Portugueses rechaçam criação de Defensoria no país
6 de novembro de 2010, 6h28
Um pé na frente, outro atrás. Depende do ponto de vista. A criação da figura do defensor público, bastante aplaudida no Brasil, é tida como um retrocesso em Portugal. O país não tem uma Defensoria Pública e, se depender da advocacia, nunca terá. Uma recente proposta de um partido de oposição, no entanto, reabriu questionamentos sobre o manco sistema de apoio judiciário português e provocou reações firmes da Ordem dos Advogados, a principal militante contra o nascimento da Defensoria.
O artigo 20º da Constituição da República de Portugal garante o patrocínio judiciário a todos os cidadãos. Até dois anos atrás, mais ou menos, um sistema não centralizado de nomeação de advogados dativos, chamados de defensores oficiosos pelos portugueses, tentava garantir assistência jurídica àqueles que não podem pagar por um advogado particular. Em 2003, foi assinado um protocolo entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados (OA) de Portugal para criar o Instituto de Acesso ao Direito. Em 2008, o instituto passou a funcionar como um braço da Ordem.
Hoje, é ele que controla a assistência judiciária. Quando uma das partes num processo não pode pagar pelo seu defensor, o juiz comunica à OA, que escolhe e nomeia o defensor oficioso de uma lista de advogados interessados na função. O serviço é prestado e o governo paga o profissional.
De acordo com dados do Ministério da Justiça português, foram gastos quase 85 milhões de euros (aproximadamente R$ 201,2 milhões) em 2009, dos quais 50 milhões (R$ 118 milhões) foram destinados ao pagamento dos defensores nomeados. Até 15 de setembro deste ano, o governo tinha gastado outros 43 milhões de euros (R$ 102 milhões), dos quais quase 33 (R$ 78 milhões) para os advogados.
Tudo muito bonito na teoria, mas um tanto quanto enrugado na prática. O atraso nos pagamentos é bastante frequente, assim como também são as críticas de que só advogados recém-formados – e, portanto, pouco experientes – se interessam pela tarefa de defensor dativo. No mês passado, mais outro entrave chegou para ameaçar o sistema de apoio judiciário gerido pela Ordem.
Em outubro, a imprensa portuguesa desenterrou um diagnóstico de agosto de 2009, com dados desatualizados, sobre o funcionamento do sistema de apoio judiciário e publicou uma reportagem apontando irregularidades no pagamento. De acordo com jornais de Portugal, o governo não tinha controle sobre o que pagava e, muitas vezes, o serviço sequer era prestado.
Na mesma época, um partido político português resolveu sugerir, como proposta de revisão constitucional, a criação da Defensoria Pública. A ideia é montar em Portugal estrutura semelhante à que existe no Brasil. A proposta partiu do Bloco de Esquerda, com representação pequena no Parlamento português e, portanto, quase fadada ao fracasso. Ainda assim, uma anunciada mudança no sistema de apoio judiciário por parte do governo está deixando a advocacia portuguesa de cabelos em pé. Ainda mais porque o governo não dá detalhes do que pretende mudar.
A Ordem dos Advogados defende o atual sistema com unhas e dentes. O presidente, bastonário Marinho e Pinto, argumenta que só num sistema como o atual é garantida a independência dos defensores. Ele une a sua voz à dos advogados que trabalham como defensores oficiosos. Para eles, criar uma Defensoria Pública, com carreira, hierarquia e orçamento próprios, é tolher a independência e o compromisso do advogado, que se tornaria um funcionário do Estado.
Do lado dos que defendem a criação da Defensoria, pouco é dito. Sabe-se que vozes na Magistratura, ainda que tímidas, apoiam a ideia. Em maio, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça português, Noronha de Nascimento, defendeu a criação do órgão.
O Ministério da Justiça de Portugal, questionado pela revista Consultor Jurídico sobre a eventual criação da Defensoria Pública portuguesa, preferiu não se manifestar por enquanto.
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