Fim de mandato

Orientações aos municípios sobre as regras de final de mandato

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24 de março de 2008, 18h43

1. Introdução

O ano de 2008 finaliza uma etapa política de quatro anos para o mandato municipal. A Lei de Responsabilidade Fiscal introduziu algumas regras de final de mandato que deverão ser observadas pelos governantes nessa fase da administração dos municípios brasileiros.

Basicamente, essas regras referem-se aos gastos com pessoal, contratação de operações de crédito, endividamento, realização de despesas que se estenderão até o exercício seguinte (Restos a Pagar) e as chamadas transferências voluntárias.

Esse texto apresenta as principais regras que deverão ser observadas nesse período de transição e de final de mandato e visa orientar os gestores municipais na observação das normas da responsabilidade fiscal.

2. Gastos com pessoal

No que se refere às despesas de pessoal, nos 180 dias que antecedem o término da legislatura ou do mandato do chefe do Poder Executivo, nenhum ato que provoque aumento desses gastos poderá ser editado (artigo 21, § único da LRF). Além disso, sendo excedido o limite de gastos ou descumprido o compromisso de redução quadrimestral do excesso, aplicam-se as penalidades previstas (reclusão de um a quatro anos, nos termos do artigo 359-G do Código Penal).

Atente-se para o fato de que tal mandamento não alcança os aumentos originários de vantagens pessoais a que os servidores públicos têm direito por força de dispositivo constitucional. É o caso dos anuênios, qüinqüênios, salário-família, etc, que deverão ser pagos normalmente, mesmo durante o último ano de mandato. Outra exceção à regra definida no referido parágrafo único da LRF é a que se refere às despesas com pessoal da educação. As despesas, nesse caso, dependerão do desempenho das receitas que comporão os recursos transferidos para os fundos de educação estaduais e municipais, dos quais, 60% deverão ser utilizados no pagamento de salários. No entanto, não há prejuízo ao equilíbrio fiscal já que as despesas com folha de pagamentos aumentarão na mesma proporção das receitas recebidas, o que deverá manter as despesas dentro do mesmo limite porcentual para gastos com pessoal definido na LRF (60% da RCL para Estados e Municípios e 50% para União).

Também se configura como exceção a esse parágrafo os casos de excepcional interesse público para a contratação de serviço público, obedecendo-se o disposto no inciso IX, do artigo 37 da Constituição Federal, que determina, in verbis:

“Artigo 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…) Omissis

IX — a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” (grifei);

Nos demais casos, o aumento nas despesas sujeitará os titulares dos Poderes ou órgão referidos no artigo 20 da LRF, às sanções previstas na Lei 10.028 de 2000, a chamada Lei de Crimes Fiscais.

Ressalte-se que o aumento nas despesas com folha de pagamentos (incluindo pessoal ativo e inativo) deverá observar como parâmetro as receitas dos entes públicos. Em outras palavras, o descumprimento à regra não está no aumento nominal das despesas, mas no seu descolamento em relação às receitas arrecadadas. Os gastos com pessoal deverão obedecer ao limite da receita disponível. No entanto, o § único do artigo 21 da LRF é claro: nessa etapa, qualquer aumento salarial, mesmo sendo aumento nominal, está vedado.

De acordo com o artigo 20 da LRF, as despesas com pessoal nos Estados e municípios não poderão superar a 60% da Receita Corrente Líquida[1] e 50% da RCL na União. Ainda nos termos da Lei Fiscal, se um ente público ultrapassar o limite em um quadrimestre, deverá reduzir o excesso nos dois quadrimestres seguintes, sendo que em ano de final de mandato, não haverá esse prazo para o reenquadramento: as ações punitivas ocorrerão imediatamente se houver excesso no último ano da administração do Município.


3. Dívida pública

No que se refere às operações de crédito (empréstimos), há três regras que deverão ser observadas no final do mandato: para o montante da dívida, para as operações de crédito por antecipação de receitas (ARO´s) e para os Restos a Pagar.

Operações de ARO’S são aquelas em que o setor financeiro antecipa aos entes públicos as receitas tributárias futuras (IPTU, ISSQN), sendo que, nessas operações, os tributos são oferecidos em garantia. Já os Restos a Pagar são despesas contratadas em um exercício e que serão pagas no todo ou em parte nos exercícios seguintes.

Além disso, se o limite máximo para a dívida consolidada líquida[2], estabelecido em Resolução do Senado Federal (200% da RCL para Estados e 120% da RCL para municípios), for ultrapassado no primeiro quadrimestre do último ano de mandato, ficará vedada a realização de operações de crédito, exceto as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária, se houver. As ARO’s, por sua vez, são proibidas no último ano do mandato do chefe do Poder Executivo – em anos normais poderão ser contratadas até 10 de dezembro.

Além disso, nos dois últimos quadrimestres do último ano da legislatura e do mandato do Chefe do Poder Executivo, não poderá ser assumida obrigação cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício, a menos que haja igual ou superior disponibilidade de caixa para o sucessor.

4. Restos a Pagar

A rubrica Restos a Pagar, na sua origem, destinava-se a compatibilizar o término do exercício financeiro com a continuidade da administração pública. Isto porque nem todos os pagamentos de despesas coincidem com o término do exercício financeiro e é natural que algumas despesas que pertencem a um exercício venham a ser pagas no exercício seguinte (NUNES,2003).

Com o passar do tempo, os Restos a Pagar foram sendo utilizados como instrumento de rolagem de dívidas. Essa prática decorria, em grande medida, de deficiências do processo orçamentário como instrumento de planejamento. O orçamento, alimentado por super-estimativas de receitas e/ou sub-estimativas de despesas, embutia autorização para assunção de compromissos que não eram acompanhados pela efetiva arrecadação de receitas. A falta de sincronia entre orçamento e execução financeira e a ausência de medidas corretivas ocasionava uma sobra de pagamentos que não podiam ser atendidos no mesmo exercício e, portanto, eram transferidos para o exercício seguinte sob a forma de Restos a Pagar.

O orçamento do exercício seguinte, por sua vez, freqüentemente não contemplava espaço para esses gastos que, para serem atendidos, ocasionavam deslocamento de outras despesas. Estas, por sua vez, seriam também transferidas sob a mesma rubrica para o exercício subseqüente, configurando-se então uma “rolagem extra-orçamentária” de dívidas.

A situação tornava-se mais grave quando a série de planejamentos deficientes fazia com que os problemas se acumulassem, dando origem a uma trajetória crescente de endividamento de curto prazo. E, ainda mais, quando em último ano de mandato, a pressão pela acomodação de despesas também aumentava, elevando o volume de Restos a Pagar a tal magnitude que, muitas vezes, o sucessor era forçado a consumir um ou mais anos de seu mandato apenas para saldar dívidas contraídas em mandatos anteriores.

Após a LRF, esse tipo de rolagem de dívidas fica vedado no último ano de mandato. O artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal foi concebido com o espírito de, por um lado, evitar que, em último ano da administração, sejam irresponsavelmente contraídas novas despesas que não possam ser pagas no mesmo exercício, sob pressão do próprio pleito. Por outro lado, o fim do mandato serviria também como ponto de corte para equacionamento de todos os estoques. Em outras palavras, eventuais dívidas poderiam ser roladas ao longo de um mesmo mandato, mas jamais transferidas para o sucessor. A regra busca obrigar o governante a “deixar a casa arrumada para o sucessor”.

Posteriormente, a Lei 10.028, de 19 de outubro de 2000, denominada Lei de Crimes Fiscais, caracterizou como crime, ordenar ou autorizar a assunção de obrigação em desacordo com a determinação do referido artigo 42 da LRF.

Várias dúvidas surgiram em relação à interpretação desse dispositivo, tornando-se necessários alguns esclarecimentos. Vamos utilizar como referência o ano de 2008 que é último ano de mandato municipal.

Nos termos do artigo 36 da Lei 4.320/64, somente poderá ser inscrita em Restos a Pagar a despesa empenhada, mas não paga até 31 de dezembro. Além disso, a LRF, no seu artigo 50, inciso II, determina que a despesa e a assunção de compromisso serão registradas segundo o regime de competência, disposição esta que se aplica também aos Restos a Pagar.


Também a Lei 11.514, de 13 de agosto de 2007 (LDO da União para 2008), em seu artigo 108 determina:

Artigo 108. Para efeito do disposto no artigo 42 da Lei Complementar nº 101, de 2000, considera-se contraída a obrigação no momento da formalização do contrato administrativo ou instrumento congênere.

Parágrafo único. No caso de despesas relativas à prestação de serviços já existentes e destinados à manutenção da administração pública, consideram-se compromissadas apenas as prestações cujo pagamento deva se verificar no exercício financeiro, observado o cronograma pactuado.

Deste entendimento, decorrem algumas conclusões:

1. Se o governante realizar um contrato com execução prevista em vários exercícios (plurianual), não poderá inscrever em Restos a Pagar ao final do exercício de 2008 despesas que não sejam da competência daquele exercício. Pela mesma razão, também não se deve esperar que o administrador público deixe disponibilidade de caixa para atender a todas as parcelas futuras que não são da competência de 2008. Caso contrário, se essa conduta fosse exigida, ficariam inviabilizados investimentos, pagamento da dívida pública e contratos de prestação de serviços (recolhimento de lixo, transporte, etc.) que se estendem além do final deste exercício.

São a razoabilidade das leis e a continuidade da Administração Pública que impõem a interpretação do dispositivo à luz do conceito de Restos a Pagar. Além disso, a expressão “contrair obrigação de despesa” do artigo 42 insere-se em seção denominada “Dos Restos a Pagar” e assim deve ser entendida. Ressalte-se que na Administração Pública, a assinatura de contrato não basta para caracterizar a obrigação de despesa, a qual deve também ser empenhada e liquidada para que possa ser paga.

2. É preciso observar ainda que as despesas que legalmente pertencem ao exercício deverão ser pagas no mesmo exercício ou serem acompanhadas de disponibilidade de caixa. Então, o ente público que empenha as folhas do exercício em janeiro de cada ano e liquida parte da folha de dezembro no dia 5 do mês subseqüente, deverá deixar disponibilidade de caixa. A LRF não contraria a lei trabalhista, a qual permite o pagamento posterior; apenas exige a disponibilidade de caixa. Infringe o artigo 42 quem, nos oito meses que antecedem o final do mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele ou que a inscreva em Restos a Pagar (e para tanto deverá previamente empenhar a despesa) sem deixar igual disponibilidade de caixa para que o sucessor possa atendê-la.

Individualização de responsabilidades. Em consonância com a LRF, a qual respeita e preserva o princípio constitucional de independência dos Poderes, um Poder não será responsabilizado pela ação irregular de outro. Assim, no artigo 20, é definido o nível de individualização das responsabilidades por Poder, que deverá acompanhar toda a LRF. Decorrem então algumas conclusões:

1. A disponibilidade de caixa e os Restos a Pagar a serem considerados para efeito de aplicação do artigo 42 são os do Poder ou órgão referido no artigo 20. Não se tratam aqui das Secretarias, enquanto órgãos do Poder Executivo Municipal, por exemplo, pois não é esse o nível de responsabilização definido no artigo 20. Os órgãos referidos no artigo 20 são, no caso dos municípios, a Câmara de Vereadores e o Tribunal de Contas do Município, quando houver e outros que possuem autonomia. O Poder Executivo Municipal, nesse sentido, funciona um órgão único e geral.

2. A regra possui cunho de responsabilização pessoal e aplica-se no último ano de mandato dos chefes de Poder (prefeito) ou órgão (Câmara, Tribunais) referido no artigo 20, portanto, a todos os Poderes independentemente de ser o mandato eletivo ou não.

3. A regra do artigo 42 aplica-se ao último ano de mandato independentemente de quem seja o sucessor. Assim, ainda que o sucessor seja o próprio prefeito, em caso de reeleição, a regra precisará ser atendida.

4. A independência dos Poderes não isenta o Município das sanções fiscais no caso de o Poder Legislativo, por exemplo, estar acima dos limites para gastos com pessoal (6% da RCL), mesmo que o Poder Executivo esteja cumprindo o seu limite percentual (54% da RCL).

Respeito aos contratos. A LRF também não autoriza nem incentiva a quebra de contratos ou a “maquiagem contábil”. O comportamento do gestor público deverá pautar-se pela prudência, evitando contrair despesas sem que tenha certeza de que haverá condições financeiras para saldá-las.


Não obstante a regra do artigo 42 aplicar-se apenas às despesas contraídas nos últimos oito meses do último ano de mandato, não deverá ser dada prioridade a liquidação desses débitos em detrimento dos assumidos em meses anteriores. Isto porque, primeiro, a Lei 8.666/93 veda tal conduta: em seu artigo 5º a referida legislação determina, in verbis: “Devendo cada unidade da Administração obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada”. Assim, não deve ser dada prioridade à liquidação dos débitos dos últimos 8 meses do mandato em detrimento dos anteriores.

A LRF não autoriza nem incentiva a realização de contratos à margem do processo orçamentário. Ao contrário, o artigo 37 da LRF proíbe a assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para pagamento a posteriori de bens e serviços (“contratos de gaveta”), caracterizando-se tal ação como operação de crédito irregular. A Lei de Crimes Fiscais, por sua vez, pune com pena de reclusão de um a dois anos a realização de operação de crédito sem autorização legislativa ou com inobservância de condição estabelecida em lei. Assim, recomenda-se que toda a despesa transite pelo orçamento e que toda a despesa a pagar seja efetivamente registrada na rubrica “Restos a Pagar”.

Em determinadas circunstâncias, e sendo necessário, é possível cancelar empenhos sem prejuízo a fornecedores. Assim, embora o ideal seja agir prudencialmente, em situações extremas é possível e até recomendável promover o ajuste fiscal por meio do cancelamento de empenhos. Contudo, há limites para fazê-lo. Uma vez assumido o compromisso e tendo sido o bem ou serviço entregue (liquidado), o pagamento é devido e o fornecedor que o fez de boa-fé não deve ser lesado. Os contratos assumidos que se referirem a serviços já prestados deverão ser honrados.

Em decorrência do artigo 35 da Lei 4.320/64, pertencem ao exercício financeiro as receitas nele arrecadadas e as despesas legalmente empenhadas. Por isso, diz-se que temos um regime contábil misto adotado no Brasil, qual seja, de caixa para a receita e de competência para a despesa, daí decorrendo, em uma análise conjunta e em conformidade com os artigos 58 a 65 da Lei 4.320/64, que todo o empenho gera obrigação de despesa.

O termo “obrigação de despesa” como posto na LC 101/2000 tem o objetivo de atingir não somente o empenho de despesa, mas, também todo aquele compromisso assumido e que efetivamente ainda não esteja materializado na fase do empenho. Uma leitura rápida e descontextualizada dos princípios constitucionais orçamentários, notadamente o princípio da anualidade orçamentária, e com o próprio parágrafo único do artigo 42, poderia levar à interpretação de que o administrador público teria a obrigatoriedade de manter, em sua integralidade, no caixa do Poder ou órgão, recursos necessários à satisfação das obrigações de despesa contraídas. Porém, tal entendimento não se afiguraria como procedente.

Ocorre que o caput do artigo 42 da LRF refere-se à obrigação de despesa; contudo, o seu parágrafo único, ao regulamentar o caput, esclarece que, na determinação das disponibilidades de caixa, deverão ser consideradas as despesas compromissadas a pagar até o final do exercício. As despesas compromissadas são aquelas que foram ou irão ultrapassar a fase da liquidação do empenho até o final do exercício; logo, do total da obrigação de despesa contraída nos dois últimos quadrimestres, que ultrapassassem aquele exercício, para fins da apuração das disponibilidades de caixa, somente seriam consideradas aquelas parcelas do compromisso assumido que fossem liquidadas até o final do exercício, ficando as demais, em obediência ao princípio da anualidade orçamentária, com fonte de financiamento nos orçamentos dos próximos exercícios.

Por conseqüência da aplicação do princípio contábil da competência da despesa, a “obrigação de despesa” de que trata o artigo 42 da LRF, quando do final do exercício, seria praticamente sinônimo de despesa liquidada ou em execução, que deveria ter o seu pagamento efetuado dentro ainda do exercício financeiro ou, no mínimo, que houvesse recursos em caixa disponíveis, neste mesmo exercício, para satisfação da obrigação, mesmo que o pagamento ocorresse no exercício seguinte.

Outra situação prática que tem suscitado dúvida de interpretação é a que se refere à contratação de execução de obra pública ou de serviços nos últimos oito meses de mandato. A interpretação desse caso, a exemplo do que já foi exposto, deve propiciar a integração do princípio do equilíbrio e da continuidade da administração destacado pela LRF, com os princípios e normas constitucionais orçamentárias e legislação correlata, de forma que preserve a razoabilidade das ações de governo.


Nesse sentido, não se poderia interpretar que, em relação a uma determinada obra de vulto considerável ou a um contrato para prestação de serviços de engenharia de 60 meses, cuja execução do respectivo objeto fosse iniciada nos últimos oito meses de mandato, fosse o administrador compelido a dispor de todo o recurso financeiro necessário quando da celebração do contrato de execução. Não é esse o interesse da lei, e nem poderia ser.

Convém destacar, por importante, que para uma obra ser licitada, preliminarmente, deve ser atendido o princípio constitucional do planejamento integrado (CF, artigo 165), ou seja, essa obra deve ser objeto de previsão no Plano Plurianual – PPA, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual. De acordo com o transcrito artigo 7º da Lei de Licitações, deve haver, ainda, projeto básico, projeto executivo e normas de execução dessa obra, que incluirão um cronograma de execução. Um dos principais dispositivos que elucidam o impasse encontra- se na Lei nº 8.666/93, que é o artigo 7º, § 2º, III, prevê, acertadamente, que a dotação orçamentária necessária à licitação deve ser conjugada com o planejamento da execução a ser realizada no exercício financeiro, tão-somente.

Esta disposição da Lei de Licitações, conforme já asseverado, está em conformidade com o princípio da anualidade previsto no artigo 2º da Lei 4.320/64 e no artigo 165 da CF/88, que determina que a receita e a despesa devem referir-se, sempre, ao período coincidente com o exercício financeiro. Por conseqüência, se o crédito orçamentário deve limitar-se àquelas parcelas da execução da obra que forem planejadas para o exercício, o mesmo ocorrerá em relação aos respectivos empenhos da despesa, liquidação e pagamento.

No que tange às parcelas subseqüentes, além de a obra estar incluída no PPA, deverá haver previsão da mesma tanto na LDO, quanto na LOA, relativas a cada exercício ao qual a mesma se estenda, tudo nos limites financeiros em consonância com o cronograma de execução físico-financeiro. Em conclusão, os contratos para a execução de obras ou prestação de serviços serão empenhados e liquidados no exercício, não pelo valor total, mas, somente, as parcelas do cronograma físico-financeiro que correspondam ao executado no exercício financeiro.

5. Transferências Voluntárias

A definição legal para o conceito de Transferência Voluntária encontra-se no artigo 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal. As Transferências Voluntárias permitem atribuir aos municípios ou a instituições vinculadas a responsabilidade final pela aplicação de recursos, não podendo ser utilizadas com finalidade diversa daquela pactuada.

É importante, ainda, estabelecer a diferença entre Transferências Voluntárias e convênios. Convênio é qualquer instrumento que discipline a transferência de recursos públicos e tenha como partícipe órgão da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista que estejam gerindo recursos dos orçamentos da União, visando à execução de programas de trabalho, projeto/atividade ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação (IN STN no 01/1997).

Existem Transferências Voluntárias que não são realizadas via convênio, como por exemplo, o Programa Dinheiro Direto na Escola e, também, repasses realizados por meio de convênios que não podem ser classificados como Transferências Voluntárias, como por exemplo, parcela dos recursos repassados pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Tradicionalmente, o convênio tem sido o instrumento utilizado pela Administração Federal para transferir recursos aos municípios. Porém, existem dois outros mecanismos de transferência: contrato de repasse e transferência automática.

O contrato de repasse é o instrumento utilizado para transferências de recursos financeiros da União para Estados, Distrito Federal ou municípios, por intermédio de instituição ou agência financeira oficial federal, destinados à execução de programas governamentais. É firmado entre as instituições financeiras federais da União (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil) e o órgão ou entidade estadual ou municipal, sendo aquelas responsáveis pelo acompanhamento da aplicação dos recursos previamente à liberação das parcelas. Esse tipo de instrumento vem sendo utilizado pelo governo federal, principalmente, para a execução de programas sociais na área de habitação, saneamento e infra-estrutura urbana e de programas relacionados à agricultura.

Nas transferências automáticas, os recursos descentralizados pela União para Estados, Distrito Federal e municípios são transferidos automaticamente para conta corrente específica aberta em nome do beneficiário, sem a necessidade de realização de convênio, acordo ou contrato. Essa modalidade de transferência tem sido utilizada nos repasses de recursos destinados a programas de educação, em especial, o Programa Nacional de Alimentação Escolar e o Programa Dinheiro Direto na Escola. Todos estes recursos são passíveis de prestação de contas pelas partes beneficiadas.


Resta ainda considerar que em ano eleitoral, nos três meses que antecedem as eleições, é vedada a realização de transferências voluntárias a Estados e Municípios, exceto para aquelas obras e serviços em andamento onde já houve assinatura de convênios. Por outro lado, não há vedação legal em relação a transferência de recursos à entidade privada.

As regras para as transferências voluntárias, em ano eleitoral, deverão observar as disposições da Lei 9.504, de 1997 que determina em seu artigo 73, in verbis:

Artigo 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I – ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

II – usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

III – ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

V – nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;

b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;

c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;

d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;

e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;

VI – nos três meses que antecedem o pleito:

a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo;

VII – realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição.


VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no artigo 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.

§ 1º Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional.

§ 2º A vedação do inciso I do caput não se aplica ao uso, em campanha, de transporte oficial pelo Presidente da República, obedecido o disposto no artigo 76, nem ao uso, em campanha, pelos candidatos a reeleição de presidente e vice-presidente da República, governador e vice-governador de Estado e do Distrito Federal, prefeito e vice-prefeito, de suas residências oficiais para realização de contatos, encontros e reuniões pertinentes à própria campanha, desde que não tenham caráter de ato público.

§ 3º As vedações do inciso VI do caput, alíneas b e c, aplicam-se apenas aos agentes públicos das esferas administrativas cujos cargos estejam em disputa na eleição.

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

§ 5º Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos I, II, III, IV e VI do caput, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma. (Redação dada pela Lei nº 9.840, de 28.9.1999).

§ 6º As multas de que trata este artigo serão duplicadas a cada reincidência.

§ 7º As condutas enumeradas no caput caracterizam, ainda, atos de improbidade administrativa, a que se refere o artigo 11, inciso I, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeitam-se às disposições daquele diploma legal, em especial às cominações do artigo 12, inciso III.

§ 8º Aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem.

§ 9º Na distribuição dos recursos do Fundo Partidário (Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995) oriundos da aplicação do disposto no § 4º, deverão ser excluídos os partidos beneficiados pelos atos que originaram as multas.

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

6. Responsabilização Solidária

Resta ainda considerar que o Administrador Público que assumir a administração nos últimos meses de mandato, será responsável pelos fatos que ocorreram no seu período de gestão, bem como, em alguma medida, pelos danos causados pelo seu antecessor. O raciocínio aqui é bastante simples: quem suceder, por exemplo, um prefeito municipal que tentará uma candidatura legislativa, em geral, teve alguma participação nas ações da Administração municipal[3].

Por outro lado, conhecendo os problemas causados por seu antecessor, o novo Administrador deverá denunciar irregularidades e tentar sanar os danos ao erário. Atitude diferente poderá representar omissão ou mesmo convivência com a prática irregular, cabendo ao gestor que fica, portanto, a responsabilidade objetiva e solidária pelos atos de gestão da administração da qual participou.

7. Regras de Transição

As regras referentes ao final de mandato deverão considerar ainda aspectos relacionados a transição de governo que ocorrerá entre o período do processo eleitoral (primeiro e segundo turno) e a data da titulação dos novos administradores públicos.


É necessário, nesse caso, que a administração que encerra seu mandato forme Equipe de Transição que será responsável pela elaboração de relatórios e a separação daqueles documentos (mesmo em versão preliminar) que comprovem o cumprimento das regras com despesas de pessoal, Restos a Pagar, nível de endividamento, serviços terceirizados, convênios, processos judiciais em andamento etc. Esse procedimento garante a transparência e a responsabilidade do administrador público em relação a continuidade da administração.

A Administração que assume também deverá constituir sua equipe de transição entre profissionais qualificados que possam se debruçar sobre as informações disponíveis e apresentar relatórios consistentes a respeito da saúde econômica e financeira do Município. Nesse caso, e a título de exemplo, havendo um volume de Restos a Pagar superior às disponibilidades de caixa (referentes às despesas de competência dos últimos oito meses) o novo prefeito deverá ser informado para dar ciência aos órgãos de controle (Tribunais de Contas e Controladorias).

8. Bibliografia Consultada

1. Brasil: Constituição Federal de 1988.

2. Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal.

3. Lei nº 10.028, de 19 de outubro de 2000 – Lei de Crimes Fiscais.

4. Nascimento, Edson Ronaldo, Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada. Vestcon, Brasília, 2004.

5. Nascimento, Edson Ronaldo e Debus, Ilvo, Entendendo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ministério da Fazenda. Brasília, 2002.

6. Nascimento, Edson Ronaldo, Gestão Pública, Saraiva, São Paulo, 2006.

7. Nunes, Selene Perez, Perez, Manual de Treinamento Municipal. BNDES, 2003.

8. Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. Manual de Procedimentos para aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Porto Alegre, 2001.


[1] Receita disponível, após as transferências constitucionais.

[2] Corresponde ao total da dívida contratual (de longo prazo, fundada), deduzida das disponibilidades de caixa.

[3] Em geral, quem assume o posto é alguém indicado pelo antecessor (o vice-prefeito, por exemplo).

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