Aula de ensino religioso na rede pública deve ser facultativa, defende Barroso
30 de agosto de 2017, 19h49
O ensino religioso nas escolas públicas deve ser de matrícula facultativa e ter caráter não confessional, sendo vedada a admissão de professores na qualidade de representantes das religiões para ministrar aulas sobre o tema.
Essa foi a tese defendida pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria-Geral da República e relatada por ele que visa conferir interpretação conforme a Constituição Federal a dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e ao acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé (Decreto 7.107/2010).
A PGR questiona a vinculação da disciplina de ensino religioso nas escolas públicas a uma crença específica, além de defender que essas aulas deveriam ter uma perspectiva laica e se voltar para a história e a doutrina das várias religiões. A ação, resumiu Barroso, envolve a harmonização entre as normas constitucionais que preveem a liberdade religiosa, a laicidade do Estado e a oferta de ensino religioso, de um lado, e as normas infraconstitucionais que disciplinam o ensino religioso, de outro.
O ministro seguiu o entendimento da PGR. Para ele, somente o modelo não confessional é compatível com o princípio da laicidade estatal assegurado na Constituição Federal. “Nessa modalidade, a disciplina consiste na exposição neutra e objetiva da prática, história e dimensão social das diferentes religiões, incluindo posições não religiosas”, explicou.
O relator defendeu que também deve ficar proibida a admissão de professores para dar aula como representante de algum credo. “Se um padre fizer um concurso, pode ser professor, mas não na qualidade de padre. O mesmo vale para pastor, rabino e todos os outros”, argumentou.
O magistrado relatou que hoje, no Brasil, estão presentes, em vários estados, as outras duas formas de ensino religioso, diferentes da defendida por ele. “No modelo confessional, uma ou mais confissões são objeto de promoção; no interconfessional, o ensino de valores e práticas religiosas se dá com base em elementos comuns entre credos dominantes na sociedade”, disse.
Para assegurar a facultatividade da disciplina como impõe a lei, defendeu, impõe-se salvaguardas como impedir matrícula automática nas aulas de ensino religioso. “É preciso manifestação de vontade do aluno ou seu representante para que a matrícula seja efetivada. E quem optar por não ir às aulas deve ter assegurada outra atividade no mesmo horário”, sustentou.
Para que isso ocorra, o Ministério da Educação deve definir parâmetros curriculares nacionais para a disciplina, para que possa funcionar como orientação para os sistemas estaduais e municipais, além de garantir de fato a cláusula constitucional da facultatividade do ensino religioso, apontou o ministro.
No início do voto, Barroso ressaltou a importância da religião na sociedade. Ele lembrou diversos pensadores de séculos passados considerados referências até hoje que apostaram na diminuição da influência religiosa nas pessoas, o que não acontece na realidade atual.
A modernidade, segundo ele, trouxe a laicidade do Estado e a separação entre ciência e fé e deslocou a religião para o espaço da vida privada. “A verdade, porém, é que mesmo depois de Copérnico, Galileu e Keller, com a teoria heliocêntrica do cosmos, de Darwin, com a origem das espécies e a seleção natural, e da revolução na física moderna, trazida pela teoria da relatividade, pela mecânica quântica e pela confirmação do bóson de Higgs — “a partícula de Deus” —, o sentimento de religiosidade não arrefeceu. O fato inelutável é que a ascensão das ciências e o avanço tecnológico não deram conta das demandas espirituais da condição humana.”
O julgamento será retomado nesta quinta-feira (30/8). A decisão vale apenas para escolas públicas e não deverá ser seguida pelas instituições privadas de ensino.
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