Justiça em pauta

STF deveria priorizar julgamentos que tornem Justiça mais ágil

Autor

  • Joaquim Falcão

    é professor de Direito Constitucional e Diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro vice-presidente do Instituto Itaú-cultural e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça.

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27 de janeiro de 2008, 9h46

Existe um momento fundamental na vida dos brasileiros, empresas e governos, cuja própria existência raramente é reconhecida. Dificilmente é valorizado. Em geral, passa em brancas nuvens. Trata-se do momento em que o Supremo Tribunal Federal decide quais casos vai julgar e quais não vai julgar. Quando decide o que vai decidir. É um momento crucial. É quando o Judiciário deixa de ser órgão passivo, que não pode tomar iniciativas a não ser quando provocado. Deixa de apenas reagir.

E age.

Diante de milhares de processos aguardando vez, o Supremo seleciona, escolhe e valoriza o que é importante decidir. Revela aí suas prioridades e urgências. Decide sua pauta, que pode, então, encontrar ou desencontrar a pauta do povo.

Com maior ou menor conscientização, o Supremo decide em que aspecto de nossa vida econômica, cultural ou política vai interferir. A decisão sobre a pauta não é um processo mecânico, aleatório ou desprovido de significados. É escolha política. Quais os critérios dessa escolha? Quais seus objetivos e suas repercussões? Nesse momento, sim, podemos falar, saudavelmente, de uma política judicial.

O momento de fazer essas escolhas é sempre o início do ano judicial. Gostaríamos, então, com as devidas licenças, de sugerir um tema, tão ou mais importante que qualquer outro -legislação eleitoral, mensalão ou processos fiscais. Diz respeito à própria existência do Poder Judiciário como um todo. Diz respeito à sua capacidade de tomar decisões no tempo requerido pelos conflitos sociais. Diz respeito à eficácia da Justiça. Sem eficácia, inexiste legitimidade. Sem legitimidade, é difícil uma instituição obter o indispensável apoio para implementar suas decisões.

O tema é óbvio, portanto: como a pauta do Supremo pode contribuir para uma Justiça mais ágil, rápida e eficiente? Como pode combater a lentidão? A meta é fácil: incluir como prioridade da pauta os julgamentos que, provavelmente, possam reduzir os incidentes processuais, diminuir inumeráveis recursos e encurtar a duração dos processos. São três os mecanismos à disposição do Supremo.

O primeiro lhe foi concedido recentemente pelo Congresso, por meio da Emenda Constitucional 45, de 2004: as súmulas vinculantes. Até agora, o Supremo estabeleceu apenas três súmulas. Seria conveniente, para desafogar o próprio Supremo, acelerar sua produção e focar em questões de direito processual.

Controlar o abuso de recursos. As súmulas são fundamentais e destinam-se a conter a multiplicação de processos. Como a grande maioria dos processos que chegam ao Supremo diz respeito aos interesses do Poder Executivo e como as súmulas obrigam as procuradorias e a Advocacia Geral da União, elas contribuiriam no esforço que já vem sendo iniciado de coibir, na origem, processos desnecessários.

O segundo mecanismo também foi forjado pelo Congresso pela Emenda Constitucional 45: constitucionalizou-se, como direito fundamental, o direito ao prazo razoável do processo. A norma, portanto, já existe. Falta agora uma vigorosa cultura judicial e doutrinária de implementação. Espaço para uma liderança doutrinária didática do Supremo e para o estabelecimento de critérios, limites e possibilidades de aplicação.

Finalmente, o terceiro mecanismo foi criado há décadas pelo próprio Código de Processo Civil e precisa ser mais utilizado. É o caminho privilegiado de autodefesa dos juízes de primeira instância e, sobretudo, do Superior Tribunal de Justiça diante dos cem processos que cada ministro recebe por dia para julgar.

Trata-se de o Supremo priorizar casos que digam respeito à litigância de má-fé e à lide temerária. Dois institutos fundamentais e subutilizados pela magistratura. Basta ver sua diminuta jurisprudência. No momento em que os tribunais e o próprio Supremo agilizarem as multas e as penas previstas na legislação, agilizarão a Justiça também.

Quando o ministro Jobim, em visita à Suprema Corte americana, informou à ministra Sandra O’Connors que nosso Supremo analisava cerca de 100 mil processos por ano, a ministra foi incisiva. “Não faça isso, presidente. Não faça isso. O Estado democrático não necessita de mais do que duas decisões sobre qualquer caso”.

O nosso direito processual precisa, urgentemente, de uma atualização democrática. Escapar dos interesses excessiva e falsamente individualizantes, de poucos, em favor dos interesses de uma Justiça ágil e de amplo acesso, de todos. A pauta do Supremo pode colaborar nessa tarefa.

[Artigo originalmente publicado na edição deste domingo (27/1) do jornal Folha de S. Paulo]

Autores

  • é mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), doutor em educação pela Universidade de Genebra (Suíça), professor de Direito Constitucional e diretor da Escola de Direito da FGV-RJ, e membro do Conselho Nacional de Justiça.

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