Causou espanto, principalmente àqueles que não convivem no meio jurídico, as declarações oportunas do ministro Gilmar Mendes, chamando de “canalhice” o envolvimento precipitado e vil de seu nome, em vista da existência de homônimo, nas investigações da Polícia Federal, o que teria ocorrido, segundo o ministro, como represália decorrente das ordens concedidas em Habeas Corpus, ajuizados contra prisões ilegais originadas da recente operação daquela que busca ser, numa verdadeira e lamentável crise de identidade, quase sem limites, o “FBI Brasileiro”.
Porém, o ministro Gilmar Mendes — como o seu companheiro ministro Marco Aurélio — tocou na “ferida” sócio-jurídica não cicatrizada, de maneira correta e corajosa, ao expressar que as prisões estão sendo banalizadas no Brasil. A crítica procede.
Não apenas no caso de prisões temporárias, as quais nasceram de anterior medida provisória e representam, hoje, nada mais, do que a “legalização” das nefastas e antigas “prisões para averiguação”. Também no caso de prisões preventivas o abuso na decretação é latente, chegando a dar a impressão, aos operadores do Direito, de que se instituiu, novamente, a sua obrigatoriedade.
Fundamentação precária, baseada em presunções, ilações, enfim, qualquer dado, por mais insignificante e desprovido de objetividade, abstrato, é motivo para “justificar” o cárcere. Pior, dando-lhe o apelido de “cautelar”, mesmo quando nenhuma instrumentalidade represente tal encarceramento.
Cadeia virou regra, “termo” inicial e “oficial” de qualquer investigação ou processo criminal, invertendo-se a ordem das coisas e os valores democráticos. A expiação e condenação públicas como gênese dos procedimentos criminais.
E a defesa dos cidadãos — suspeitos ou acusados — e de seus direitos fundamentais pétreos?
Aliás, para que Defesa? Por que permitir que advogados tenham acesso a inquéritos ou autos processuais? Advogados só atrapalham. Se o suspeito é inocente, garantir-lhe acesso aos autos e informações sobre a imputação é verdadeiro absurdo? Mera formalidade que atrapalharia e criaria impunidade, ferindo o sigilo das investigações!
Sigilo, diga-se de passagem, que apenas existe para os advogados dos precariamente encarcerados, mas não atinge a imprensa, imune a qualquer segredo decretado, principalmente se o caso — que originou a prisão — representa escândalo digno do horário nobre da TV. Prender alguém, então, sob as lentes televisivas, virou atração circense. Palhaçada generalizada.
Lembro-me da prisão veiculada numa emissora, gravada — segundo o meio de comunicação — pela própria polícia, em que um policial colocava as algemas em suspeito que sequer esboçava reação ou resistência, dando-lhe, ainda, lição de moral demagógica, talvez destinada ao referido horário nobre. Berrava o policial, olhando – com o chamado “canto de olho” — para a câmera: “Este país está mudando”. Sem notícias de que isso lhe tenha rendido o “Oscar”, o show rendeu aplausos dos que acreditaram na cena.
Os pensamentos supramencionados, em forma de indagações, povoam as mentes e determinam as condutas de determinadas “autoridades autoritárias”. Repudiados os abusos pelo STF, resta estabelecida a polêmica. Essa consciência da prevalência dos Direitos Fundamentais e da proibição de banalização das prisões deveria ser verificada também nas as instâncias inferiores, pois nem todos os atuais e futuros réus têm, ou terão, possibilidade de levar suas súplicas aos Tribunais Superiores.
Como asseverou importante vulto, até o inferno, que é o centro de toda e qualquer confusão, apresenta certa ordem! Porém, no Brasil, em nome de uma ilusória segurança pública e do pseudo combate à corrupção, o Estado permite o desvirtuamento do Ordenamento Jurídico, criando desordem sequer verificada nos recintos infernais — de acordo com o vulto parafraseado — transformando a prisão (exceção) em regra, sob os “discursos de autoridade” inflamados, sofismas mascarados pela idéia de prestação de contas a ser dada à população, esta cansada da criminalidade crescente. E mais: continua-se a combater o crime em sua conseqüência, esquecendo-se de sua verdadeira origem.
Com razão, nessa perspectiva, as palavras do atual Presidente do Conselho Federal da OAB, quando menciona o surgimento de um eventual Estado que preza o “marketing facista”.
Fico tentando entender a “mágica” da sedução no discurso desses ditadores do Direito, que conseguem desvirtuar garantias constitucionais e normas/princípios da mesma natureza, alegando a defesa, pasme-se, do Estado de Direito e Democrático, por eles violado.
O desrespeito à Constituição não pode ser considerado meio rápido e eficiente para combater a criminalidade crescente. O Estado não pode se igualar, em artifícios e ardis, àqueles que visa punir.
A verdade é que o STF, atualmente, vem cumprindo seu nobre dever, com equilíbrio e ponderação. E tal atividade não pode ser cerceada por “paixões” e interesses obscuros ou corporativistas. Ampla defesa, por exemplo, que engloba o respeito às prerrogativas daqueles que a exercerão tecnicamente (advogados) , não é mera formalidade, “capricho legal e constitucional”, enfim, não é “dispensável” conforme os momentos e as ocasiões aparentemente propícios, decorrentes de clamores, dos rótulos de classificação de determinados delitos, e dos demais elementos apócrifos que acabam por ferir as liberdades públicas em sentido geral, com a supressão das normas e garantias constitucionais pétreas.
O bom Juiz deve ter um compromisso com a “imparcialidade” e não pode ter “medo” de desagradar mídia, Polícia ou Ministério Público. Somente sem cerceamento “explícito” ou “implícito” da defesa e dos direitos fundamentais, essa imparcialidade poderá ser visualizada e atingida, seja qual for o resultado final dos procedimentos e processos criminais.
No entanto fica o alerta: essas mesmas normas e garantias constitucionais devem ser respeitadas nas instâncias inferiores, seja qual for o status social e econômico do acusado ou suspeito, pois, como alertou Rui, em sua Oração aos Moços, não é lícito ignorar “o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo; porque são os mais mal defendidos, os que suscitam menos interesse, e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição com a míngua de recursos”.