Direito à informação

Habeas Data pode ser solicitado por terceiros

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24 de janeiro de 2008, 10h16

O pedido de Habeas Data também pode ser solicitado por interessado em informações de outra pessoa. O entendimento é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. A Turma acolheu o pedido de Olga Serra, viúva de um militar, para que o Ministério da Defesa encaminhe informações funcionais de seu marido no prazo de 30 dias. Ela fez o pedido administrativamente, há mais de um ano, mas não recebeu a documentação solicitada.

O Habeas Data é um tipo de ação prevista na Constituição Federal de 1988, para que seja reconhecido o direito da pessoa interessada em acessar registros sobre ela existentes, retificar informações incorretas e complementar dados. Para o relator, ministro Arnaldo Esteves de Lima, o cônjuge é parte legítima para propor este tipo de processo caso haja recusa ou demora do órgão detentor dos registros em conceder os documentos solicitados.

De acordo com o processo, em setembro de 2005, a viúva solicitou ao Ministério da Defesa cópia de todos os registros e documentos sobre a vida funcional do marido, em especial os relacionados ao curso feito na Escola de Sargentos Aviadores da Aeronáutica. À espera da documentação há mais de um ano, a viúva decidiu entrar com Habeas Data contra o ministro de Defesa para que a autoridade concedesse as informações.

O ministro da Defesa contestou a ação. Alegou não ser parte legítima para responder ao processo. Sustentou também que Olga Serra não era parte legítima para propor a ação, porque o direito protegido pelo Habeas Data é personalíssimo, ou seja, só pode ser solicitado pelo titular das informações.

O ministro da Defesa argumentou, ainda, que a demora no fornecimento dos dados ocorreu em virtude da antiguidade dos registros, de difícil transcrição, “cujas cópias reprográficas são praticamente ilegíveis”. Segundo o dirigente, assim que disponibilizados os documentos pela Subdivisão de Pessoal, eles serão encaminhados à Consultoria Jurídica Adjunta do Comando da Aeronáutica.

Arnaldo Esteves Lima acolheu o pedido de Olga Serra e determinou que o ministro da Defesa forneça os dados solicitados no prazo de 30 dias. Para o relator, a viúva é parte legítima para propor a ação. Segundo o ministro, apesar de o pedido não se referir a informações sobre a própria autora do processo, mas de marido, “deve a ordem ser concedida, uma vez que lhe negar tal direito importaria ofender o próprio escopo da norma constitucional, cujo conhecimento poderá refletir no patrimônio moral e financeiro da família do falecido”.

“Verifica-se que a demora da autoridade impetrada em atender ao pedido formulado administrativamente pela impetrante — mais de um ano – não pode ser considerado razoável, ainda mais considerando-se a idade avançada da impetrante — 82 anos”, ressaltou.

O relator destacou trecho do parecer do Ministério Público Federal no mesmo sentido de seu entendimento. “Embora inexista recusa no fornecimento dos documentos e a demora seja, inicialmente escusável, o longo tempo já decorrido justifica o deferimento do Habeas Data para, nos termos do artigo 13 da Lei 9.507/97, ser determinado prazo para que a autoridade [ministro da Defesa] forneça as cópias solicitadas”, considerou o MPF.

Arnaldo Esteves Lima enfatizou, ainda, a legitimidade do ministro da Defesa para responder o processo. “O impetrado ao receber o pedido da impetrante e encaminhá-lo ao Comando da Aeronáutica, por meio do Ofício 10.020, assumiu a obrigação de responder ao pleito, razão pela qual se tornou parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda, em face da teoria da encampação”. De acordo com essa teoria, aplica-se ao Habeas Data quando o impetrado é autoridade hierarquicamente superior aos responsáveis pelas informações pessoais referentes ao impetrante e, além disso, responde na via administrativa o pedido de acesso aos documentos.

HD 147

Leia a decisão

HABEAS DATA Nº 147 – DF (2006/0224991-0)

RELATOR : MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA

IMPETRANTE: OLGA BASTOS SERRA

ADVOGADO: CHUCRE SUAID E OUTRO

IMPETRADO: MINISTRO DE ESTADO DA DEFESA

RELATÓRIO

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:

Trata-se de habeas data impetrado por OLGA BASTOS SERRA, com fundamento no art. 105, I, “b”, da Constituição Federal, em desfavor do MINISTRO DE ESTADO DA DEFESA.

Sustenta a impetrante que em 14/9/05 requereu ao impetrado cópias de todos os registros e documentos sobre a vida funcional de seu falecido marido, em especial os relacionados ao curso realizado na Escola de Sargentos Aviadores da Aeronáutica. Em razão da demora de mais de um ano, requer lhe seja assegurado o acesso à referida documentação, “inclusive cópia dos boletins de n. 5 e n. 8 de 07 e 10 de janeiro de 1935, respectivamente, da extinta Escola de Aviação Militar do Campo dos Afonsos e cópia autenticada do boletim que publicou a conclusão do curso da Escola de Aviação Militar e a relação dos alunos da 8ª Turma dados como concluintes” (fl. 3).


A autoridade indigitada coatora alega, em preliminar, sua ilegitimidade passiva, bem como a ilegitimidade ativa da impetrante para requerer direito personalíssimo do falecido marido. No mérito, aduz que a demora no fornecimento dos dados se deu “em razão da transcrição da documentação na Subdivisão de Pessoal da AFA, unidade à qual pertencia o militar, e, tão logo seja disponibilizada, será a mesma encaminhada à Consultoria Jurídica-Adjunta do Comando da Aeronáutica”. Afirma ainda ser difícil a “transcrição da documentação, haja vista se tratarem de registros antigos, cujas simples cópias reprográficas são praticamente ilegíveis” (fl. 22).

O Subprocurador-Geral da República AURÉLIO VIRGÍLIO VEIGAS RIOS opinou pela concessão da ordem, em parecer assim ementado (fl. 49):

Ementa. Habeas data. Administrativo. Militar falecido. Legitimidade. I. Ao receber e dar encaminhamento ao pedido da impetrante, a autoridade coatora investiu-se da responsabilidade em analisar o pleito. II. É parte legítima para impetrar “habeas data” o cônjuge sobrevivente na defesa de interesse do falecido. III. Embora inexista recusa no fornecimento dos documentos e a demora seja, inicialmente, escusável, o longo tempo já decorrido justifica o deferimento do habeas data para, nos termos do art. 13, da Lei nº 9.507/97, ser determinado prazo para que a autoridade coatora forneça as cópias solicitadas. IV. Parecer pela concessão da ordem.

É o relatório.

EMENTA

CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. VIÚVA DE MILITAR DA AERONÁUTICA. ACESSO A DOCUMENTOS FUNCIONAIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA E ATIVA. NÃO-OCORRÊNCIA. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO CARATERIZADA. ORDEM CONCEDIDA.

1. A autoridade coatora, ao receber o pedido administrativo da impetrante e encaminhá-lo ao Comando da Aeronáutica, obrigou-se a responder o pleito. Ademais, ao prestar informações, não se limitou a alegar sua ilegitimidade, mas defendeu o mérito do ato impugnado, requerendo a denegação da segurança, assumindo a legitimatio ad causam passiva. Aplicação da teoria da encampação. Precedentes.

2. É parte legítima para impetrar habeas data o cônjuge sobrevivente na defesa de interesse do falecido.

3. O habeas data configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros existentes; (b) direito de retificação dos registros errôneos e (c) direito de complementação dos registros insuficientes ou incompletos.

4. Sua utilização está diretamente relacionada à existência de uma pretensão resistida, consubstanciada na recusa da autoridade em responder ao pedido de informações, seja de forma explícita ou implícita ( por omissão ou retardamento no fazê-lo).

5. Hipótese em que a demora da autoridade impetrada em atender o pedido formulado administrativamente pela impetrante – mais de um ano – não pode ser considerada razoável, ainda mais considerando-se a idade avançada da impetrante.

6. Ordem concedida.

VOTO

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator):

Verifica-se, dos autos, que o impetrado, ao receber o pedido da impetrante e encaminhá-lo ao Comando da Aeronáutica, por meio do ofício nº 10020 (fl. 43), assumiu a obrigação de responder o pleito, razão pela qual se tornou parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda, em face da teoria da encampação.

Ademais, tal legitimidade foi confirmada pelo fato de a autoridade coatora, ao prestar suas informações, não ter se limitado a alegar sua ilegitimidade, mas também a defender o próprio mérito do ato impugnado, requerendo a denegação da segurança.

Nesse mesmo sentido:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROFESSOR UNIVERSITÁRIO DA FUB. ALEGAÇÃO DE QUE O REITOR NÃO PODERIA FIGURAR COMO AUTORIDADE COATORA, UMA VEZ QUE O ATO DE NOMEAÇÃO DEPENDERIA DE AUTORIZAÇÃO DO MINISTRO DE ESTADO DO PLANEJAMENTO. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO.

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II – A autoridade apontada como coatora não apenas se insurgiu quanto a sua legitimidade para figurar no mandamus, como também defendeu o ato atacado, atraindo, para si toda a responsabilidade, nos termos da teoria da encampação.

III- Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 764.728/DF, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 10/4/06).

De outro lado, também não procede a alegação de ilegitimidade ativa da impetrante. Com efeito, a Constituição Federal erigiu o habeas data como uma das garantias, senão vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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LXXII – conceder-se-á habeas data:

a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;


Não obstante o presente habeas data não tenha por objetivo a busca de informações acerca da pessoa da própria impetrante, mas a respeito de seu falecido marido, deve a ordem ser concedida, uma vez que lhe negar tal direito importaria ofender o próprio escopo da norma constitucional, cujo conhecimento poderá refletir no patrimônio moral e financeiro da família do falecido.

A propósito, confira-se o parecer ministerial (fls. 56/57): Por outro lado, a previsão constitucional do art. 5º, inc. LXXII, que assegura o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, não afasta a possibilidade deste ser substituído por seus sucessores legais em caso de falecimento, haja vista que, tratando-se de uma garantia constitucional, a interpretação do dispositivo deve ser a mais abrangente para assegurar, efetivamente, o direito de acesso à informação contida em banco de dados para eventual, não sendo razoável perpetuar-se a incorreção e o uso indevido dos dados do morto.

O habeas data configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros existentes; (b) direito de retificação dos registros errôneos e (c) direito de complementação dos registros insuficientes ou incompletos.

Sua utilização, por sua vez, está diretamente relacionada à existência de uma pretensão resistida, consubstanciada na recusa da autoridade em responder ao pedido de informações, seja de forma explícita ou implícita ( por omissão ou retardamento no fazê-lo).

Nesse sentido, foi editada a Súmula 2/STJ: “Não cabe habeas data (CF, art. 5º, letra “a”) se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa”. Nesse sentido:

HABEAS DATANATUREZA JURÍDICA – REGIME DO PODER VISÍVEL COMO PRESSUPOSTO DA ORDEM DEMOCRÁTICA – A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL DAS LIBERDADES – SERVIÇO NACIONAL DE INFORMAÇÕES (SNI) – ACESSO NÃO RECUSADO AOS REGISTROS ESTATAIS – AUSÊNCIA DO INTERESSE DE AGIR –

RECURSO IMPROVIDO.

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– A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data. Sem que se configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do habeas data. (RHD 22/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, STF, Tribunal Pleno, DJ 1º/9/95 – Grifos nossos)

Na hipótese dos autos, verifica-se que a demora da autoridade impetrada em atender o pedido formulado administrativamente pela impetrante – mais de um ano – não pode ser considerado razoável, ainda mais considerando-se a idade avançada da impetrante (82 anos).

Outro não foi o entendimento do Subprocurador-Geral da República AURÉLIO VIRGÍLIO VEIGA RIOS, que, em seu parecer, concluiu que, “embora inexista recusa no fornecimento dos documentos e a demora seja, inicialmente escusável, o longo tempo já decorrido justifica o deferimento do habeas data para, nos termos do art. 13 da lei 9.507/97, ser determinado prazo para que autoridade coatora forneça as cópias solicitadas” (fl. 57).

Ante o exposto, concedo a ordem para determinar à autoridade impetrada que, no prazo de 30 (trinta) dias, forneça à impetrante os documentos requeridos. Custas ex lege.

Sem honorários, nos termos das Súmulas 105/STJ e 512/STF, aplicáveis por compreensão extensiva.

É o voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de “habeas data”, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o relator a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região), Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), Nilson Naves, Felix Fischer, Paulo Gallotti e Laurita Vaz. Brasília (DF), 12 de dezembro de 2007 (Data do Julgamento)

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA

Relator

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