Medo da verdade mobiliza parceiros de Protógenes
6 de fevereiro de 2009, 16h00
A investigação está sob a batuta do juiz titular da 7ª Vara Criminal Federal, Ali Mazloum, e é presidida pelo delegado Amaro Vieira Ferreira. Essa apuração demonstrou que a Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, integrou o consórcio coordenado pelo delegado Protógenes Queiroz. Constatou também que foram investigados, monitorados e gravados parlamentares, advogados e jornalistas — profissionais guarnecidos de proteção especial em suas atividades. Mas nem mesmo a descoberta de que foram repórteres da TV Globo que filmaram o suposto suborno que condenou Daniel Dantas convenceu o Ministério Público que os desvios devem ser investigados.
O cerco a Mazloum e aos delegados que investigam as ações clandestinas de Protógenes extrapola o objeto da ação. Depois de empenhar-se pessoalmente para impedir a investigação, o procurador da República Roberto Antonio Dassié Diana passou a acusar policiais federais de desviarem produtos apreendidos em outros inquéritos. Em dezembro, depois que Mazloum negou a devolução de arquivos apreendidos na Abin, a procuradora Ana Lúcia Amaral ingressou com representação contra o juiz. Ela se disse ofendida por algo que Mazloum teria dito dois anos atrás. Em janeiro, depois de nova negativa do juiz, uma segunda representação foi apresentada. Agora pela procuradora Luiza Cristina Fonseca Frischeisen.
No TRF, as representações contra Mazloum vão encontrar o entusiasmo do segmento da magistratura interessado no bloqueio dessa investigação: o que é liderado pela presidente do tribunal, Marli Ferreira. Segundo um integrante do TRF, o movimento defensivo para abortar a Operação Gepeto visa proteger os procuradores e juízes que apoiaram os métodos de Protógenes e agora temem pelo que pode acontecer.
As preocupações não se limitam à Avenida Paulista. Na praça dos Três Poderes, o esforço abortivo opõe os palácios do Planalto e da Justiça. O general Jorge Félix já despachou dois lugares-tenentes para convencer o juiz Ali Mazloum, com os seus melhores argumentos, a devolver o material da Abin, cujo conteúdo ainda não se conhece — mas promete revelar muito do receituário lulista para acompanhar os passos de seus adversários, opositores e inimigos.
Na ponta judicial, a preocupação oposta mora no comando do Conselho Nacional de Justiça. O ministro Gilmar Mendes — acusado, sub-repticiamente, tanto pelo juiz Fausto De Sanctis quanto pelo delegado Protógenes, de ter tido integrantes de sua equipe associados à quadrilha de Daniel Dantas — não entende por que seus acusadores temem uma investigação completa do caso. Na semana que vem, devem desembarcar em São Paulo enviados do CNJ que querem se inteirar da situação dos inquéritos relacionados a essa história embaraçada.
Enquanto o principal alvo dos emissários do GSI são os arquivos criptografados, a maioria retirada de cinco computadores apreendidos na sede da Abin no Rio de Janeiro, o CNJ quer saber dos pen drives localizados na casa de Protógenes. A justificativa da Abin é que esses arquivos conteriam supostas informações estratégicas da agência de inteligência usadas em relatórios confidenciais destinados à Presidência da República.
O MPF e o GSI não gostaram da decisão do juiz Ali Mazloum, que vetou a participação da Abin na abertura e perícia do material apreendido. O magistrado também proibiu qualquer interferência de oficiais da agência de inteligência nos trabalhos do delegado que preside o inquérito policial. O juiz também não permitiu que agente de fora da Polícia Federal acompanhe a perícia e só abriu o caso para o acompanhamento da Procuradoria da República. Ali Mazloum oficiou ao ministro da Justiça, Tarso Genro, pedindo proteção para os policiais federais que atuam no inquérito e que seriam vítimas de suposta coação.
O material em poder da PF foi apreendido na base de operação da Abin no Rio e em Brasília, em residências de agentes e policiais em Goiás e São Paulo, no arquivo do delegado Protógenes Queiroz e no QG da agência de inteligência montado na capital paulista que funcionava em duas salas do hotel São Paulo Inn, no Largo Santa Efigênia. São escutas telefônicas, filmagens, monitoramento e fotografias que comprovam a participação de 84 agentes da Abin na Operação Satiagraha. O material apreendido comprova também que jornalistas e advogados foram monitorados, assim como parlamentares (entre eles o senador Heraclito Fortes (DEM-GO)) e autoridades do governo federal (como o ministro da Integração Nacional Gedell Vieira).
Em um desses monitoramentos, um agente da Abin se identificou quando monitorava os passos do ex-deputado e advogado Luiz Eduardo Greenhalgh no Aeroporto Santos Dumont, no Rio. A perícia da PF analisou o vídeo e concluiu que a pessoa que estava filmando teve que atender um telefonema e se identificou como o agente da Abin José Maurício Michelone. A informação está em uma das páginas do Relatório de Análise de Mídias preparado pela PF.
Os arquivos estão com o delegado que preside a investigação e protegidos por decisão do juiz da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Ali Mazloum, que autorizou o decreto de busca e apreensão. A primeira parte da perícia deve ficar pronta até meados deste mês. O magistrado deverá autorizar a identificação das senhas para abrir os arquivos criptografados.
Decidida a impedir a abertura dos arquivos, a Abin pediu socorro ao MPF. Nos bastidores, também passou a se movimentar no Fórum Criminal Federal na tentativa de acompanhar o inquérito da Polícia Federal. Na frente judicial entrou com petição no Tribunal Regional Federal para reaver o material antes da perícia ou para participar das investigações. Em dezembro, a presidente do TRF-3 autorizou a participação da agência de inteligência no inquérito policial. O caso é inédito porque permite que o investigado participe da investigação.
O MPF, que foi contrário à concessão da busca e apreensão dos documentos, saiu em busca de impedir a continuidade das investigações. Para isso, sustentou argumento inédito nos anais jurídicos: o material teria sido recolhido ilegalmente porque a Procuradoria da República não concordou com a sua busca e apreensão. Depois se manifestou pela devolução do material apreendido. A Procuradoria da República pediu que o material não fosse tocado porque nos computadores haveria informações sobre outras operações policiais e dados sigilosos que poriam em risco a segurança nacional.
Procurada no início da tarde desta sexta-feira (6/2), a assessoria de imprensa do TRF-3 ainda não se manifestou sobre o objeto desta notícia.
Representação criminal
Em outra frente jurídica, O MPF entrou com duas ações no TRF-3 contra o juiz Ali Mazloum. A primeira investida aconteceu em dezembro do ano passado, quando a procuradora Ana Lúcia Amaral entrou com uma representação contra Mazloum. A procuradora da República diz que se sentiu ofendida por afirmações feitas pelo magistrado em 2006. Por acaso, a representação, que tem como relatora a desembargadora Salette Nascimento, foi apresentada logo depois da primeira visita de oficiais da Abin na Justiça Federal de São Paulo. Na época, o juiz federal teria informado aos agentes que não devolveria o material sem antes verificar seu conteúdo.
Em janeiro, a nova representação criminal foi apresentada contra o juiz federal ao TRF-3. A data da nova ação coincidiu com outra visita de oficiais da Abin à Justiça Federal de São Paulo. Além do juiz, também foram apontados na ação criminal os advogados Américo Masset Lacombe e Gabriel Ramalho Lacombe.
Desta vez, a ação foi proposta pela procuradora Luiza Freinscheisen e foi distribuída ao desembargador Newton de Lucca. A representação teria como motivo suposto arquivamento no STJ de ação penal movida por Ali Mazloum contra as duas procuradoras da República e delegados da Polícia Federal. As procuradoras e os delegados federais foram acusados de denunciação caluniosa.
“O Ministério Público Federal aguarda a remessa do inquérito policial nº 2008.61.81.011893-2 pela Polícia Federal, para ciência do quanto apurado até o momento e adoção das providências cabíveis, objetivando a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponveis. Não há atuação para qualquer fim alheio ao nteresse público. O MPF trabalha em busca da verdade real e, nesse sentido, tem cobrado providências e diligências da Polícia Federal. Por fim, o MPF condena os constantes vazamentos de elementos do inquérito policial, inclusive de fatos não comunicados ao MPF até momento”, afirmaram os procuradores da República Fábio Elizeu Gaspar e Roberto Antonio Dassié Diana.
“Não conheço as acusações e estou surpreso”, afirmou o juiz Ali Mazloum. “Como cidadão e juiz repudio qualquer tentativa que tenha como objetivo cercear meus direitos civis e constitucionais assim como os de meus advogados”, completou o magistrado.
O MPF ainda sugeriu uma possível irregularidade no inquérito resultado de suposta quebra de sigilo de jornalistas. Informações foram vazadas aos jornais sobre uma possível quebra de segredo telefônico, sem autorização judicial. O vazamento dizia que a PF obtivera junto à Nextel aparelhos usados por jornalistas. A divulgação dessas informações causou mal estar no Ministério da Justiça, na Polícia Federal e na Comissão Parlamentar de Inquérito das Interceptações Telefônicas. O entendimento foi o de que as informações tinham como objetivo desqualificar a investigação e constranger o delegado que preside o inquérito.
O general Jorge Felix, ministro do GSI, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, trabalham para que o juiz Ali Mazloum reconsidere sua posição de abrir os arquivos apreendidos em poder da Abin e da Polícia Federal. As investidas contam com o apoio efetivo do Ministério Público Federal e são reforçadas com tentáculos no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. A revista Consultor Jurídico apurou que o juiz aceita a colaboração da Abin para que esta revele as chaves de segurança do material criptografado.
Situação grave
Para o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murilo, a situação é extremamente grave. “A investigação deve ser concluída e os culpados identificados. Assim é que funciona a democracia”, afirma.
Murilo diz que a investigação deve esclarecer tanto sobre a suposta lista dos jornalistas da rede Daniel Dantas quanto sobre a possibilidade de profissionais grampeados. “Essa investigação não deve ser abortada. Essa possibilidade me deixa contrariado como jornalista e decepcionado como cidadão”, afirma. Segundo ele, para a categoria dos jornalistas é perigoso que paire esse tipo de dúvida.
O advogado Alberto Zacharias Toron, presidente da Comissão Nacional de Prerrogativas do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, afirma que o caso deve ser apurado até o fim já que há um crime em tese. Ele lembra que a entidade irá entrar com uma representação contra o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz por causa do monitoramento ilegal das atividades do advogado Nélio Machado.
Protógenes presidiu as investigações das atividades supostamente ilegais do banqueiro Daniel Dantas, até ser afastado pela cúpula da PF, em julho, por supostas irregularidades. Nélio Machado era o advogado de Daniel Dantas, até esta semana, quando transferiu a representação para o advogado Andrei Zenkner Schmidt. Machado porém continua atuando com consultor e como advogado do Banco Opportunity.
Operação Satiagraha
Deflagrada no dia 8 de julho, a Operação Satiagraha, da PF, investigou crimes financeiros e a tentativa de suborno de um delegado federal supostamente cometidos pelo banqueiro Daniel Dantas, dono do Banco Opportunity. A operação resultou na prisão do banqueiro bem como do investidor Naji Nahas, do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta (PTB) e de mais 14 pessoas suspeitas de integrarem uma quadrilha.
Parte dos arquivos apreendidos na investigação que apura os vazamentos na Satiagraha revelou os bastidores da polêmica aliança entre a Abin e a equipe do delegado Protógenes Queiroz, da Polícia Federal, no curso da operação. Os registros foram capturados em 5 de novembro do ano passado por agentes da Polícia Federal que apreenderam, por ordem judicial, computadores e discos rígidos da Abin. A Polícia Federal acredita que pode indiciar o delegado Protógenes por crime de quebra de sigilo funcional e violação da Lei das Interceptações porque deu acesso a um batalhão de agentes da Abin aos autos da Satiagraha.
[Foto: José Cruz/Agência Brasil]
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