União estável

Procuradora aponta cuidados legais necessários antes do casamento

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24 de abril de 2002, 14h06

Antes do advento da Lei do Divórcio, em 1976, o casamento era indissolúvel. O padre dizia “até que a morte os separe” e todo o mundo tinha de obedecer, por inexistência de outra opção. Mesmo assim, é claro que muitos dos casamentos infelizes terminavam, se não na lei, que ainda não admitia a dissolução do vínculo matrimonial, pelo menos de fato. Cada um ia para o seu lado, pondo fim à união. Havia, é verdade, o desquite, que permitia ao casal viver separado, mas impedia novo casamento civil.

Os tempos mudaram para o bem dos brasileiros. A realidade superou a hipocrisia e nossa sociedade passou a admitir claramente que casamentos errados podem acontecer e, nesse caso, é melhor que sejam dissolvidos. O divórcio veio para apaziguar desavenças e possibilitar que as pessoas se casem mais de uma vez. A Constituição Federal de 1988 também trouxe novidades nesta área, reconhecendo a união de fato e a existência da família constituída sem as formalidades legais.

Para evitar burocracia, muita gente nem se casa oficialmente, apenas passa a coabitar. Essa opção, porém, não livra o casal dos encargos do casamento, principalmente se houver filhos, pois os direitos da união estável estão assegurados. O número de casamentos religiosos e civis, porém, ainda é muito grande, superando largamente as uniões informais.

Os fatos da vida mostram que casamento é loteria, é uma aposta que pode ou não ser vencedora. Admitir essa verdade tem conseqüências importantes na hora de casar. Os nubentes precisam estar preparados para o pior – a falência da união. Evidentemente, ao casar, ninguém planeja ao mesmo tempo a separação, salvo casos conhecidos como “golpe do baú”, mas é preciso estar preparado (a) para a possibilidade do fim da relação (até pela morte, que pode ocorrer a qualquer momento) e tomar providências sensatas.

A decisão de adotar ou não o nome do cônjuge no casamento deve estar baseada na idéia de união finita, não eterna. Geralmente, apesar de não ser mais obrigatório por lei, a mulher adota o nome do marido, passando a ter uma identidade diferente do seu tempo de solteira. Todos os documentos precisam ser alterados e ela passa a ser conhecida por uma nova designação, que pertence ao casal.

Trata-se, hoje, de uma opção arriscada. Se a esposa fizer carreira profissional sólida e, depois de 20 anos por exemplo, resolver se separar, vai ter de mudar de nome e pode sofrer muitos prejuízos com isso. É terrível mudar de nome depois já ter se consolidado com determinada identidade. A mulher tem de explicar a todo o mundo que se separou, voltou a usar o nome de solteira que ninguém conhecia, mas continua sendo a mesma pessoa.

Por esta razão, algumas mulheres optam por permanecer com o nome de casada após a separação, coisa que a lei permite mediante justificativa, mas manter o patronímico do ex-cônjuge estando separada dele não faz sentido… Haja vista o caso de Marta Suplicy, que se separou do marido mas não pode mudar de nome, pois ninguém sabe quem é “Marta Smith de Vasconcelos”.

Assim, ao casar, mulher nenhuma deveria adotar o nome do marido e vice-versa (hoje, os homens também podem adotar o nome das esposas), a não ser que haja fundadas razões para agir dessa forma. As pessoas devem nascer e morrer com o mesmo nome. Já foi o tempo em que mulheres eram propriedade dos maridos e perdiam a identidade ao casar.

Quanto às atividades profissionais dos noivos tampouco devem eles abandoná-las em nome da união conjugal. Principalmente as mulheres, sensíveis aos apelos de seus homens para que deixem de trabalhar e passem a cuidar exclusivamente da casa e dos filhos, precisam tomar cuidado para não dar o passo errado.

Há casamentos que duram a vida toda. Em compensação, há aqueles que terminam antes de começar. Ninguém sabe do futuro e abandonar um emprego pode trazer danos morais e patrimoniais sérios. Além disso, nem sempre o homem conseguirá arcar, sozinho, com as despesas da casa. As mulheres não devem, em hipótese alguma, parar de trabalhar fora pelo fato de se casarem. Essa postura é ultrapassada e só gera dissabores.

Se e quando o casamento acabar, o cônjuge dependente economicamente ficará na pior situação. Não é preciso correr esse risco. Se o casamento não acabar até a morte, mesmo assim, quando um dos dois morre, alguém sobra sozinho e tem de se sustentar. Na hipótese mais feliz, do casamento durar longos e longos anos, ainda assim é extremamente desagradável passar a vida pedindo dinheiro ao cônjuge e sendo controlada por ele.

Os homens tampouco devem pedir às esposas que abandonem suas atividades profissionais. Se houver separação e elas forem dependentes deles, os ex-maridos terão de pagar pensão alimentícia, coisa que costuma aborrecê-los bastante. É espantoso que, mesmo conhecendo os riscos de uma vida submissa, algumas mulheres ainda optem por ela. É mais espantoso, ainda, que homens inteligentes cheguem ao extremo do ciúme e da possessividade e exijam que suas noivas deixem seus empregos na hora de casar.

Além de tudo, nossa sociedade é tão servil ao poder econômico que quem não tem dinheiro não tem valor. O trabalho é o bem mais precioso porque dele advém a dignidade e o respeito social. Não é certo pretender que a mulher renuncie a tudo em nome de um casamento. Tampouco é correta a postura da esposa que, cedendo à comodidade, joga nas costas do marido toda a responsabilidade pela manutenção da casa, dos filhos e de si mesma. O homem não está mais obrigado a ser o único provedor.

Quanto ao regime de bens, pode ser escolhido livremente. O novo Código Civil, que entrará em vigor dentro de um ano, permitirá a alteração do pacto nupcial a qualquer tempo, mesmo após o casamento. No entanto, quando os cônjuges já possuem considerável patrimônio pessoal antes de casar, o ideal é a separação total de bens, cuidando cada qual de administrar o que é seu.

Por fim, o fato de casal estar sempre preparado para enfrentar a separação, mesmo que ela nunca aconteça, traz o benefício da preservação da individualidade de cada um. Ninguém precisa renunciar ao que gosta de fazer, ninguém é completamente absorvido pelo outro, não se perdem os amigos nem os bens. A união passa a ser uma opção que se faz todos os dias e não um fardo a ser carregado pela falta de outro caminho a percorrer.

Na verdade, se o casamento durar para sempre, melhor. Mas, na hora de casar, é preciso não esquecer que ele pode acabar.

Autores

  • é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, autora de vários livros, dentre os quais “A paixão no banco dos réus” e “Matar ou morrer — o caso Euclides da Cunha”, ambos da editora Saraiva. Foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça no governo FHC.

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