Discurso eleitoral

Mais leis, mais penas e mais presídios não diminuirão a criminalidade

Autor

  • Rodrigo Mendes Delgado

    é advogado do Macedo e Delgado Advocacia. Especialista em Ciências Criminais pela Unama (Universidade do Amazonas) em parceria com o sistema de ensino LFG.

    View all posts

23 de dezembro de 2014, 5h59

Há discursos que, infelizmente, nunca saem de moda.

Mais uma época de campanha eleitoral se passou e, com a mesma, “mais do mesmo”. O problema é que este “mais do mesmo” já está desgastado, vencido, enferrujado, apodrecido.

Mais uma vez o discurso do “populismo penal midiático”, feliz expressão cunhada pelo hercúleo jurista pátrio Luiz Flávio Gomes, já deu o que tinha que dar.

O jurista francês Jean Cruet, em sua obra “A vida do Direito e a inutilidade das Leis” fez constar: “Vê-se todos os dias a sociedade reformar a lei, nunca se viu a lei reformar a sociedade[1].

Tempos atrás, ao conversar com um grande amigo e irmão de caminho, foi-me dito pelo mesmo que, quanto mais moralmente retrógrada é uma sociedade, mais a mesma necessita de leis.

Estávamos na ocasião (8.10.2014) falando sobre religião. E ele me fez ver que, ao analisarmos o povo seguidor do cristianismo, verifica-se que, no Antigo Testamento, uma avalanche de leis foi imposta ao povo. E com penas extremamente pesadas e cruéis na visão de alguns. E ele me explicou que, somente com o progresso da consciência e a interiorização de certos conceitos de vida, a pessoa, paulatinamente, vai deixando de necessitar de tantas leis.

Tanto que, quando Jesus Cristo passou pela Terra, resumiu todas as leis em apenas uma: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”.

Jesus Cristo estava com os olhos bem no futuro (um futuro até mais à frente do que o tempo atual), pois, ainda hoje necessitamos de inúmeras leis para pautar nossos comportamentos, prevendo severas punições em caso de transgressão.

E, pensando nisso, obrigo-me a concluir que leis penais realmente são para sociedades incivilizadas e moralmente rebaixadas evolutivamente, porque, quanto mais se adquiri a consciência do que é certo e justo, menos deve a pessoa preocupar-se com regramentos, pois estes já farão parte de sua essência.

Já foi dito que “o grau de civilidade de um povo, mede-se pelo maior ou menor uso que este povo faz do direito penal”.

Portanto, quanto mais se fizer uso do Direito Penal, mais incivilizada será a sociedade usuária do mesmo.

O filósofo Mokiti Okada (conhecido como Meishu-Sama: Senhor da Luz) ensinou:

É a tendência para fazer o mal ou agir desonestamente que deve ser eliminada, pois as pessoas inclinadas à prática de ações corruptas têm preferência por elas. Por exemplo, a essas pessoas parece, por vezes, que ganhar dinheiro por meios desonestos é mais fascinante do que adquiri-lo honestamente. Em tais casos, a natureza Divina ou primária encontra-se num estado enfraquecido, enquanto que a natureza animal ou secundária está fortalecida, o que significa que a alma está num nível baixo. Quando a alma está em plano mais elevado, são incapazes de tais ações[2]. (sem grifos no original)

Como se nota é a essência do homem que o inclina para o mal ou para o bem. Em países mais avançados, como a Suécia (atualmente considerado o melhor país do mundo para se viver), por exemplo, tudo funciona perfeitamente. Lá tudo é feito e pensado para o bem-estar de todos. Isso só é possível para povos que investem em educação. Não qualquer educação, mas uma educação altruísta, que faça nascer em cada pessoa o desejo de auxiliar, desinteressadamente, seu semelhante[3].

Servir o semelhante objetivando algo em troca não é altruísmo. É interesse! Com este pensamento, faz-se da prática do bem uma moeda de troca. Algo incompatível com os mais basilares princípios altruístas.

Começamos a verificar que, talvez, Cesare Lombroso não estivesse tão errado. Cesare Lombroso é considerado o pai da Escola Positiva, que considerava o crime como algo inato a certas pessoas, decorrente de fatores genéticos. Por essa visão, a criminalidade era transmitida geneticamente de pais para filhos. Portanto, filho de criminoso, criminoso seria. A pessoa, filha de delinquente, estaria fadada a levar uma vida de transgressão à lei e sua vaga, por conseguinte, já estaria garantida no sistema penitenciário.

A teoria de Lombroso baseava-se em suas observações como psiquiatra. Lombroso passou a perceber que certas pessoas, portadoras de determinadas patologias psíquicas, possuíam certas características físicas comuns. Tal teoria, com o avanço da ciência, perdeu terreno e hoje está ultrapassada. Será!?

Voltaremos a este assunto em outra oportunidade, tendo em vista a complexidade do mesmo.

A questão é que a maldade, a falta de altruísmo do ser humano não pode ser combatida simplesmente por leis.

A este respeito, Mokiti Okada (Meishu-Sama) disse:

As ameaças e os castigos não são os melhores meios para evitar que o homem pratique maldades. Um alcoólatra provavelmente não deixará de beber apenas porque lhe dizem que o álcool lhe faz mal. Um meio muito melhor é dissolver as máculas do seu corpo espiritual, elevando-o a um nível onde sua Divina natureza possa ser despertada, o que o levará a sentir uma natural repugnância pelo álcool, ou pela maldade, conforme o caso[4]. (sem grifos no original)

Essa a chave, a resposta para uma antiga pergunta dos penalistas e criminólogos: por que o aumento das leis penais e o agravamento das penas não diminuem a criminalidade? Enfim: por que a equação mais crimes, mais penas não funciona? Resposta: porque leis não mudam a essência do homem.

O homem precisa ser ensinado e incentivado a ser bom e altruísta e não obrigado a ser bom, sob pena de responder penalmente por isso.

A resposta, portanto, é tão simples que ninguém se preocupa em procurá-la. Todos querem respostas complexas e que nunca atingem o epicentro do problema.

Quando os políticos erguem a bandeira do endurecimento do Direito Penal em suas plataformas políticas estão, em verdade, dizendo ao povo (no caso nós, brasileiros) o quanto somos incivilizados, brutos e incapazes de enxergar a verdadeira solução do problema. Estão, em verdade, nos chamando de trogloditas, bárbaros, ignorantes e incapazes de nos auto-gerir. Ao fazer com que pensemos assim, os políticos se erigem à categoria de “indispensáveis” e, assim, podem transformar a política em uma carreira profissional[5] que se eterniza no tempo.

Em razão disso, o povo passa a acreditar (em decorrência de uma perigosa ilusão) que precisa cada vez mais do Direito Penal e dos políticos ignorantes, que não conhecem as mais basilares lições de Direito Penal e se aventuram nos discursos mais teratológicos e absurdos que se possa imaginar. E nós, ao ouvirmos nossos parlamentares, lhes aplaudimos, candidamente, por nos chamar de retrógrados, de selvagens indisciplinados. Pensemos nisso antes de aplaudirmos o vetusto e remendado discurso do “endurecimento penal” como forma de “salvar” a humanidade!

Fica claro que aquilo que se vislumbra como a “tábua de salvação” é, em verdade, a “tábua da perdição” da sociedade.

O problema é que a população, perdida e anestesiada com o sofrimento pelo qual passa, acredita, até com certa inocência, que essa é a solução dos problemas.

Penso que políticos verdadeiramente compromissados com o bem-estar da sociedade atacariam a causa da doença e não apenas seus sintomas.

O que falta, em verdade, é educação. É preciso que se bata nesta tecla. Não qualquer educação. Não aquela educação meramente formal que se recebe nas escolas. Mas sim, uma educação integral. Que leve a pessoa a expandir sua consciência e procurar, sozinha, as respostas às suas inquietações.

Mais leis, mais penas e mais presídios não diminuirão a criminalidade. Não a reduziu no passado, quando as penas eram desumanas e cruéis e não a reduzirá agora, época em que, pelo menos em tese, os direitos humanos estão em plena ascensão e as penas cruéis e desumanas são vedadas pelo ordenamento jurídico.

O mais triste é verificarmos que é justamente a maior clientela do Direito Penal, quem aplaude, de pé e com um enorme sorriso no rosto, seu recrudescimento.

É a população, acostumada desde a Roma Antiga, no Coliseu, com o “panem et circensis” (pão e circo) que será alvo do endurecimento do Direito Penal. É como se o condenado aplaudisse e agradecesse ao carrasco que coloca a corda em seu pescoço e ainda puxasse, por si mesmo, a alavanca do cadafalso.

As pessoas aplaudem um discurso aparentemente bem feito, geralmente não escrito por quem o faz, pois falta a este capacidade para tanto, mas não se preocupam com o conteúdo do mesmo. Quando caem em si, assinaram a própria sentença de morte.

Este é o efeito rebote do discurso penal em épocas eleitorais. Aquilo que deveria produzir determinado efeito produz, exatamente, o efeito inverso.

Leis penais em excesso são para sociedades incivilizadas ao excesso.

Ao concluir seu pensamento, Mokiti Okada diz:

Até que a sociedade supere esse baixo nível de consciência, é perigoso ficar sem regulamentos legais e instituições penais. A despeito da forte ação coercitiva das leis reguladoras, existirão muitas pessoas inclinadas a transgredi-las. Entre elas podem ser incluídos homens que ocupam altas funções e que têm responsabilidade social, homens que são vistos como grandes personagens. Posição social e cargos políticos não indicam necessariamente desenvolvimento espiritual.

Abster-se de fazer o mal, apenas pela ameaça das penalidades ou da crítica, não é o bastante. Somente quando o homem atinge um nível em que não sente mais o desejo de fazer o mal, em que não são as leis e regulamentos que o impedem, quando realmente encontrou a alegria de fazer o bem, é que ele desperta para sua verdadeira natureza[6]. (sem grifos no original)

Muito embora não possamos, ainda, dispensar o uso dos “regulamentos legais e instituições penais” é forçoso que se reconheça que o aumento das leis penais, o endurecimento das penas e o aumento das vagas no sistema penitenciário não reduzirão a criminalidade, pois, o que está na essência do homem não pode ser eliminado por leis.


[1] CRUET, Jean. A vida do Direito e a inutilidade das leis. 3.ed. Leme: CL Edijur, 2008.

[2] OKADA, Mokiti (Meishu-Sama). Ensinamentos de Meishu-Sama: Meishu-Sama e o johrei. Coletânea Alicerce do Paraíso. 5.ed. São Paulo: Fundação Mokiti Okada, 2007, p. 31.

[3] “Só tem direito ao Reino dos Céus quem serve desinteressado”.

[4] Idem.

[5] O professor Luiz Flávio Gomes iniciou uma campanha nacional pelo fim do político profissional. Para maiores informações acesse www.fimdopoliticoprofissional.com.br.

[6] Ibidem, p. 31-32.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!