Riscos contratuais

Julgados reconhecem validade de contratos de gaveta

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26 de maio de 2013, 12h44

Comprar imóvel com o chamado contrato de gaveta não é seguro, mas é prática comum. Acordo particular realizado entre o mutuário que adquiriu o financiamento com o banco e um terceiro, traz riscos evidentes. Entre outras situações, o proprietário antigo poderá vender o imóvel a outra pessoa, o imóvel pode ser penhorado por dívida do antigo proprietário, o proprietário antigo pode morrer e o imóvel ser inventariado e destinado aos herdeiros.

Além disso, o próprio vendedor poderá ser prejudicado, caso o comprador fique devendo taxa condominial ou impostos do imóvel, pois estará sujeito a ser acionado judicialmente em razão de ainda figurar como proprietário do imóvel. Por problemas assim, o contrato de gaveta é causa de milhares de processos nos tribunais, uma vez que 30% dos mutuários brasileiros são usuários desse tipo de instrumento.

A Caixa Econômica Federal considera essa modalidade de contrato irregular porque, segundo o artigo 1º da Lei 8.004/90, alterada pela Lei 10.150/00, o mutuário do Sistema Financeiro de Habitação tem que transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato. Exige-se que a formalização da venda se dê em ato concomitante à transferência obrigatória na instituição financiadora.

Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido, em diversos julgados, a possibilidade da celebração dos contratos de gaveta, uma vez que considera legítimo que o cessionário do imóvel financiado discuta em juízo as condições das obrigações e direito assumidos no referido contrato.

Validade de quitação
O STJ já reconheceu, por exemplo, que se o contrato de gaveta já se consolidou no tempo, com o pagamento de todas as prestações previstas no contrato, não é possível anular a transferência, por falta de prejuízo direto ao agente do SFH. Para os ministros da 1ª Turma, a interveniência do agente financeiro no processo de transferência do financiamento é obrigatória, por ser o mútuo hipotecário uma obrigação pessoal, que não pode ser cedida, totalmente ou em parte, sem concordância expressa do credor.

No entanto, quando o financiamento já foi integralmente pago, com a situação de fato plenamente consolidada no tempo, é de se aplicar a chamada “teoria do fato consumado”, reconhecendo-se não haver como considerar inválido e nulo o contrato de gaveta (conforme julgamento do Recurso Especial 355.771).

Em outro julgamento, o mesmo colegiado destacou que, com a edição da Lei 10.150, foi prevista a possibilidade de regularização das transferências efetuadas até 25 de outubro de 1996 sem a anuência da instituição financeira, desde que obedecidos os requisitos estabelecidos (Recurso Especial 721.232).

“Como se observa, o dispositivo em questão revela a intenção do legislador de validar os chamados ‘contratos de gaveta’ apenas em relação às transferências firmadas até 25 de outubro de 1996. Manteve, contudo, a vedação à cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do SFH, sem a intervenção obrigatória da instituição financeira, realizada posteriormente àquela data”, afirmou o relator do caso, o então ministro do STJ Teori Zavascki, hoje no Supremo Tribunal Federal.

No julgamento do Recurso Especial 61.619, a 4ª Turma do STJ entendeu que é possível o terceiro, adquirente de imóvel de mutuário réu em ação de execução hipotecária, pagar as prestações atrasadas do financiamento habitacional, a fim de evitar que o imóvel seja levado a leilão.

Para o colegiado, o terceiro é diretamente interessado na regularização da dívida, uma vez que celebrou com os mutuários contrato de promessa de compra e venda, quando lhe foram cedidos os direitos sobre o bem. No caso, a turma não estava discutindo a validade, em si, do contrato de gaveta, mas a quitação da dívida para evitar o leilão do imóvel.

Revisão de cláusulas
Para o STJ, o cessionário de contrato celebrado sem a cobertura do FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais) não tem direito à transferência do negócio com todas as suas condições originais, independentemente da concordância da instituição financeira.

O FCVS foi criado no SFH com a finalidade de cobrir o saldo residual que porventura existisse ao final do contrato de financiamento. Para ter esse benefício, o mutuário pagava uma contribuição de 3% sobre cada parcela do financiamento. Até 1987, os mutuários não tinham com o que se preocupar, pois todos os contratos eram cobertos pelo FCVS. A partir de 1988, ele foi retirado dos contratos e extinto em definitivo em 1993.

De acordo com a ministra Isabel Gallotti, relatora do caso, o terceiro pode requerer a regularização do financiamento, caso em que a aceitação dependerá do agente financeiro e implicará a celebração de novo contrato, com novas condições financeiras.

Segundo a ministra, quando o contrato é coberto pelo FCVS, o devedor é apenas substituído e as condições e obrigações do contrato original são mantidas. Porém, sem a cobertura do FCVS, a transferência ocorre a critério do agente financeiro e novas condições financeiras são estabelecidas. Assim foi julgado no Recurso Especial 1.171.845.

Em outro julgamento, o STJ também entendeu que o cessionário de mútuo habitacional é parte legítima para propor ação ordinária contra agente financeiro, com o objetivo de revisar cláusula contratual e de débito, referente a contrato de financiamento imobiliário com cobertura pelo FCVS.

“Perfilho-me à novel orientação jurisprudencial que vem se sedimentando nesta Corte, considerando ser o cessionário de imóvel financiado pelo SFH parte legítima para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos através dos cognominados ‘contratos de gaveta’, porquanto, com o advento da Lei 10.150, o mesmo teve reconhecido o direito de sub-rogação dos direitos e obrigações do contrato primitivo”, assinalou o relator do recurso, o ministro Luiz Fux, atualmente no STF, no julgamento do Recurso Especial 627.424.

Seguro habitacional
Exigido pelo Sistema Financeiro de Habitação, o seguro habitacional garante a integridade do imóvel, que é a própria garantia do empréstimo, além de assegurar, quando necessário, que, em eventual retomada do imóvel pelo agente financeiro, o bem sofra a menor depreciação possível.

No caso de contrato de gaveta, a 3ª Turma do STJ decidiu que não é devido o seguro habitacional com a morte do comprador do imóvel nessa modalidade, já que a transação foi realizada sem o conhecimento do financiador e da seguradora (Recurso Especial 957.757).

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que, de fato, não é possível a transferência do seguro habitacional nos contratos de gaveta, pois nas prestações de mútuo é embutido valor referente ao seguro de vida, no qual são levadas em consideração questões pessoais do segurado, tais como idade e comprometimento da renda mensal.

“Ao analisar processos análogos, as Turmas que compõem a Segunda Seção decidiram que, em contrato de promessa de compra e venda, a morte do promitente vendedor quita o saldo devedor do contrato de financiamento. Reconhecer a quitação do contrato de financiamento em razão, também, da morte do promitente comprador, incorreria este em enriquecimento sem causa, em detrimento da onerosidade excessiva do agente financeiro”, destacou a relatora.

Diante dos riscos representados pelo contrato de gaveta, o melhor é regularizar a transferência, quando possível, ou ao menos procurar um escritório de advocacia para que a operação de compra e venda seja ajustada com o mínimo de risco para as partes contratantes. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 61619
REsp 355771
REsp 627424
REsp 721232
REsp 957757
REsp 1171845

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