Supremo aprova pesquisas com células-tronco embrionárias
29 de maio de 2008, 20h21
O julgamento das pesquisas com células-tronco embrionárias terminou nesta quinta-feira (29/5) com um único vencedor: a ciência. Todos os ministros votaram a favor das pesquisas. A decisão não foi considerada unânime, no entanto, porque cinco dos 11 ministros impuseram algumas restrições. Como a de que as pesquisas sejam aprovadas por um comitê de ética central e que a retirada das células-tronco não destrua o embrião.
Ao contrário do que se imaginava, os ministros pouco discutiram o início da vida. Questões filosóficas, teológicas e científicas sobre quando começa a vida permearam o julgamento, mas não foram o grande ponto da discussão. A grande tarefa dos ministros do STF, ao julgar pesquisas com células-tronco embrionárias, foi confrontar uma lei resumida, curta e, para muitos, falha.
“Cada perplexidade que um assunto tão sério seja tratado por um só artigo”, afirmou o ministro Gilmar Mendes, presidente da corte e o último a votar. Ele reforçou a insuficiência da lei apresentando legislações de outros países sobre o mesmo assunto, como França, México, Espanha, Portugal e Alemanha, que têm regras muito mais detalhadas do que a brasileira. No Brasil, a pesquisa com células-tronco embrionárias está regulamentada pelo artigo 5º da Lei 11.105/05, a chamada Lei de Biossegurança.
Na falta de critérios, cinco dos ministros entenderam que algumas condições para as pesquisas deveriam ser estabelecidas pelo próprio Supremo. Ou seja, ao receber a tarefa de julgar uma lei que consideram omissas em determinados pontos, a Corte poderia assumir o lugar do legislador e determinar regras. Votaram nesse sentido os ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Gilmar Mendes. Uns pela improcedência total da ação e outros pela parcial improcedência, mas todos para que as pesquisas com células-tronco sejam liberadas desde que obedecidos determinados critérios: a não destruição dos embriões e a fiscalização de um comitê de ética central foram as principais condições impostas.
Os outros seis ministros — Carlos Britto (relator), Ellen Gracie, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello — votaram para que as pesquisas sejam liberadas e não impuseram qualquer restrição. Marco Aurélio chegou a criticar a posição dos colegas de colocar regras: “O Supremo Tribunal Federal não é órgão de aconselhamento. Em um processo como este, de duas uma: ou declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade, total ou parcial, do ato normativo abstrato atacado”.
A discordância entre os ministros sobre se cabia ao STF colocar ou não limites às pesquisas foi motivo de acalorado debate no final do julgamento. Celso de Mello, exaltado, e Cezar Peluso, irônico, discutiram com vigor. Depois que Gilmar Mendes leu seu voto, último que faltava para ser concluído o julgamento, Peluso sugeriu que o Supremo declarasse a competência do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para fiscalizar as pesquisas com células-tronco embrionárias.
A sugestão foi imediatamente repelida pelo ministro Celso de Mello: “Há seis votos que julgam a ação improcedente”. Peluso rebateu: “Por que vossa excelência está me excluindo?”, questionou, já que ele também votou pela improcedência, ainda que com ressalvas. Celso de Mello, já exaltado, proclamou: “Vossa excelência julgou parcialmente procedente”.
A partir daí, seguiu-se uma discussão com vossas excelências e eminentes ministros ditos no meio de frases ríspidas e, muitas vezes, umas sobre as outras. Eros Grau pediu a palavra e sugeriu que o presidente encerrasse o julgamento, mas a discussão só acabou mesmo quando a ministra Cármen Lúcia descontraiu: “Eu não sou embrião, mas já estou congelando aqui”.
Aula de ciência
À parte as discussões sobre a precariedade da legislação brasileira, os três dias de julgamento (5/3, 28 e 29/5) foram marcados por aulas de ciências médicas e biológica, ética, religião e história. Celso de Mello, por exemplo, foi buscar nas páginas da história a necessidade da separação entre Estado e Igreja. Gilmar Mendes buscou na doutrina de países mundo afora os fundamentos pelos quais entende sim que a corte constitucional pode e deve ter uma atuação mais ativa na interpretação da lei.
Eros Grau, antes de analisar o que diz o Código Civil sobre o que é considerado nascituro e seus direitos, explicou o porquê de votos tão longos. “O tempo é indispensável para o exercício da ciência”. Dito é feito. Todos os ministros leram votos extensos, bem pesquisados, fundamentados e multidisciplinares.
A grande aula de ciência ficou por conta do ministro Menezes Direito. Seu voto, que abriu o julgamento, foi uma aula de ciência e biomedicina. Depois de ter pedido vista em março, quando o STF começou a analisar a constitucionalidade das pesquisas, Direito surpreendeu. Ao contrário do que muitos imaginavam, o ministro, católico fervoroso, votou a favor das pesquisas.
Mas, aproveitou bem o tempo que ficou com o processo em seu gabinete para propor uma solução que não deixasse nem sua crença na vida do embrião congelado de lado nem que paralisasse o avanço da ciência. Sugeriu que as pesquisas fossem permitidas desde que as células-tronco fossem retiradas sem destruir o embrião. Sua tese perdeu. Mas, sem dúvida, a aula de Menezes Direito, não.
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