Kong e Macau, colonizadas pelos ingleses e portugueses.
Os Tribunais Populares são criados pelo Congresso e a ele prestam contas. O sistema chinês possui um Tribunal Popular Supremo, Tribunais Populares locais e especiais. O TPS, órgão máximo na hierarquia judiciária, tem três seções: civil, econômica e penal. Seu presidente é nomeado pela Assembleia Nacional para um mandato de cinco anos, que pode ser renovado duas vezes. O TPS pode reexaminar sentenças das instâncias inferiores quando houver um recurso admitido. Como ele é o intérprete máximo da legislação, acaba sendo um guia de orientação aos demais tribunais, sua jurisprudência acaba sendo, na prática, vinculante.
Os Tribunais Populares podem dividir-se em tribunais locais, intermediários ou superiores. Os primeiros, Tribunais Populares Básicos, localizam-se em distritos e municípios. Os Tribunais Populares Intermediários, uma instância acima, situam-se nas capitais das províncias ou regiões autônomas. Os Tribunais Populares Superiores, que estão abaixo do Supremo, são 31 e estão em províncias ou municípios dependentes diretamente do governo central.
Os tribunais podem especializar suas seções em criminal, administrativo, execuções, tal qual no Brasil. As sessões são públicas, “salvo nos casos relacionados a segredo de Estado, intimidades pessoais ou delinquência juvenil” (Kim e So, 2013). Cada tribunal tem um Comitê Judicial, formado pelo presidente, pelo chefe de divisão e juízes mais experientes, para orientar e aconselhar no encaminhamento de casos mais complexos. Este mecanismo pode ser útil na aplicação do melhor direito, mas pode, também, ser uma interferência no julgamento. Registre-se que os juízes locais não possuem inamovibilidade, podendo ser transferidos a qualquer momento.
Com relação aos Tribunais Especiais, são eles os Militares, Marítimos, de Transporte Ferroviário, este último tem, também, jurisdição criminal. Porém, a grande novidade na China é a criação de Tribunais Ambientais.
A China está pagando um preço alto por seu desenvolvimento econômico através da poluição ambiental. Para que se tenha ideia da gravidade do problema, “o nível de poluição do ar em Pequim e em outras cidades chinesas, que chega a ser 40 vezes superior ao limite máximo recomendado, está assustando os pais” e “algumas escolas internacionais construíram enormes cúpulas futuristas sobre suas quadras esportivas para proteger a qualidade do ar” (Wong, 2013). Para enfrentar o problema, foram criadas 95 Cortes Ambientais, mas os resultados ainda são tímidos (Stern, 2013).
A reforma econômica e os contatos mais próximos com o Ocidente estão impondo alterações ao sistema judicial da China, a fim de transmitir segurança jurídica aos investidores. Os juízes, a partir de 1980, tornaram-se mais profissionais, mas um grande percentual ainda é de pessoas sem formação jurídica. O Tribunal Superior de Shangai, há muitos anos, só recebe juízes graduados em Direito e com experiência profissional. Em 2008, os julgamentos foram padronizados, cuidou-se da gestão dos processos e fortaleceu-se a imparcialidade dos juízes. Em 2012 foram reformados os Códigos de Processo Civil e Penal. A execução dos julgados mereceu maior atenção, tendo sido feita a aproximação para parcerias com órgãos da Segurança Pública, Procuradoria, finanças, construção e negócios.
As Procuradorias Populares, equivalentes ao MP no Brasil, organizam-se de forma semelhante aos órgãos judiciários e têm por funções principais denunciar os autores de crimes, exercer vigilância sobre as atividades judiciais e acompanhar a execução das sentenças judiciais criminais. O órgão máximo é a Procuradoria Popular Suprema, que exerce a supervisão das Procuradorias das províncias, regiões autônomas e municípios.
Os órgãos destinados à Segurança Púbica conduzem a Polícia Popular, sendo responsáveis pela manutenção da ordem pública e segurança do Estado. A China possui um elevado padrão de segurança, sendo praticamente desconhecida a violência urbana nos moldes brasileiros. As medidas preventivas são recebidas pela população com naturalidade. Por exemplo, para ingressar-se na Praça da Paz Celestial, em Beijing, passa-se por uma revista.
A China ainda tem dificuldades de lidar com as questões de Direitos Humanos. Recentemente, um jovem de 18 anos, de nome Xiang, líder da parada gay em Changsha, teve sua prisão decretada por 12 dias, por organizar o ato sem autorização da polícia.
Curiosa é a situação originada pela política de um só filho por casal. Na China os filhos cuidam dos pais até a morte. Por tal motivo, pais cujo filho faleceu estão propondo ações indenizatórias contra o Estado.
Eis a China, país que pela importância e desenvolvimento deve merecer a atenção dos profissionais do Direito
México-China, Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados, coord. Arturo Oropeza García, UNAM, 2008.
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