Segunda Leitura

O sistema judicial na Índia, país misterioso e fascinante

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  • é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

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3 de fevereiro de 2013, 7h00

Spacca
A Índia é um Estado Federal parlamentar, com 28 estados e 7 territórios, 3.29 milhões de km2, uma população ao redor de 1 bilhão e 300 milhões de habitantes, onde se fala, preponderantemente, o hindi e o inglês (mas há dezenas de línguas e dialetos locais), sendo o hinduísmo a religião da maioria (cerca de 70%), havendo um percentual menor de mulçumanos, sikhs, cristãos e budistas.

O sistema judicial da Índia tem forte influência dos britânicos, que com ela mantiveram relações comerciais desde 1600 e dominaram-na por cerca de 89 anos (1858-1947). Por isso, o sistema é o da Common Law, porém com a possibilidade de o Judiciário rever as decisões do Parlamento, como nos Estados Unidos.

O Poder Judiciário estrutura-se através da Suprema Corte, localizada na capital Delhi, 21 Cortes Superiores (High Courts), nas capitais de 21 estados, Cortes Distritais (v.g., Família), Tribunais Administrativos (v.g., taxas) e tribunais para pequenas causas. Nos tribunais sempre se encontra o retrato de Mahatma Gandhi, o libertador. Não existem julgamentos por Tribunal do Júri desde 1959.

A Suprema Corte possui 26 justices (título equivalente ao de ministro). Eles são indicados pelo presidente da República e permanecem no cargo até os 65 anos, quando são aposentados compulsoriamente. A competência da Corte, basicamente, situa-se nos conflitos entre os estados e a União, reconhecimento da inconstitucionalidade de leis nacionais e estaduais e apelações contra decisões das Cortes Superiores, quando o caso envolve questão de grande relevância ou interpretação da Constituição. Ela pode, ainda, avocar processos em tramitação nos demais tribunais.

Os julgamentos da Corte, em geral, são feitos em Turmas de dois ou três juízes. Quando a questão é constitucional, a Turma pode atingir cinco ou mais juízes. O juiz mais antigo é o presidente da Suprema Corte da Índia. A nomeação dos justices é feita dentre membros dos Tribunais Superiores e também, em casos especiais, dentre advogados experientes.

As Cortes Superiores (High Courts) equivalem aos nossos Tribunais de Justiça, julgam as apelações e administram a Justiça de primeira instância no âmbito de sua jurisdição. Abaixo delas existem Cortes Subordinadas, que são as Cortes Distritais (equivalentes a comarcas). As High Courts decidem também recursos oriundos de Tribunais Administrativos, como Tribunal de Taxas, Eletricidade e Reclamações relacionadas com as Estradas de Ferro. Os recursos de apelação são julgados por dois juízes e, em caso de empate, é chamado um terceiro.

Nas Cortes Superiores os juízes também têm o título de Justice e as nomeações são feitas com base nas recomendações de um colegiado, que escolhe entre os juízes recrutados na primeira instância e advogados. A idade para a aposentadoria compulsória é de apenas 62 anos. O presidente da High Court é escolhido pelo presidente da República, que consulta o governador do estado e o presidente da Suprema Corte. Para os demais justices, o presidente da República consulta o presidente da Suprema Corte e o presidente das High Courts da Índia. O presidente da República pode indicar juízes temporários por até 2 anos. Juízes devem ter 10 anos de experiência e podem ser removidos por má conduta ou corrupção. A High Court de Calcuttaé a mais antiga de todas, foi instalada em 1862. A High Court de Rajhasthan possui um expressivo Museu Judiciário.

Osjustices das Cortes Superiores recebem cerca U$ 2.000 por mês. Todavia, têm direito a residência oficial, com dois serviçais, um segurança, carro oficial para uso permanente, com sirene (no tráfico da Índia isto é muito importante) e combustível, não pagam contas de água e luz. Nas dependências das Cortes todos os advogados usam beca e na de Nova Delhi, à porta dos gabinetes dos juízes, um servidor elegantemente vestido, com calça preta, túnica comprida vermelha e um turbante, recebe os que pretendem falar com o juiz. Neste Tribunal, advogados de réus pobres comunicam-se com os presos através de vídeo.

A primeira instância compõe-se de Cortes Distritais (equivalentes a Comarcas), criadas pelo número de casos, população e distribuição no distrito. Elas são presididas por um juiz distrital indicado pelo governador do estado. Além do juiz distrital pode haver juízes auxiliares (Additional District Judges) e juízes assistentes (Assistant District Judges), dependendo da carga de trabalho. As Cortes Distritais julgam as apelações de sentenças das Cortes a ela inferiores (Subordinate Courts) situadas no distrito. Estes tribunais julgam pequenas causas e o modelo assemelha-se ao norte-americano, onde há juízes municipais e do condado. Os julgadores têm o título de magistrados, que no Direito anglo-saxão equivale a um juiz para pequenas causas.

Merece referência a existência do Tribunal Ambiental (National Green Tribunal), instalado em 18 de outubro de 2010, com sede em Nova Delhi mas que julga de forma itinerante em outras capitais. Ele tem competência para julgar casos de danos a recursos naturais, poluição, proteção ao patrimônio cultural e outros semelhantes. Não possui, todavia, jurisdição penal. O Tribunal tem 10 julgadores e 10 experts em áreas diversas (comissioners). O presidente é escolhido entre os membros da High Court, podendo ser um aposentado. Contra suas decisões cabe apelação para a Suprema Corte.

Regra geral, o povo deposita grande confiança no Poder Judiciário, que é, de todos, o mais respeitado. Mas, mesmo assim, existem críticas quanto à sua morosidade e também de entidades ligadas aos direitos humanos, existindo uma campanha para que se crie uma “Comissão Nacional de Justiça”, assemelhada ao nosso Conselho Nacional de Justiça. A conciliação, tal como no Brasil, é muito estimulada e os tribunais possuem comissões, estudos, iniciativas em tal sentido.

No âmbito do Direito material, a maior diferença com o Brasil está no casamento. Ele continua na maioria dos casos, até hoje, sendo uma escolha dos pais. Na Índia casa-se com a família e não apenas com o (a) noivo (a). A aproximação se dá por iniciativa pessoal ou anúncio nos jornais. No jornal Sunday Times de Jaypur, de 13 de janeiro de 2013, um caderno especial (matrimonials) apresenta quatro páginas de propostas e os autores não são econômicos no elogio de suas virtudes (v.g., belo, culto, de boa família). Há anúncios curiosos, como o de segundo casamento, com o alerta de que o primeiro matrimônio não se consumou. Os casamentos se dão entre pessoas da mesma casta, ou seja, classe social. O dote, muito embora proibido por lei, continua a existir na prática. E se o pai não cumpre o prometido, a esposa pode ver-se em maus lençóis, havendo até casos de assassinato por fogo.

Este, em síntese, é o sistema judicial da Índia, país misterioso, fascinante e de contrastes que, com o Brasil e a Rússia, é considerado uma das economias emergentes no mundo.

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