Aprovação da Súmula 579 do STJ
é desnecessária e preocupante
6 de julho de 2016, 6h31
Os embargos de declaração cabem contra qualquer decisão, conforme o artigo 1.022 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015). Sendo assim, como exceção à singularidade, contra uma mesma decisão podem ser eventualmente interpostos dois recursos diferentes. Pode ocorrer — e frequentemente ocorre — de uma parte embargar de declaração e a outra parte interpor recurso diverso (apelação, recurso extraordinário, recurso especial etc.).
O Superior Tribunal de Justiça exigia, nestes casos, que o recorrente ratificasse o recurso após o julgamento dos embargos de declaração, mesmo que não houvesse modificação da decisão. Esse entendimento, bastante criticado pela doutrina, foi incorporado, em 2010, à Súmula do Tribunal, com a edição do Enunciado 418, cujo teor era o seguinte: “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.
Embora se referisse ao recurso especial, por identidade de razões, tal orientação era aplicada também para outros recursos, a exemplo da apelação, dos embargos infringentes, do recurso ordinário, do recurso extraordinário, do agravo interno etc.
A exigência de ratificação do recurso, sem que tivesse havido alteração da decisão embargada, era perversa com as partes, porquanto o efeito interruptivo dos embargos de declaração existe em benefício dos recorrentes, e não contra eles. O entendimento do STJ deturpava a lógica do sistema, ao criar um ônus não previsto em lei.
O CPC/2015, que é também um código contra a jurisprudência defensiva, alterou sensivelmente essa sistemática. Segundo o parágrafo 5º do artigo 1.024, “se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação”.
Assim, o CPC/2015 dispensa a ratificação do recurso se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior. Ou seja, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.
Diante da nova previsão legislativa, a Súmula 418 do STJ ficou superada. A essa conclusão havia chegado o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), ao aprovar o enunciado 23 (um dos primeiros enunciados do FPPC, de 2013): “Fica superado o enunciado 418 da súmula do STJ após a entrada em vigor do CPC de 2015”.
Nessa linha, na última sexta-feira (1º/7), a Corte Especial do STJ cancelou a Súmula 418. A notícia é excelente, se ficasse por aí.
Indo mais além, contudo, o STJ aprovou nova súmula. A Súmula 579 tem a seguinte redação: “não é necessário ratificar o recurso especial interposto na pendência do julgamento dos embargos de declaração quando inalterado o julgamento anterior”.
Vê-se, assim, que, imbuído das melhores intenções, o STJ não apenas cancelou a súmula que se tornara obsoleta com o advento do novo Código como, para não restar dúvidas, aprovou súmula aparentemente em consonância com a legislação atual. A meu ver, a súmula nova é completamente dispensável.
É que o CPC/2015 já disciplina a matéria suficientemente nos parágrafos 4º e 5º do art. 1.024. Veja-se:
Art. 1.024.
(…)
§ 4o Caso o acolhimento dos embargos de declaração implique modificação da decisão embargada, o embargado que já tiver interposto outro recurso contra a decisão originária tem o direito de complementar ou alterar suas razões, nos exatos limites da modificação, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da intimação da decisão dos embargos de declaração.
§ 5o Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.
A nova Súmula 579 era, portanto, desnecessária. Em segundo lugar e ao que tudo indica, um dos pressupostos para a edição da súmula não está presente. Os enunciados de súmula devem guardar correspondência com a “jurisprudência dominante” do tribunal (art. 926, §1º, CPC/2015). Noutras palavras, a edição de súmula pressupõe a reiterada aplicação de um determinado precedente. Observa-se que o parágrafo 1º do artigo 926 do CPC/2015 faz referência à “jurisprudência dominante” e o parágrafo 2º do mesmo artigo, por sua vez, utiliza a expressão “precedentes que motivaram sua criação”, demonstrando a necessidade de decisões prévias (no plural) para a edição de enunciado de súmula.
A crítica que se faz à famosa “súmula das algemas” (Súmula Vinculante 11), surgida a partir de poucos precedentes e contendo “normas” (responsabilidade dos agentes e anulação do ato) nunca decididas pelo STF[1], é ilustrativa do que se quer dizer aqui.
Além de desnecessária, a Súmula 579 é preocupante. Por fim, uma leitura a contrario sensu da nova súmula (seria algo como: “é necessário ratificar o recurso especial interposto na pendência do julgamento dos embargos de declaração quando alterado o julgamento anterior”) parece indicar que, se os embargos de declaração alterarem a conclusão do julgamento anterior, a parte deverá complementar suas razões, sob pena de inadmissibilidade do recurso. Essa é uma leitura possível. A pior leitura. Mas que não deve ser absolutamente descartada, conhecendo-se a jurisprudência defensiva construída pelos tribunais superiores para impedir o acesso às cortes já no juízo de admissibilidade.
Essa leitura, a meu sentir, é contrária ao regramento trazido pelo CPC/2015, acima referido. O parágrafo 4º do artigo 1.024 do CPC/2015 faz da complementação um direito[2]. Isto gera duas consequências. A primeira é que a complementação não pode ser negada. Se o julgamento dos embargos de declaração implicar a alteração da decisão, a parte que recorreu anteriormente ao seu julgamento tem direito à complementação do recurso então interposto, nos exatos limites da modificação. A preclusão consumativa impede a complementação daquilo que não guarda conexão com o que foi alterado. O princípio da complementaridade autoriza, então, essa adaptação limitada do recurso interposto antes do julgamento dos embargos de declaração.
A segunda é que a ausência de complementação não poderá dar ensejo à inadmissibilidade do recurso. O CPC/2015 qualifica a complementação textualmente como direito; logo, o recorrente não poderá ser punido por não exercê-lo. A avaliação sobre a necessidade de complementação é da parte, e não do órgão jurisdicional. É preciso, então, que, na prática, as partes tenham cuidado no momento do aditamento, minorando os riscos de desprovimento do recurso.
As consequências pela ausência de complementação são transferidas do momento da admissibilidade para o julgamento de mérito do recurso. É da parte o juízo sobre a necessidade de complementação ou não, da mesma maneira que é da parte a escolha sobre a interposição do recurso ou não.
Em resumo. Acertou o STJ ao cancelar a Súmula 418, sobretudo em vista do novo CPC. Contudo, a aprovação, ato contínuo, da súmula 579 era desnecessária, seja porque o regramento do CPC já contempla o objeto da nova súmula, seja ainda porque uma das leituras possível do novo enunciado é contrária aos termos do CPC/2015, o que torna o verbete também por isso preocupante.
*Texto alterado às 11:45 do dia 6/7/2015 para correção de informações.
[1] Nos debates de aprovação da súmula vinculante 11 (DJE 12.11.2008), disponíveis no site do STF, o Ministro Gilmar Mendes afirma: “Na verdade, pelo que percebo, há acréscimos que estão sendo feitos, a questão da responsabilidade e da anulação do ato”. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/SUV_11_12_13__Debates.pdf. Acesso em 01.07.2016.
[2] Defendi essa posição primeiramente em: SILVA, Ticiano Alves e. Os embargos de declaração no novo Código de Processo Civil. Doutrina Selecionada – Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. Lucas Buril de Macedo; Ravi Peixoto; Alexandre Freire (org.) Salvador: Jus Podivm, 2015.
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