ISS não incide sobre exportação de serviços
31 de julho de 2013, 8h00
No que diz respeito à incidência do ISS, a Constituição Federal não imuniza no seu próprio texto as exportações de serviços ao exterior, mas delega à lei complementar a atribuição de excluir essas atividades da incidência do imposto (artigo 156, inciso III, combinado com o seu parágrafo 3º, inciso II, com a redação dada pela Emenda Constitucional 3, de 17 de março de 1993).
Coube à LC 116/2003 o cumprimento dessa delegação, nos seguintes termos:
"Art. 2º O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviços para o exterior do País;
Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior."
Note-se que a LC 116/2003 não determina o conceito de exportação para fins de definição das atividades que devam estar abrangidas pela regra de não incidência. Ela simplesmente faz referência à situação que não está abrangida por esse conceito, qual seja: serviço desenvolvido no Brasil cujo resultado aqui se verifique.
Logo, para que possa definir os exatos contornos do conceito de exportação de serviços propriamente dito, o aplicador da norma se vê forçado a fazer uma interpretação a contrario senso do que está disposto no artigo 2°, inciso I, parágrafo único, da LC 116/03, acima transcrito.
Assim, adotando-se essa interpretação a contrário senso, tem-se que são considerados exportados e, consequentemente, excluídos da incidência do ISS, os serviços que: i) sejam desenvolvidos no exterior (e, nesse aspecto, o próprio princípio da territorialidade já impediria, por si só, essa incidência); ou ii) sejam desenvolvidos no Brasil, mas o seu resultado se verifique no exterior.
Um outro aspecto que chama a atenção nessa definição é o fato de que não é suficiente para caracterizar exportação de serviço o simples fato de o seu pagamento ser realizado por fonte no exterior. Note-se que essa característica é bastante para o reconhecimento da isenção das contribuições para o PIS/Cofins nas mesmas circunstâncias. E faz todo o sentido que assim o seja. Afinal, o que se pretende com a desoneração tributária das exportações é justamente que haja ingresso de divisas no país. Estranho que justamente esse aspecto seja totalmente desconsiderado no que concerne às regras relativas ao ISS.
Mas, voltando ao cerne da questão (definição do que deva ser entendido como exportação de serviços), vê-se que o ponto fundamental reside em se determinar o que deva ser entendido por "resultado" do serviço.
De fato, conforme expresso na lei, o ISS será devido se o "resultado" se verificar no Brasil. Se ele se verificar no exterior, será aplicável a norma que prevê a não incidência do imposto na exportação de serviços.
O “resultado” do serviço tem, assim, importância fundamental na definição do que deva ser entendido por exportação, mas, apesar disso, tal conceito (o de resultado) não teve os seus contornos definidos pela LC 116/03.
A meu ver, esse conceito está diretamente relacionado com o objetivo pretendido pelo seu tomador ao contratá-lo, que certamente não é a execução do serviço em si, mas o benefício dele decorrente. Logo, o resultado do serviço se verificará no local onde ele produza os efeitos que lhe são próprios.
Assim, se um arquiteto residente no país é contratado por estrangeiros para elaborar projeto de arquitetura relativo a imóvel que venha a ser construído no exterior, esse serviço não estará, a meu ver, sujeito à incidência do imposto, tendo em vista que, apesar de o serviço ter sido aqui desenvolvido, o seu resultado (efeitos por ele produzidos) se dará no exterior.
Compartilham desse entendimento Gabriel Lacerda Troianelli e Juliana Gueiros, que, analisando situação semelhante, destacam a necessidade da identificação do verdadeiro objetivo visado pelo serviço para fins de verificação da incidência, ou não, do ISS : "O ISS e Exportação e Importação de Serviços", publicado no livro ISS – Lei Complementar 116/2003, (organizadores Marcelo Magalhães Peixoto e Ives Gandra da Silva Martins, Juruá Editora, 2004, página 201):
"De substancial importância, portanto, a compreensão do conteúdo do termo resultado, da forma como colocado no parágrafo único do art. 2º da Lei Complementar 116/03. Na acepção semântica, resultado é consequência, efeito, seguimento. Assim, para que haja efetiva exportação do serviço desenvolvido no Brasil, ele não poderá aqui ter consequências ou produzir efeitos. A contrário senso, os efeitos decorrentes dos serviços exportados devem se produzir em qualquer outro país que não o Brasil.
Assim, uma companhia aérea com sede na Alemanha, que mantém rotas aéreas transitando pelo Brasil, pode sofrer danificação em suas aeronaves em território nacional. Nesse caso, ela provavelmente contratará os serviços de técnicos brasileiros para análise e possível conserto de equipamentos. Nesse caso, os serviços têm como resultado imediato o conserto do equipamento, o restabelecimento da rota e o seguimento das atividades normais de empresa localizada no exterior do Brasil. Ou seja, os resultados imediatos do reparo da aeronave terão como beneficiário a empresa alemã, produzindo, portanto, o serviço, seus efeitos na Alemanha.
Pode um leitor menos atento imaginar que também se poderiam considerar como "resultados" da prestação do serviço a saída do avião do território brasileiro e o trânsito sobre os Estados brasileiros antes do retorno da aeronave. Porém, não se pode tratar esses fatos como verdadeiros resultados do serviço prestado, porque não constituem o objetivo da contratação e da prestação."
Portanto, a meu ver (e estou em boa companhia), o conceito de "resultado" do serviço, repito, está diretamente relacionado a um aspecto subjetivo: a intenção do seu tomador ao contratá-lo, o benefício que ele visa ao requerer a prestação do serviço. O resultado do serviço se dará no país em que os efeitos dele decorrentes venham a ser produzidos.
Mas, não foi esse o entendimento que prevaleceu na 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Ao analisar a incidência do ISS sobre o serviço prestado por empresa nacional a tomador estrangeiro, a 1ª Turma considerou o local da sua conclusão como aquele em que se dá o resultado do serviço, criando, assim, precedente que pode gerar distorções relativas à interpretação do disposto no art. 2º da LC 116/2003 (Recurso Especial 831.124-RJ, STJ, Primeira Turma, relator: ,ministro José Delgado, julgado em 8/8/2006, publicado no DJ de 25/9/2006. )
A decisão proferida pelo STJ se fundamenta em parecer do Ministério Público do Rio de Janeiro, para quem a exportação de serviço ocorre exclusivamente nos casos em que o contribuinte desenvolve o serviço em país estrangeiro:
"Como parece ser evidente, não há exportação de serviços, até porque tudo é feito e executado no Brasil. Exportação de serviço ocorre, quando, por exemplo, determinada empresa faz prospecção de petróleo em terras ou águas do exterior, ou uma construtora abre e pavimenta estradas ou ergue uma ponte em país estrangeiro."
Em voto vencido, o ministro Teori Albino Zavascki discorda do parecer do Ministério Público e chama a atenção dos julgadores para o risco de se estar confundindo o resultado da prestação do serviço com a sua conclusão:
"Peço a máxima vênia para discordar quanto à solução do mérito. Estamos falando de exportação de serviço. Só se pode falar de exportação de serviço nos casos em que ele é prestado no Brasil. Quanto a isso não há dúvida. Não se pode falar em exportação de serviço se for prestado no exterior. Exportação de serviço prestado no Brasil para alguém que o contrata de fora, pagando-o aqui ou lá. A lei diz que esses serviços são isentos, a não ser quando o resultado se opera aqui. Se o resultado se opera fora, há isenção. Essa é a questão."
De fato, serviços prestados em território estrangeiro, ainda que por residente no Brasil, não se confundem com serviços exportados. Por esse motivo, fiz a ressalva quanto à aplicação do Princípio da Territorialidade no início deste artigo.
Roque Antonio Carrazza, em parecer intitulado "ISS — Serviços de Reparação de Turbinas de Aeronaves, para Destinatários no Exterior — não incidência — exegese do art. 2º, I e seu parágrafo único, da Lei Complementar nº 116/03" (In Direito Tributário Internacional, Editora Quartier Latin, 2007, páginas 529/530), também é crítico da tributação na referida hipótese examinada pelo STJ. Para ele:
"A nosso sentir — damo-nos pressa em deixar consignado — "serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique" são justamente aqueles que trazem utilidade para o tomador, aqui mesmo, no território nacional. Não há, no caso, exportação e, portanto, os serviços não estão abrangidos pela norma isentiva em análise.
O que estamos procurando significar é que o termo "resultado", inserido no parágrafo único, do art. 2º, da Lei Complementar nº 116/03, há de ser interpretado como sinônimo de "fruído". Assim, no rigor dos princípios, o aludido parágrafo único prescreve:
"Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cuja fruição aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior."
Observamos, de caminho e às rápidas, que não estamos reescrevendo o parágrafo único, do art. 2º, da Lei Complementar nº 116/03, nem o adaptando às nossas conveniências ou idiossincrasias. Estamos, simplesmente, submetendo-o a uma interpretação jurídica, a única que, a nosso ver, rima com o princípio do destino, consagrado em nossa Constituição, para o IPI e o ICMS, e admitido para o ISS.
[…]
Mas, afinal, quando se dá a exportação do serviço?
A nosso ver, sempre que o tomador do serviço, sendo um não residente, satisfizer, no exterior, a necessidade que o levou a contratar o prestador.
Pouco importa, para fins de isenção de ISS, se o serviço foi totalmente prestado no Brasil, se sua prestação aqui apenas se iniciou, ou se foi integralmente executado no exterior. Em qualquer dessas hipóteses não haverá incidência, porque o resultado da prestação se fez sentir no exterior.
Apenas haverá incidência quando uma prestação de serviços avençada entre um nacional e um estrangeiro (pessoa domiciliada ou sediada no exterior), irradie seus efeitos no Brasil.
E isto por uma razão muito simples: é que, neste caso, não terá havido uma operação de exportação de serviço, já que ele terá sido fruído (consumido) – embora por não-residente – em nosso País."
Carrazza é, portanto, mais uma voz no sentido de que o "resultado" do serviço se confunde com a utilidade que ele proporciona para o respectivo tomador, e que, portanto, se a sua fruição se der no exterior, haverá exportação e, consequentemente, não pagamento de ISS.
Na última coluna que publiquei, examinei algumas matérias que o PLS 386 está propondo sejam reguladas de forma diversa. São todas, a meu ver, alterações para pior, muitas relativas a diversos aspectos da incidência do ISS que já teriam sido definidos favoravelmente aos contribuintes pelos tribunais (entre os quais, a tributação das sociedades profissionais e as locações dos bens móveis e imóveis). No final, concluí pela necessidade de que o legislador federal se ativesse, não a questões que representassem retrocesso relativamente ao cenário em que vivemos, mas àquelas que fossem de efetiva importância, como seria o caso da exata conceituação de exportação de serviços.
Reitero, aqui, o mesmo pleito: o de que o legislador complementar regule de forma clara e condizente com as necessidades econômicas do país as condições em que as exportações de serviços devam ser excluídas da tributação do ISS.
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