Filho adotivo não pode ser registrado também pelo pai biológico
2 de maio de 2006, 20h04
Filho adotivo não pode ser registrado também com o nome do pai biológico. O entendimento é do 4º Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que não acolheu recurso de Embargos Infringentes interposto por um rapaz que queria o registro do pai biológico.
O autor da ação, registrado pelo pai adotivo, requeria o direito de ter o nome de seu pai biológico no seu registro, como forma de restabelecer a sua dignidade pessoal. Ele foi criado distante da família biológica por ter sido fruto de relação extraconjugal.
Fundamentou o pedido no artigo 226, parágrafo 6º, da Constituição Federal que estabelece direitos iguais entre filhos havidos ou não do casamento e o antigo Código Civil, vigente ao tempo em que foi feita a adoção. De acordo com o artigo, a adoção não rompia os vínculos existentes com a família de sangue.
Segundo o desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, autor do voto vencedor, a adoção é um ato jurídico perfeito e acabado. “Estamos diante de uma situação jurídica plenamente consolidada e, por essa razão, descabido se revela o pleito investigatório.”
O desembargador afirmou que tanto a preexistência do vínculo de adoção como o lapso de tempo já decorrido (21 anos) tornam inviável a investigação de paternidade. Na opinião do desembargador, não é possível que uma pessoa tenha dois pais reconhecidos pelo direito.
“Se a ação fosse julgada procedente, reconhecendo-se a paternidade, sem desconstituir o liame jurídico da adoção, ainda assim a sentença não produziria qualquer efeito no mundo jurídico, pois não se estaria desconstituindo o vínculo parental.”
O relator, desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, que foi voto vencido, enfatizou a irrevogabilidade da adoção, mas ressaltou que, mesmo assim, não se pode sonegar ao filho adotivo o direito ao conhecimento de sua origem genética.
Processo 70011846680
Leia a íntegra da decisão
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. INVESTIGANTE ADOTADO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
1. A ação de investigação de paternidade visa estabelecer a relação jurídica de filiação.
2. Se o investigante já possui paternidade que foi definida na forma da lei, através da adoção plena, o pedido de investigação da paternidade biológica é juridicamente impossível.
EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS, POR MAIORIA.
EMBARGOS INFRINGENTES
QUARTO GRUPO CÍVEL
Nº 70011846680
COMARCA DE PASSO FUNDO
A.B.L.
EMBARGANTE;
S.A.J.B. P.J.D.I.B.R.J.B.
EMBARGADO; M.O.
1º INTERESSADO; M.R.B.
2ª INTERESSADA.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes do Quarto Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, desacolher os embargos infringentes, vencidos os Desembargadores Luiz Felipe Brasil Santos (Relator) e Antonio Carlos Stangler Pereira. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além dos signatários, os eminentes Senhores Desembargadores ALFREDO GUILHERME ENGLERT (PRESIDENTE), ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA E JOSÉ S. TRINDADE.
Porto Alegre, 12 de agosto de 2005.
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS,
Relator vencido.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,
Redator para o acórdão.
RELATÓRIO
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR) –
Cuida-se de embargos infringentes opostos por ALEXANDRE B.L. em face do julgamento da 8ª Câmara Cível provendo, por maioria, a apelação cível interposta por JANDIRA D. B. e outros contra sentença de procedência de ação investigatória de paternidade.
Historia que:
(1) foi, aos oitos anos de idade, registrado como filho de pai adotivos e sempre teve ciência dessa condição e da identidade de seu pai biológico;
(2) o genitor biológico, mesmo sabendo ser seu pai, nunca lhe procurou;
(3) sempre esteve à margem da família biológica, especialmente por ser fruto de relação extraconjugal, e quer obter o reconhecimento judicial de sua origem genética, já confirmada por exame de DNA;
(4) tem direito ao nome de seu pai, que é uma forma de restabelecer a sua dignidade pessoal;
(5) o art. 226, § 6º, da CF dispõe de iguais direitos entre filhos havidos ou não do casamento e o antigo Código Civil, vigente ao tempo em que foi realizada a adoção, ditava que a adoção não rompia os vínculos existentes com a família de sangue;
(6) negar seu direito de buscar sua filiação biológica é contrariar a própria Constituição Federal, pois qualquer que seja a natureza da filiação é possível ter declarada a paternidade;
(7) inexiste qualquer restrição ou proibição legal quanto ao ajuizamento de ação investigatória por filho adotivo, portanto não há como reconhecer a impossibilidade jurídica do pedido nesta ação;
(8) esta Corte decidiu pela legitimidade do filho adotivo para ingressar com demanda investigatória, que trata de direito personalíssimo, imprescritível e indisponível. Requer o provimento dos embargos infringentes para que prevaleça o voto minoritário que negou provimento à apelação e admitiu a propositura da ação de investigação de paternidade.
Houve resposta (fls. 235-240) e parecer do Ministério Público opinando pelo desacolhimento dos embargos infringentes (fls. 246-247).
É o relatório, que foi submetido à douta revisão.
VOTOS
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR) –
O thema decidendum destes embargos diz respeito a uma das questões juridicamente mais tormentosas e, por isso, polêmicas do Direito de Família brasileiro. Trata-se de saber se um filho adotivo pode demandar o reconhecimento de sua filiação junto ao pai biológico e qual o reflexo do resultado favorável dessa demanda sobre a adoção.
O embargante alega ser filho adulterino do agora de cujus Arlindo J.B., que nunca o reconheceu, tendo sido entregue para adoção por sua mãe, fato ocorrido em 08 de agosto de 1984, quando contava 8 anos de idade. Foi adotado, na modalidade plena, pelo casal Ivo L. e Alzira B.L.
A sentença julgou procedente o pedido, declarando o investigado pai do autor.
Em resposta a embargos declaratórios (fl. 173), o magistrado afirmou:
“A existência de registro não obstaculiza a pretensão investigatória, restrita à emissão de provimento declaratório. A desconstituição do registro anterior deverá ser objeto de ação autônoma, em Vara competente para apreciá-la, já que o vínculo deriva da adoção, observando-se que na presente os pais adotivos não foram citados. Diante disso, acolho os embargos declaratórios, para rejeitar as preliminares argüidas pelos demandados e, no mérito, apenas para declarar que o falecido Arlindo J. B. é o pai biológico do autor Alexandre B.L.” (GRIFO MEU).
Ao acolher os aclaratórios, portanto, o magistrado restringiu a decisão apenas à declaração de paternidade biológica, retirando a determinação que dera na sentença para que houvesse a alteração do registro civil do autor.
Interposto recurso pelos sucessores do investigado, a eg. 8ª C. Cível, por maioria, reformou a sentença, julgando extinto o feito, diante da impossibilidade jurídica do pedido, em aresto que teve a seguinte ementa:
“APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ILEGITIMIDADE DA VIÚVA PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO. AUTOR DE AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE QUE FOI ADOTADO EM ADOÇÃO PLENA, REALIZADA SOB A ÉGIDE DO ANTIGO CÓDIGO DE MENORES. ADOÇÃO IRREVOGÁVEL, SENDO O PEDIDO INVESTIGATÓRIO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL, PORQUE SUA IDENTIDADE JÁ FOI PLENAMENTE DEFINIDA PELA ADOÇÃO PERFEITA E ACABADA, QUE ESTABELECEU A FILIAÇÃO E PARENTESCO IRREVOGÁVEIS, CONFORME PRECEDENTE DO QUARTO GRUPO DE CÂMARAS CÍVEIS DESTA CORTE. RECURSO AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO, JULGANDO-SE EXTINTA A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE, ANTE A IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. VOTO VENCIDO.”
(Apelação Cível Nº 70009488560, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alfredo Guilherme Englert, Julgado em 10/03/2005).
Restou vencido o em. Des. Antonio Carlos Stangler Pereira, que mantinha a sentença, sustentando, a possibilidade de declarar a paternidade biológica sem desfazimento do vínculo parental gerado pela adoção, ressaltando tratar-se de adoção anterior ao Estatuto de Criança e do Adolescente. Advieram, então, os presentes embargos, interpostos pelo investigante.
Esta, sinteticamente, é a situação fática.
A questão aqui em debate não é inédita neste Tribunal. Há um conhecido e já antigo precedente, julgado pela 8ª C. Cível (AC 595 118 787), em 09 de novembro de 1995, sendo relator o então Des. Eliseu Gomes Torres. Naquele acórdão, restou afirmada, inicialmente por unanimidade, a seguinte tese:
“FILHA ADOTIVA. INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE. POSSIBILIDADE. Os deveres erigidos em garantia constitucional à criança e o adolescente, na Carta de 1988, em seu art. 227, se sobrepõem, às regras formais de qualquer natureza e não podem ser relegados a um plano secundário, apenas por amor à suposta intangibilidade do instituto da adoção. Opor à justa pretensão da menor adotada em ver reconhecida a paternidade biológica, os embaraços expostos na sentença, é o mesmo que entender que alguém, registrado em nome de um casal, seja impedido de investigar sua verdadeira paternidade, porque a filiação é tanto ou mais irrevogável do que a adoção. No entanto, a todo o momento, deparamos com pessoas registradas como filhos de terceiro, que obtém o reconhecimento da verdadeira paternidade e têm, por conseqüência, anulado o registro anterior. Sentença cassada, para que outra seja proferida enfrentando o mérito da causa.”
Sobrevindo embargos declaratórios (ED 595195116), surgiu a dissidência, pois o Des. Stangler Pereira conferiu-lhes efeito infringente, alterando seu voto na Câmara, por reconhecer contradição, para o fim de manter a sentença que extinguira o processo, afirmando (em posição diversa da adotada neste feito) a impossibilidade de investigar a paternidade biológica por parte do filho adotivo, diante da inviabilidade de desfazer-se a adoção. A maioria, entretanto, acolheu em parte os declaratórios, apenas para o fim de melhor explicitar os fundamentos da decisão, deixando claro o entendimento no sentido de que a investigatória poderia prosseguir, sem que, no entanto, fosse desfeito o vínculo criado pela adoção.
Diante do julgamento majoritário, foram interpostos embargos infringentes (EI 596037044). Apreciando-os, em julgamento realizado no dia 13 de setembro de 1996, este 4º Grupo Cível, em composição inteiramente diversa (o único julgador que hoje também participa deste julgamento é o em. Des. Antonio Carlos Stangler Pereira), manteve, também por maioria (4 votos a 2), a decisão da 8ª Câmara Cível, afirmando que:
“INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. FILHO ADOTIVO. POSSIBILIDADE JURÍDICA. O filho de mãe solteira, adotado na modalidade simples do antigo Código de Menores, presente que a nova ordem constitucional tornou todas as formas de adoção irrevogáveis, não precisa desconstituir a adoção, para investigar sua paternidade. Se não tinha pai conhecido por ocasião da adoção, nada impede que busque saber quem ele é, sem prejuízo do vínculo civil. Inteligência dos arts. 27 e 41, do ECA, e do art. 378, do Código Civil, sob inspiração do princípio da proteção integral da criança. Embargos Infringentes rejeitados.”
Dessa decisão, resultou a interposição de Recurso Especial (RE nº 127.541-RS), julgado em 10 de abril de 2000 pela 3ª Turma do STJ, sendo relator o em. Min. Eduardo Ribeiro, no qual ficou assentado que:
“Adoção. Investigação de paternidade. Possibilidade. Admitir-se o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração ao disposto no artigo 48 da Lei 8.069/90. A adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídicos com pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais. Possibilidade de existir, ainda, respeitável necessidade psicológica de se conhecer os verdadeiros pais.
Inexistência, em nosso direito, de norma proibitiva, prevalecendo o disposto no artigo 27 do ECA.”
Como se vê, o tema, não é novo. Entretanto, continua sem uma solução satisfatória. Por sinal, ao ensejo do julgamento dos aclaratórios suso mencionados (ED 595195116), o em. então Des. Sérgio Gischow Pereira já assinalava que:
“O assunto, sem dúvida alguma, é complexo. Nesse particular, não me ocorre precedente jurisprudencial. Até a doutrina, na verdade, é muito hesitante a respeito do assunto, tanto que referi, no acórdão embargado, lição de Antonio Chaves a respeito do assunto em que ele cita opiniões diferentes dos autores a respeito do assunto.”
Decorridos dez anos, o quadro doutrinário e jurisprudencial não é diferente. Podemos, entretanto, reconhecer que alguma vantagem desfrutamos hoje. Decorre ela justamente das luzes que foram lançadas ao ensejo daqueles julgamentos, nas quatro decisões que se seguiram (apelação, embargos de declaração, embargos infringentes e recurso especial) e da produção doutrinária mais recente.
Merece realce o fato de que o caso em exame tem uma semelhança e uma diferença em relação àquele precedente. A semelhança decorre do fato de que ambas as adoções foram realizadas na vigência da Lei 6.697/79 (Código de Menores). A diferença está em que naquele precedente tratava-se da antiga adoção simples, realizada por escritura pública, em que o adotado preservava vínculos com a família de origem. Aqui se trata de adoção plena, consumada mediante sentença.
Impõe-se, neste momento, delimitar o âmbito da controvérsia. É que não está em jogo aqui a possibilidade ou não de desconstituir a adoção. Isso porque, conforme frisei acima, ao decidir os embargos declaratórios o em. magistrado deixou claro que a decisão se limitava à declaração de paternidade, pois “a desconstituição do registro anterior deverá ser objeto de ação autônoma” (fl. 173).
Logo, a controvérsia que nos cabe dirimir aqui diz respeito, em concreto, exclusivamente à possibilidade de o filho adotivo obter uma mera declaração de sua origem genética, mantendo incólume o vínculo de adoção.
Em pioneiro estudo sobre o tema, na doutrina nacional, Paulo Luiz Netto Lôbo traça a distinção que atualmente se impõe entre o direito ao estado de filiação e direito ao conhecimento da origem genética. Pela riqueza da exposição, vale transcrever expressivo excerto desse trabalho:
“12. Direito à origem genética como direito da personalidade, sem vínculo com o estado de filiação
O estado de filiação, que decorre da estabilidade dos laços afetivos construídos no cotidiano de pai e filho, constitui fundamento essencial da atribuição de paternidade ou maternidade. Nada tem a ver com o direito de cada pessoa ao conhecimento de sua origem genética. São duas situações distintas, tendo a primeira natureza de direito de família e a segunda de direito da personalidade. As normas de regência e os efeitos jurídicos não se confundem nem se interpenetram.
Para garantir a tutela do direito da personalidade não há necessidade de investigar a paternidade. O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da própria vida.
Não há necessidade de se atribuir a paternidade a alguém para se ter o direito da personalidade de conhecer, por exemplo, os ascendentes biológicos paternos do que foi gerado por dador anônimo de sêmen, ou do que foi adotado, ou do que foi concebido por inseminação artificial heteróloga. São exemplos como esses que demonstram o equivoco em que laboram decisões que confundem investigação da paternidade com direito à origem genética.
Em contrapartida, toda pessoa humana tem direito inalienável ao estado de filiação, quando não o tenha. Apenas nessa hipótese, a origem biológica desempenha papel relevante no campo do direito de família, como fundamento do reconhecimento da paternidade ou da maternidade, cujos laços não se tenham constituído de outro modo (adoção, inseminação artificial heteróloga ou posse de estado). É inadmissível que sirva de base para vindicar novo estado de filiação, contrariando o já existente.
Como já tivemos oportunidade de afirmar alhures, a evolução do direito conduz à distinção, que já se impõe, entre pai e genitor ou procriador. Pai é o que cria. Genitor é o que gera. Esses conceitos estiveram reunidos, enquanto houve primazia da função biológica da família.
Ao ser humano, concebido fora da comunhão familiar dos pais socioafetivos, e que já desfruta do estado de filiação, deve ser assegurado o conhecimento de sua origem genética, ou da própria ascendência, como direito geral da personalidade, como decidiu o Tribunal Constitucional alemão em 1997, mas sem relação de parentesco ou efeitos de direito de família tout court.
Nesse sentido, dispõe a lei francesa nº 2002-93, de 22 de janeiro de 2002, sobre o acesso às origens das pessoas adotadas e dos “pupilos do Estado” (filhos de pais desconhecidos ou que perderam o poder familiar, enquanto aguardam inserção em família substituta).
A lei francesa tem por fito a necessidade das informações sobre a sanidade, identidade e as condições genéticas básicas, no interesse dos menores, para que possam utilizá-los, principalmente quando adquirirem a maioridade, ou de seus descendentes, para fins de saúde pública e dos próprios, sem qualquer finalidade de parentesco legal.
O Direito espanhol, ao admitir excepcionalmente a revelação da identidade do doador do material fecundante, expressamente exclui qualquer tipo de direito alimentar ou sucessório entre o indivíduo concebido e o genitor biológico.
Toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, de vindicar sua origem biológica para que, identificando seus ascendentes genéticos, possa adotar medidas preventivas para preservação da saúde e, a fortiori, da vida.
Esse direito é individual, personalíssimo, não dependendo de ser inserido em relação de família para ser tutelado ou protegido. Uma coisa é vindicar a origem genética, outra a investigação da paternidade. A paternidade deriva do estado de filiação, independentemente da origem (biológica ou não).
O avanço da biotecnologia permite, por exemplo, a inseminação artificial heteróloga, autorizada pelo marido (art. 1.597, V, do Código Civil), o que reforça a tese de não depender a filiação da relação genética do filho e do pai.
Nesse caso, o filho pode vindicar os dados genéticos de dador anônimo de sêmen que constem dos arquivos da instituição que o armazenou, para fins de direito da personalidade, mas não poderá fazê-lo com escopo de atribuição de paternidade. Conseqüentemente, é inadequado o uso da ação de investigação de paternidade, para tal fim.
Os desenvolvimentos científicos, que tendem a um grau elevadíssimo de certeza da origem genética, pouco contribuem para clarear a relação entre pais e filho, pois a imputação da paternidade biológica não determina a paternidade jurídica. O biodireito depara-se com as conseqüências da dação anônima de sêmen humano ou de material genético feminino.
Nenhuma legislação até agora editada, nenhuma conclusão da bioética, apontam para atribuir a paternidade aos que fazem dação anônima de sêmen aos chamados bancos de sêmen de instituições especializadas ou hospitalares. Em suma, a identidade genética não se confunde com a identidade da filiação, tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo.
O Supremo Tribunal Federal firmou orientação polêmica, fundada sobretudo no princípio da dignidade da pessoa humana, garantindo ao réu o direito de recusa ao exame de DNA, mas negando ao outro o direito de conhecer sua origem genética. A ementa do acórdão, no HC-71.373-RS (DJ de 22.11.96), sendo relator o Ministro Marco Aurélio, expressa bem esse entendimento:
“INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – EXAME DE DNA – CONDUÇÃO DO RÉU “DEBAIXO DE VARA”. Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas – preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer – provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, “debaixo de vara”, para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos.”
Já o Superior Tribunal de Justiça orientou-se em sentido contrário. A Quarta Turma do Tribunal, por unanimidade, sendo relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, no Recurso Especial nº 140.665-MG (DJ de 03.11.98), decidiu que “na fase atual da evolução do Direto de Família, não se justifica inacolher a produção de prova genética pelo DNA, que a Ciência tem proclamado idônea e eficaz”, em caso envolvendo reconhecimento judicial de paternidade.
A divergência jurisprudencial reflete a confusão que se faz entre direito da personalidade, inerente e inato à pessoa, em seu âmbito individual e personalíssimo, e o reconhecimento ou contestação do estado de filiação, que pode ou não ter origem biológica. O STF fundamentou-se em garantias constitucionais do indivíduo (princípios e direitos da personalidade), para imunizá-lo do exame de DNA, determinado por ordem judicial.
Porém, seria lesivo à dignidade da pessoa humana e invasivo da intimidade, submeter alguém ao exame, extraindo-lhe uma gota de sangue, um cabelo ou um fragmento de unha? A orientação do STF é correta quanto ao impedimento que provoca da utilização equivocada da origem genética para negar o estado de filiação já constituído.
Todavia, seu amplo alcance pode comprometer o conhecimento da origem genética com intuito exclusivo de tutela do direito da personalidade do interessado, fundado no mesmo princípio da dignidade da pessoa humana, ainda que não produza efeitos de negar o estado de filiação de origem não biológica comprovadamente constituído na convivência familiar duradoura.
Se houver colisão de direitos, com base no mesmo princípio constitucional, os critérios hermenêuticos do balanceamento ou ponderação dos interesses não recomendam que um seja previamente sacrificado em benefício do outro. Em tese, negar o direito ao conhecimento da origem genética é tão lesivo ao princípio da dignidade da pessoa humana quanto a submissão compulsória a exame. Apenas o caso concreto indicará quando um deverá prevalecer sobre o outro.”
Com efeito, no atual estágio evolutivo do direito brasileiro, resulta evidente a diferenciação traçada pelo ilustre doutrinador entre “o direito da personalidade, inerente e inato à pessoa, em seu âmbito individual e personalíssimo, e o reconhecimento ou contestação do estado de filiação, que pode ou não ter origem biológica”. O primeiro tem assento constitucional, no resguardo ao direito à vida, e não visa necessariamente criar o vínculo jurídico de filiação. O segundo fundamenta-se no Direito de Família e tem por escopo estabelecer o vínculo de parentesco, do qual decorrerão os direitos correlatos.
Nessa perspectiva – embora enfatizando a irrevogabilidade da adoção, sobretudo quando realizada já sob a égide do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou ainda na vigência da legislação menorista anterior, mas sob a modalidade plena – tenho que não pode ser sonegado ao filho adotivo o direito ao conhecimento de sua origem genética. Nesta senda, aliás, foi que se orientou o Eg. Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, no julgamento supra referido (Resp. nº 127.541-RS) onde restou consignado, na ementa, pelo em. relator, o Min. Eduardo Ribeiro:
“Adoção. Investigação de Paternidade. Possibilidade.
Admitir-se o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração ao disposto no art. 48 da Lei 8.069/90. A adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídicos com pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais. Possibilidade de existir, ainda, respeitável necessidade biológica de se conhecer os verdadeiros pais. Inexistência em nosso direito, de norma proibitiva, prevalecendo o disposto no art. 27 do ECA.”
É certo que o direito de personalidade ao conhecimento da origem genética poderá encontrar sério óbice na jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal ao ensejo do julgamento do HC-71.373-RS (DJ de 22.11.96), sendo relator o Ministro Marco Aurélio (cuja ementa acima consta transcrita), que decidiu pela inviabilidade de impor ao investigado a realização do exame de DNA, por ofender tal determinação princípios fundamentais como a “preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer”. Teríamos, nesse caso, típica colisão de princípios.
De um lado, os que garantem ao investigado seu direito à intangibilidade corporal, como frisado. De outro, o direito de personalidade do investigante ao conhecimento de sua origem genética, que, por certo, jamais poderá ser efetivamente satisfeito se a eventual procedência de seu pleito resultar do sistema de presunções estabelecido agora pelos arts. 231 e 232 do Código Civil, como pela Súmula 331 do STJ, pois somente a perícia de DNA é apta a definir, de forma real, a verdade genética. A solução hermenêutica se imporia pela ponderação de princípios. Como salienta Maria Celina Bodin de Moraes:
“(…) abusa de seu direito aquele que exercitando um determinado direito subjetivo, embora sem contrariar qualquer específico dever normativo, afasta-se do interesse (rectius, valor) que constitui a razão de ser de sua tutela legislativa.55 Desta forma, o exercício de um direito não encontra apenas limites estabelecidos por deveres ou proibições legislativamente impostos mas, principalmente, os limites impostos pelos valores que têm na Constituição a sua referência normativa.
O abuso ocorre, pois, especialmente, quando o exercício do direito, anti-social, compromete o gozo dos direitos de terceiros, gerando objetiva desproporção, do ponto de vista valorativo, entre a utilidade do exercício do direito por parte de seu titular e as conseqüências que outros têm que suportar.
Não se duvida que a incolumidade física abranja o direito de recusa a submeter-se a tratamento médico ou exame de qualquer espécie, sem o consentimento expresso de seu titular, não podendo o indivíduo ser compelido a realizá-los.
O direito à integridade física configura verdadeiro direito subjetivo da personalidade, garantido constitucional-mente, cujo exercício, no entanto, se toma abusivo se servir de escusa para eximir a comprovação, acima de qualquer dúvida, de vínculo genético, a fundamentar adequadamente as responsabilidades decorrentes da relação de paternidade.
A perícia compulsória se, em princípio, repugna àqueles que, com razão, vêem o corpo humano como bem jurídico intangível e inviolável, parece ser providência necessária e legítima, a ser adotada pelo juiz quando tem por objetivo impedir que o exercício contrário à finalidade de sua tutela prejudique, como ocorre no caso do reconhecimento do estado de filiação, direito de terceiro correspondente à dignidade de pessoa em desenvolvimento, interesse este que é, a um só tempo, público e individual.
Aos que temem a instauração de precedente, a ser evitado a qualquer custo, pode se opor a consideração de que, na nossa ordem constitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana estabelece sempre os limites intransponíveis, para além dos quais há apenas ilicitude.”
Não tenho dúvida em afirmar, nessa linha, que, ponderados os princípios, não há motivação possível para a negativa do investigado em se submeter à perícia genética, e que, se ela vier a ocorrer, plenamente justificável sua condução coercitiva para tal fim, com o quê se resguardaria o valor maior assegurado pela ordem jurídica, diretamente vinculado à dignidade da pessoa humana daquele que busca o conhecimento de suas origens.
Não é o que aqui se encontra em jogo, entretanto, pois, como se vê nas fls. 132/136, foi realizado o exame pericial de DNA, que apontou índice positivo de 99,82% em favor da paternidade alegada.
Poder-se-ia contrapor que não é possível, no caso ação declaratória de origem genética, pois, conforme o art. 4º, inc. I, do CPC, somente é viável obter declaração de “relação jurídica”, jamais de mero fato. Com efeito, essa é a interpretação corrente na doutrina e na jurisprudência. Entretanto, cabe indagar: ao se reconhecer a origem genética de alguém estar-se-á declarando mero fato? Essa questão remete-nos à noção de “relação jurídica” que, sinteticamente pode ser definida como “relação entre pessoas, ou entre pessoa e coisa, regulada pelo direito”.
Ou seja, no conceito de relação jurídica está sempre contida a noção de bipolaridade, pois não há relação jurídica de alguém consigo mesmo. E, além da existência de dois pólos (pessoa-pessoa ou pessoa-coisa) devem daí advir conseqüências previstas no ordenamento jurídico. É o que ensina Pontes de Miranda, quando afirma que “relação jurídica básica é o resultado da juridicização de relação inter-humana”.
Ora, é certo que a relação de adoção rompe quase todos os vínculos com a família consangüínea. É o que dispõe o art. 1.626 do Código Civil, que, entretanto, excepciona a preservação dos impedimentos matrimoniais. Tem-se aí, portanto, a configuração de uma relação jurídica obstativa, suficiente para oportunizar o ajuizamento de uma ação declaratória de origem genética.
Postas tais premissas, estou em prover estes infringentes para fazer prevalecer o voto vencido, que, na linha dos precedentes invocados, manteve a sentença, admitindo a mera declaração da origem genética sem desconstituição da adoção.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES –
Rogo vênia ao Des. Luiz Felipe, mas desacolho.
Estou confirmando a bem lançada decisão na apelação cível nº 70009488560, da 8ª Câmara Cível da relatoria do Des. ALFREDO GUILHERME ENGLERT, tomando como suporte também as doutas razões postas no parecer do Ministério Público.
Tenho entendimento firmado sobre este tema: a adoção é um ato jurídico perfeito e acabado, e estamos diante de uma situação jurídica plenamente consolidada e, por essa razão, descabido se revela o pleito investigatório.
O caso sub judice focaliza o pedido de ALEXANDRE B. L., filho de IEDA M. de O., que aos 8 anos de idade foi adotado pelo casal IVO L. e ALZIRA B. L., mas que hoje conta 29 anos e busca ver reconhecida a sua paternidade.
Diante da singularidade da situação trazida, penso ser imperioso fazer algumas considerações com relação ao tema proposto, valendo lembrar, de forma bem objetiva, que tanto a preexistência do vínculo de adoção, como o lapso de tempo já decorrido tornam inviável a investigação de paternidade.
Isto é, já existe a paternidade definida no plano jurídico e, mesmo que isso por si só não impedisse a investigação, já teria fluído, há longo tempo, o prazo decadencial.
Existem, pois, três instâncias admitidas para definição da paternidade, que são: a verdade registral, a verdade socioafetiva e a verdade biológica.
Tem sido dada hoje muita ênfase à questão da verdade biológica – e aí reside o suporte dado pelo autor desta lide – mas também, paradoxalmente, vem causando verdadeiro entusiasmo a valoração da paternidade socioafetiva, admitindo-se ambas para agasalhar de forma satisfatória a paternidade registral.
Primeiramente, lembro que o Direito de Família é dinâmico e a linha de entendimento, hoje majoritária nesta Corte, valoriza claramente a verdade socioafetiva, havendo inúmeros julgados chancelando aquilo que há muitos anos se convencionou chamar de “adoção à brasileira”.
Não raro esse vínculo socioafetivo é tido como preponderante, quando posta em cheque a questão paternidade registral frente a existência de um possível liame meramente biológico.
No caso em tela, mais do que o liame socioafetivo estabelecido entre adotante e adotado, houve o fato jurídico da adoção formalizada, definindo de forma plena a relação parental, constituindo-se em ato jurídico perfeito e acabado. Imutável, portanto.
Dessa forma, se o autor já tem paternidade definida no plano jurídico, descabe pedir a declaração da paternidade biológica, mormente quando dessa declaração não sobrevier qualquer efeito jurídico.
A ação declaratória visa declarar a existência de uma relação jurídica e não a existência de um fato biológico, e não é possível que uma pessoa tenha dois pais reconhecidos pelo direito, um biológico e outro adotivo. O pai, no plano jurídico, é aquele que o registro público indica como tal.
De outro lado, embora o ECA diga ser imprescritível a busca da verdade biológica, essa busca se subordina à intercorrência de prazos decadenciais, porque o vínculo parental é o vínculo primordial, fundamental para qualquer pessoa, e diz com o próprio direito da personalidade, não podendo estar sujeito a variações ou transformações, que podem até comprometer mais de uma geração.
Assim, conquanto se valorize o vínculo biológico, como a primeira instância determinante da paternidade, em vista da relação causal do nascimento, não se pode deixar de maneira extremamente flexível o exercício das ações onde sejam reclamados ou negados os vínculos de paternidade, sem qualquer limite temporal. É que a situação das pessoas tende a se consolidar no plano social com o estabelecimento de vínculos socioafetivos, que não raro são levados ao registro público, estabelecendo uma verdade jurídica (registral). Ou seja, no plano social e também afetivo se estabelecem vínculos, espelhando uma realidade que o direito não pode ignorar e, mais do que isso, termina por reconhecer na forma registral.
Como a paternidade, mais do que um fato meramente biológico, é um fato social, torna-se despropositado questionar o liame de consangüinidade quando já se encontra presente um liame afetivo e social já consolidado no registro público.
É essa a razão pela qual tenho admitido a existência – e a necessidade – de serem mantidos os prazos decadenciais.
Imagine-se, pois, para exemplificar, a situação de uma pessoa na faixa etária do autor dessa ação, entre 40 e 50 anos, casado com filhos – e, quem sabe, netos também – com uma vida pública marcante (como juiz, promotor, advogado, deputado, professor, jornalista) e, quem sabe, com obras publicadas.
Se o seu pai registral resolver negar a sua paternidade, descobrindo a inexistência do liame biológico e, por via de conseqüência, pretender desconstituir o registro, estará instalada uma situação de profundo constrangimento, com repercussão ampla nos nomes dos seus filhos e netos, no seu trabalho e nas sua obras, pois seu nome sofrerá também alteração compulsória.
Assim, tenho que a busca da desconstituição do vínculo de paternidade seja pelo pai, seja pelo filho, deve se sujeitar a prazos decadenciais, em nome da segurança e da estabilidade nas relações jurídicas. É preciso que fique bem claro: há grande diferença entre buscar a desconstituição de um vínculo parental e o reconhecimento do liame de paternidade.
Somente é possível buscar o reconhecimento da paternidade quando este vínculo ainda não está definido; se estiver definido, a desconstituição dessa relação jurídica deve se submeter a prazos decadenciais; se o pai for ignorado, a busca desse liame não se sujeita a qualquer limite temporal, não havendo prazo prescricional.
E no caso em tela, mais do que o mero vínculo socioafetivo, mais do que uma mera verdade registral, está definida uma verdade jurídica inconteste pois o apelante já tem pai reconhecido como tal, na forma que a lei expressamente prevê.
A adoção constitui vínculo que em tudo se equipara ao liame biológico, sendo vedada, aliás, qualquer designação discriminatória consoante mandamento constitucional.
Estando-se diante de um ato jurídico perfeito e acabado, que foi o estabelecimento da adoção, como forma de definição da paternidade, o pedido afigura-se juridicamente impossível.
Finalmente, lembro que se a ação fosse julgada procedente, reconhecendo-se a paternidade, sem desconstituir o liame jurídico da adoção, tal como propõe o eminente Relator, ainda assim a sentença não produziria qualquer efeito no mundo jurídico, pois não se estaria desconstituindo o vínculo parental.
Qual seria, então, a finalidade dessa ação e qual a eficácia dessa sentença judicial? Ela seria constitutiva ou meramente declaratória? Qual o efeito que produziria no mundo jurídico? Certamente nenhum; não estaria declarando nada e não produziria efeito algum. Serviria apenas para decorar uma parede vazia, fria e desprovida de razão.
Assim, com essas considerações, rogo vênia ao eminente Relator para divergir e confirmar a decisão da douta maioria, lançada na apelação cível nº 70009488560.
DES. ALFREDO GUILHERME ENGLERT (PRESIDENTE) – Desacolho.
DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA –
Eu acolho, na linha do voto que proferi na 8ª Câmara Cível.
DES. JOSÉ S. TRINDADE – Sei serem por demais respeitáveis as posições em sentido contrário, mas filio-me à corrente que entende que, se houve adoção plena, portanto irrevogável, como no caso em exame, o pedido investigatório não pode prosperar.
A identidade do agora embargante aqui está plenamente definida pela adoção perfeita e acabada, que estabeleceu a filiação e o parentesco.
Sem dúvidas que o assunto não é novo na doutrina, já sendo encontrados enfrentamentos jurisprudenciais. No exame da tese fico por aqui, sem penetrar nas questões doutrinárias, filosóficas e psicológicas que foram bastante exteriorizadas pelos doutos deste Grupo, mesmo que tenha presente a delimitação da divergência, ressaltada pelo eminente Desembargador-Relator, que é a busca do embargante em obter uma mera declaração de sua origem genética.
Não foi e não é esta a intenção, a busca, do embargante. Vejamos o que diz o embargante e o que ele busca aqui no Judiciário:
Afirmou que sempre teve ciência da condição de adotado e sempre teve também pleno conhecimento da identidade de seu pai biológico, mas que sempre foi mantido à margem da família biológica, especialmente por ser fruto de relação extraconjugal.
Disse ainda, com todas as letras, clara e escancaradamente: tem direito ao nome de seu pai e de iguais direitos entre filhos havidos ou não do casamento.
Assim, o embargante não está buscando aqui uma mera declaração de sua origem genética, mas tão-só e unicamente os reflexos, as conseqüências deste reconhecimento.
Então, não introduzo no debate a “respeitável necessidade psicológica de o embargante conhecer o verdadeiro pai biológico”, pois ele disse que sempre o conheceu. Nós aqui é que estamos produzindo uma declaração judicial que incidirá sobre o óbvio para o embargante e que, para ele, para seus objetivos firmemente indicados, de nada serve.
Assim, é divorciada da realidade dos autos a afirmação de que não pode ser sonegado ao filho adotivo o direito ao conhecimento de sua origem genética e que há possibilidade de existir ainda respeitável necessidade psicológica de conhecer seu verdadeiro pai.
De outra parte, não consigo vislumbrar a situação, que se revelaria dantesca, de uma pessoa sendo conduzida sob varas, certamente imobilizada com resistência, que poderia até ser agredida com anestesia, e, então, feita a coleta do material necessário para a perícia genética. Não tenho um laivo de dúvida sequer de que isso ofende princípios por demais fundamentais, que até se sobrepõem aos demais.
Estou perfilado ao Ministro Marco Aurélio quando fala no sentido da “preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da execução específica e direta de obrigação de fazer.”
E assim o faço porque, na verdade, para mim, até em tese, mas principalmente aqui nestes autos, não existe colisão de princípios, pois o embargante não busca o seu direito de personalidade a investigar uma mera origem genética. Não encontrei ainda nenhuma busca de pronunciamento judicial nesse sentido. Sempre, porém, desbragadamente, mero, aí sim, mero interesse patrimonial.
Também não consigo ver na excepcionalidade prevista no art. 1.626 do Código Civil a amplitude que se pretende nela identificar.
Assim, nego provimento aos embargos.
SR. PRESIDENTE (DES. ALFREDO GUILHERME ENGLERT) – Embargos Infringentes nº 70011846680, de Passo Fundo – “Desacolheram, vencidos os Desembargadores Luiz Felipe e Stangler Pereira.”
Julgador(a) de 1º Grau: DR. ATILA BARRETO REFOSCO.
ILA.
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