Dolorosa realidade

O Corão, a Sharia e os direitos das mulheres

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  • é professora de Política e diretora do “Center for the Study of Culture Race and Ethnicity” Ithaca College autora de “Believing women” in Islam: unreading patriarcal interpretations of the Qu’ran ( University of Texas Press 2002)

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9 de novembro de 2009, 6h35

É uma honra compartilhar este painel com estudiosos do direito tão destacados, principalmente Ziba Mir-Hosseini e Abdullahi An-Naim, cujo trabalho influenciou tanto minha própria visão da Sharia e da fiqh. Por essa razão, hesitei em falar nesta conferência, pois, como lembrei a Shaheen Sardar Ali, não sou “praticante” do direito. Ela me garantiu que sabe o que faço e me convidou para fazer isso hoje, de forma que aqui estou, para falar sobre o Corão, que é minha área de trabalho e de interesse.

Até este momento, meu envolvimento com ele esteve relacionado a sua leitura como texto antipatriarcal, através de um método derivado dele próprio.[1] Embora tenha encontrado algum eco nos últimos anos, essa leitura também foi alvo de críticas por parte de quem se poderia considerar como aliado na luta pelos direitos das mulheres muçulmanas. Sua convicção de que não se podem garantir esses direitos dentro da estrutura patriarcal dos ensinamentos do Corão me leva a reafirmar e esclarecer o valor de uma hermenêutica corânica libertadora para esse exercício, bem como para reimaginar a Sharia. É sobre isso que vou falar, começando com algumas observações sobre o Corão e sua relação com o direito[2].

O Corão e o direito
Quero começar com uma nota biográfica. Cerca de dez anos atrás, quando eu procurava publicar meu livro sobre o Corão, uma editora britânica me disse que isso não despertava muito interesse nesta parte do mundo. Na época, isso me pareceu absurdo, mas agora, vi que é verdade, só que são os muçulmanos que, em sua maioria, não estão interessados em ler o Corão, muito menos em ler a respeito dele. Em todos esses anos, encontrei muito poucos que o leram e menos ainda que tenham lido do início ao fim, e encontrei alguns que faziam afirmações falsas a seu respeito, com um exemplar nas mãos.

Minha própria sensação é de que a maioria dos muçulmanos tem um “conhecimento indireto”[3] do Corão, o que parece ser resultado tanto de falta de instrução quanto de excesso dela. A maioria, que não sabe ler, baseia-se em percepções populares ou de senso comum sobre a religião, e com a expressão “senso comum”, tenho em mente a definição de Antonio Gramsci, de “características difusas e descoordenadas de uma forma genérica de pensamento, comuns a um determinado período e a um ambiente popular específico.”[4]

É por isso que ele considerava o senso comum como “inconsequente, fragmentário, incoerente.”[5] Embora eu não ache que o senso comum careça de importância na formação da visão que as pessoas tem do Islã, acredito que essa visão seja insipiente e inconsistente. Os especialistas podem, com certeza, conhecer o Corão, mas é através dos textos secundários “onde todas as culturas do ‘islã’ exercem sua influência.”[6] Esse textos são tão influentes que acabaram por tomar o lugar do Corão, como disse Fazlur Rahman.[7]

É claro que o conhecimento textual nunca está desprovido de mediação, mas dois ou três graus de alienação do Corão criam todo o tipo de problema, principalmente para reformas legais, já que ele também é fonte do direito muçulmano. Recentemente, a BBC tratou de uma nova lei no Mali que daria às mulheres direitos iguais aos dos homens no casamento, incluindo não ter “que obedecer seus maridos,” e, como acontece com frequência, muitas das próprias mulheres são as que a estão denunciando. Nas palavras de uma delas, “temos que seguir o Corão. … O homem deve proteger sua esposa, a esposa deve obedecer seu marido.”[8] A possibilidade de que o Corão não ordene esse tipo de obediência[9] nem se discute no Mali nem no outro extremo do mundo, na Malásia, onde a organização Musawah Framework for Action levou a cabo uma oposição semelhante.

Independente do que se pense sobre essas leis, a verdade é que grande parte do que se considera como direito divino nas sociedades muçulmanas não se sustenta, ou, na melhor das hipóteses, tem apenas uma sustentação mínima ou específica, na palavra divina. Por exemplo, a Sharia/fiqh permite a morte por lapidação em caso de adultério, ao passo que o Corão não faz referência a essa pena em qualquer contexto. A Sharia/fiqh dá menos peso ao testemunho de uma mulher em geral, enquanto o Corão dá precedência o testemunho da esposa em detrimento do de seu marido, quando este a acusar de adultério somente com base no próprio testemunho.

A Sharia/fiqh universaliza a poligamia; já o Corão a vincula à garantia da justiça para as órfãs e, mesmo nesses casos, aconselha a monogamia. A Sharia/fiqh permite que os homens se casem com meninas de nove anos, sob o pretexto de que estão seguindo a suna do profeta; o Corão, por sua vez, diz que nem tudo o que foi permitido ou proibido a ele ou a suas esposas também o será para o resto de nós. (Para dizer o óbvio, os homens que queiram emular o profeta também poderiam seguir sua principal suna, que foi se casar com uma mulher duas vezes viúva, 15 anos mais velha do que ele, e não voltar a se casar enquanto ela estivesse viva.) Também há discrepâncias semelhantes entre o Corão e a Sharia/fiqh sobre a questão do divórcio.

O problema é que existe uma anomalia no centro da estrutura em que as leis muçulmanas foram formadas historicamente, que é a separação entre o Corão, suna, Sharia e fiqh, para não falar entre elas e costumes e tradições populares muçulmanos.

Uma consequência disso é que os muçulmanos muitas vezes não sabem a diferença entre o Corão ou a Sharia e os embusteiros do Taliban, o clã al-Saud, os jihadistas e muitas outras coisas. (Na verdade, a mídia ocidental se refere a suas práticas como simplesmente uma forma “severa” de Sharia). Outra é que o “direito islâmico” nem sempre é coerente com os ensinamentos do Corão nem com sua epistemologia geral, uma expressão que definirei em breve. Isso não significa que uma maior coerência possa, em si, gerar leis melhores. Ao contrário, será difícil reimaginar a Sharia ou fiqh diante de interpretações supremacistas brancas do Corão enquanto a maioria dos muçulmanos continuar a usar a suna ou hadith para passar por cima ou prejudicar suas disposições mais igualitárias. É por isso que acredito que os estudiosos do direito também devem cumprir um papel nas novas leituras libertadoras do Corão.

O Corão como livro antipatriarcal
Agora quero dizer algo próprio, uma vez que tento desvincular o Corão do patriarcado. Patriarcado, para mim, significa a episteme e a prática de privilegiar os homens, a qual, nas sociedades muçulmanas, baseia-se no argumento de que “o” próprio Deus os elevou acima das mulheres. Essa afirmação surge de leituras específicas de palavras isoladas como daraba, qawwamum, darajah, etc., bem como de alguns poucos versos, ou partes de versos, do Corão. Para além da questão evidente de que podemos escolher interpretar de formas diferentes essas palavras, linhas e versos, também argumentei contra sacralizações da autoridade masculina em bases teológicas.

Meu argumento é que a forma como lemos o Corão se reflete em nossa conceituação de Deus, pois, afinal de contas, acreditamos que o Corão é a palavra de Deus. Diante disso, devemos fazer da manifestação de Deus o lugar de onde interpretar sua palavra, o que também gera uma visão mais abrangente dela do que a leitura de alguns versos isolados. Por exemplo, dois aspectos da manifestação de Deus são não ter sido criado e, portanto, estar além de sexo ou gênero, e que Deus não comete zulm para quem quer que seja, ou seja, transgressões contra seus direitos.[10]

Se é assim, não há boas razões para masculinizar Deus ou lhe atribuir parcialidade ou injustiça sexual ao ler a falsa afirmação da supremacia masculina na palavra de Deus. Pois, por que um Deus que não fosse masculino, que não fosse como um homem ou que afirmasse não gostar de homens nem ter criado “o homem à sua imagem e semelhança” estaria tão presente na ascendência masculina sobre as mulheres? Na verdade, o Corão diz que Deus criou ambos a partir dos mesmos nafs, designou a ambos khalifa, bem como awliya um do outro[11], e os dotou da mesma capacidade de personalidade moral.

Em minha opinião, essas são afirmações indiscutíveis e fundacionais, razão pela qual as considero como a epistemologia do Corão, um termo que uso em um sentido amplo. A razão pela qual creio que essa epistemologia é antipatriarcal é porque ela se baseia em uma rejeição intransigente de um Deus androcêntrico e também porque, apesar dos chamados versos “antimulher,” o Corão não privilegia os homens como espécie biológica. Na verdade, leio esses versos como algo historicamente contingente, já que tratam de uma série de relações que eram, elas próprias, contingentes em relação à instituição que as tornou possíveis.

Tratava-se do patriarcado árabe tribal do século VII, baseado em configurações específicas de autoridade masculina, que há muito passou à história. Realmente não existe razão religiosa para insistir em que mulheres e homens continuem a se relacionar entre si como se ainda vivessem naquele patriarcado. Isso seria como esperar que as pessoas continuassem agindo como se fossem proprietários de escravos quando a escravidão já terminou.

É claro que, diferentemente da escravidão, o patriarcado simplesmente se reconstituiu, mas meu argumento é que o simples fato de uma instituição ter sido normativa em algum momento não faz com que o seja eternamente. Se não consideramos mais os versos corânicos que tratam da escravidão como algo legal ou moralmente normativo, porque deveríamos considerar os que tratam de um patriarcado do século VII como sendo assim para sempre? Apresentar esse argumento não significa dizer que o Corão foi produto de seus próprios tempos, e sim exatamente o contrário: como as escrituras são para todas as épocas, elas também devem englobar uma série de formações e possibilidades históricas, incluindo as que são apresentadas pelo presente e pelo futuro, e não apenas pelo passado.

Também afirmo que todos esses ensinamentos corânicos que estabelecem a igualdade, a semelhança, a similaridade e a equivalência ônticas, dependendo do contexto, entre mulheres e homens, abrem a possibilidade de teorizar a igualdade sexual radical. Mesmo que hesitemos em fazê-lo, eles ainda nos permitem pensar em relacionamentos conjugais de forma diferente do que na Arábia do século VII. Por fim, em vez de tentar encontrar uma saída a partir de algumas palavras ou versos para interpolar zulm contra as mulheres ou a parcialidade sexual na palavra de Deus, seja em nome da tradição legal, seja exegética, ou em função de uma crença na monossemia linguística, a exegese (e o direito) devem aspirar a permanecer dentro dos limites epistêmicos e éticos estabelecidos pela crença em um Deus justo e não-representável. O Corão é, acima de qualquer outra coisa, “a metodologia da ascensão a Deus,”[12] como disse certa vez Mahmud Mohamed Taha. É esse aspecto sagrado das escrituras que deveria também guiar nosso encontro hermenêutico com elas.

Contra-argumentos
Trato aqui das razões ou métodos pelos quais os muçulmanos tem interpretado o Corão como patriarcado e opressão,[13] mas um problema é que uma quantidade excessiva deles o tratam como se fossem “fundamentalistas do texto.” Essa é a expressão de Ebrahim Moosa, e com ela ele indica aqueles que acreditam que “o texto realmente fornece as normas e nós simplesmente as ‘descobrimos.’ A verdade é [diz ele] que ‘fazemos’ as normas no diálogo com o … texto.”[14]

Moosa tem toda a razão, é claro, embora eu não esteja de acordo com ele em que simplesmente buscar autoridade no Corão faça de alguém um fundamentalista do texto ou impeça que essa pessoa o leia de forma interativa.”[15] Pode-se buscar autoridade em um texto – como eu faço no Corão – e, ainda assim, reconhecer que qualquer processo de interpretação é dialógico.

Também questiono a caracterização de Moosa do Corão como patriarcal, que me parece irônica, dada sua crítica àqueles que acreditam que um texto “realmente fornece as normas.” Segundo ele, o Corão “defende normas patriarcais, pois essa foi a condição histórica na qual ele foi revelado.”[16] Com efeito, ele patriarcaliza o Corão ao historicizá-lo, mas a razão para historicizá-lo deveria ser a oposta, que é distinguir entre conteúdo e contexto, bem como entre o normativo (universal) e o contingente (específico) dentro do próprio texto. Não fazer isso é confundir envolvimento divino na história humana com um endosso ou defesa daquela história e, pior, redutível a ela. Quanto à ideia de que o Corão é patriarcal porque fala majoritariamente aos homens sobre as mulheres,[17] segundo esse padrão, também se poderia dizer que o Corão defende a escravidão porque fala aos proprietários de escravos; com exceção de um punhado de obscurantistas, duvido que muita gente achasse isso convincente.

Uma última questão sobre a qual questiono Moosa é seu argumento de que as leituras feministas concluem “demais a partir de uns poucos versos … que sugerem direitos e deveres recíprocos entre cônjuges desiguais e depois se apressam em sugerir que o Corão defende o igualitarismo como norma.” Segundo essa visão, afirmar “que esses versos isolados e singulares deveriam controlar o sentido e a interpretação de inúmeros outros” não passa de acrobacia hermenêutica.”[18] Suponhamos que essa crítica também se aplique a minha própria leitura, mesmo que esta não afirme ser feminista. Nesse caso, meu método preferido é não olhar versos isolados, e sim situá-los no contexto da epistemologia corânica como a descrevi. Isso posto, não vejo o que possa haver de errado com enfatizar versos que foram extirpados da consciência muçulmana e, junto com eles, princípios como amor, mutualidade, gentileza, liberalidade e consensualismo entre cônjuges.

Com relação à segunda metade da crítica, receio que isso seja o que fazem as pessoas que lêem o Corão como texto patriarcal. Como observei, elas passam ao largo da totalidade de seus ensinamentos para se concentrar em palavras ou versos solitários que lêem como se tivessem apenas um sentido fixo e confirmassem que o Corão é patriarcal. Não apenas isso implica acrobacia hermenêutica, mas também permite que os homens continuem usando o texto para cometer violências indizíveis contra as mulheres. Nesse contexto, o teólogo da libertação Farid Esack afirma que, em caso de escolha, é melhor cometer violência ao texto do que às pessoas.[19]

Embora eu aprecie a sua ética, acho que essa maneira de formulá-la também cria uma certa falsa dualidade, pois, resumindo-se a isso, também poderíamos não ler o Corão como texto patriarcal. Mesmo assim, algumas das próprias pessoas que querem igualdade sexual menosprezam leituras que podem promovê-la a partir de uma estrutura corânica. Mesmo que fazer isso signifique estender os limites de nossa compreensão do texto, isso não seria melhor do que dar a ele interpretações patriarcais ou misóginas? O Corão nos conclama a encontrar seus melhores sentidos e parece razoável procurá-los naquilo que é mais igualitário no próprio texto. E, considerando-se que ele se abre a leituras contínuas e melhores, fechá-las como forma de salvaguardar a autoridade masculina equivale a vender a palavra de Deus por um preço miserável.

Isso me traz de volta a meu argumento inicial sobre a relação entre leituras libertadoras do Corão e o projeto de reimaginar a Sharia. Evidentemente, a outra parte desse empreendimento é construir um Estado em que as leis muçulmanas possam ser implementadas. As lacunas entre lei, escritura e práxis profética, que mencionei antes, tornam difícil imaginar como seria viver em um “Estado Sharia” ou como ele seria. É por isso que considero a defesa que o professor An-Naimfaz de um estado secular tão convincente.[20] Seria necessário muito mais do que uma palestra desta natureza para tratar de seu argumento, mas tenho algumas respostas a ele que gostaria de expor, no espírito do diálogo e à guisa de conclusão.

Direito e Estado
Convence-me a tese finamente argumentada do professor An-Naim de que um Estado secular não é incompatível com o Islã e pode, na verdade, fornecer a estrutura para que os muçulmanos vivam segundo suas leis voluntariamente, e não sob coerção. Meus comentários, portanto, tocam muito mais em algumas questões tangenciais, uma das quais está relacionada ao próprio direito. Devo confessar que não consigo imaginar a aplicação da lei sendo voluntária ou não coerciva, mesmo que o Corão alerte contra a compulsão na religião. Parece-me que existe uma tensão nessa questão, pois, para que a lei seja lei, deve haver cumprimento involuntário sob pena de punições, e isso se aplica tanto às leis seculares quanto às religiosas.

Mais importante, questiono se os problemas das leis muçulmanas ou as tensões entre as várias fontes religiosas desaparecerão em um estado secular. Em minha visão, esses problemas tem menos que ver com o tipo de Estado no qual os muçulmanos vivem do que com suas mentalidades e consciências, e com a forma como definem conhecimento e metodologia religiosos. É claro que a ausência de direitos e liberdades civis na maioria dos estados muçulmanos torna difícil o diálogo público sobre essas questões e, portanto, também é difícil mudar as atitudes das pessoas. Entretanto, somente ter espaço para o diálogo em um estado secular não é suficiente para produzir essas mudanças, como fica claro nas experiências de muçulmanos nos Estados Unidos e na Europa.

Tampouco acredito, como crê o professor An-Naim, que o Estado secular, embora político, seja separável da política em função do princípio do constitucionalismo e do regime dos direitos humanos. Estes podem servir para dar limites aos abusos do poder de estado, mas somente se os governantes desse estado estiverem dispostos a cumpri-los. Como vimos com George W. Bush, a política neoconservadora manipulou direitos humanos e a constituição quando se tratava da “guerra ao terror.” O estado francês, por outro lado, usou o constitucionalismo, na forma da laïcité, para negar às mulheres muçulmanas o direito de usar seus lenços na cabeça em espaços públicos. Como afirma Oliver Roy, a laïcité “define a coesão nacional afirmando uma identidade puramente política que confina à esfera privada quaisquer identidades religiosas ou culturais.”[21] A laïcité pode ser uma forma específica e militante de secularismo, mas o secularismo é, em si, uma forma de política e nenhum estado secular está, nem pode estar, acima, além ou fora dessa política.

Por fim, e esta é apenas uma observação passageira, parece-me intrigante que mesmo quando alguns muçulmanos estejam tentando alinhar o Islã com o secularismo, alguns europeus estejam engajados em debates sobre pós-secularismo. Pergunto-me o que poderíamos aprender uns com os outros se estivéssemos na mesma mesa.

Em qualquer caso, tenho certeza de que o professor An-Naim sabe muito bem que o cumprimento da lei não é voluntário, que os estados são irredutivelmente políticos e que o secularismo não é uma panacéia para tudo o que aflija os muçulmanos. Nesse meio-tempo, meu interesse de longa data continua sendo o Corão e mantenho as esperanças de que as próximas gerações de muçulmanos farão dele uma leitura voltada à libertação.

Por agora, contudo, parece que estou destinada a continuar me deparando com os que suspeitam dessa possibilidade ou que dizem apoiá-la, mas acabam fazendo eco a alertas contra o feminismo opondo mulheres e homens ou minando a família ao questionar as hierarquias sexuais. Nunca, em todos esses anos, ouvi um único homem muçulmano admitir publicamente que os próprios homens tem oposto seus interesses aos das mulheres por 1.400 anos em uma tentativa de salvaguardar privilégios que são, na melhor das hipóteses, transitórios, dado que a própria vida é transiente. Lamentavelmente, parece que mesmo a partir das escrituras mais igualitárias, os crentes poderão construir distopias. Acredito que um projeto de reimaginar o Islã deve começar com o entendimento dessa dolorosa realidade e terminar por transformá-la.


* Palestra proferida no evento “Re-imagining the Sharia: Theory, Practice, and Muslim Pluralism”, realizado pela Universidad de Warwick em Veneza, Itália, de 13 a 16 de setembro de 2009. Disponível, originalmente, em: http://www.asmabarlas.com/TALKS/2009_venice.pdf. Publicada, na revista Consultor Jurídico, com autorização da autora. Tradução de Roberto Cataldo Costa.

[1] Asma Barlas. “Believing Women” in Islam (Austin, University of Texas Press, 2002).

[2] Nem sempre foi relevante para meu argumento diferenciar a Sharia e fiqh.

[3] Edward Said usou essa expressão para abordagens ocidentais ao Islã ( Covering Islam, NY: Vintage, 1997).

[4] Antonio Gramsci. Selections from the Prison Notebooks (London, Lawrence and Wishart 1998), p. 330.

[5] A. Gramsci. Prison Notebooks (NY: International Publishers, 1971), p. 419.

[6] Mohammed Arkoun, Rethinking Islam: Common Questions, Uncommon Answers (Boulder, CO: Westview Press, 1994), p. 39.

[7] 7 Fazlur Rahman. Islam and Modernity (Chicago: University Press, 1982).

[8] http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/8216568.stm

[9] Ver Amina Wadud sobre essa questão. Qur’an and Woman (Oxford: University Press, 1999).

[10] Essa é a definição de Toshihiko Izutsu. The Structure of the Ethical Terms in the Koran, Vol. II (Japan: Keio Institute of Philological Studies, 1959) p. 152.

[11] 11 Nafs significa pessoa ou alma, khalifa, o vice-regente de Deus, e awliya, guias mútuos e, segundo Azizah al-Hibri, responsáveis um pelo outro. “A Study of Islamic Herstory” Women’s Studies International Forum, Special Issue: Women and Islam. 5, no. 2 (1982).

[12] 12 M.M. Taha. The Second Message of Islam (Syracuse: University Press, 1987).

[13] Ver Barlas. “Believing Women,” para uma crítica completa.

[14] Ebrahim Moosa. “The Debts and Burdens of Critical Islam,” in Omid Safi (ed.) Progressive Muslims. (Oxford: OneWorld, 2003), p. 125.

[15] Ibid.

[16] ibid.

[17] Esse é o argumento de Kecia Ali. Sexual Ethics and Islam (Oxford: Oneworld, 2006), p.126-127.

[18] Moosa, ibid., 125.

[19] Farid Esack. “What do Men Owe Women?” http://uk.geocities.com/faridesack/fewhatdomenowe.html.

[20] Abdullahi An-Naim. Islam and the Secular State (Cambridge, Harvard University Press, 2008).

[21] Oliver Roy. Secularism Confronts Islam (NY: Columbia University Press, 2007) p. xiii.

Autores

  • é professora de Política e diretora do “Center for the Study of Culture, Race, and Ethnicity”, Ithaca College, autora de “Believing women” in Islam: unreading patriarcal interpretations of the Qu’ran ( University of Texas Press, 2002)

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